Fernando Exman, João José Oliveira e Vanessa Adach
A Embraer e a americana Boeing já fecharam questão sobre a estrutura que vai permitir combinar algumas unidades de negócios da brasileira em uma nova empresa a ser criada a partir da sociedade das duas multinacionais. Mas falta ainda definir detalhes que viabilizem a criação e a operação dessa joint-venture, de uma forma que a sustentabilidade de longo prazo da fabricante brasileira seja garantida. É sobre percentuais que as discussões se concentram agora.
Segundo o Valor apurou com fontes a par das negociações, esse é o motivo pelo qual o negócio ainda não foi levado formalmente ao Ministério da Defesa e à Presidência da República – que tem poder de veto sobre negócios que envolvam mudança de controle na Embraer.
Embora técnicos das empresas e do governo digam que estão hoje mais próximos do mecanismo que atenda ao modelo de joint-venture, há falta de consenso sobre temas relevantes.
O Valor apurou que o lado brasileiro – Embraer e governo – quer que a fabricante brasileira tenha pelo menos 20% da joint-venture, além de assentos no conselho. Mas a Boeing não aceita menos do que 90% do controle da nova empresa e não deseja ter conselheiro indicado pelo Brasil.
Segunda-feira, houve em Brasília uma reunião de trabalho entre representantes da Boeing e técnicos do governo brasileiro. Na terça-feira, o ministro da Defesa, Joaquim Silva e Luna, chegou a afirmar que as duas empresas estão mais próximas de um acordo.
Esse encontro de trabalho sucedeu outro, semana passada, quando o vice presidente da Embraer e presidente da Embraer Aviação Comercial, John Slattery, esteve em Seattle, sede das maiores unidades industriais da Boeing. Ele é um dos principais articuladores nas negociações, que tenta aproximar as posições da americana com as do Brasil.
O Valor apurou que autoridades de Brasília ainda consideram possível que as duas companhias cheguem a um entendimento no curto prazo porque foram superadas outras divergências. Mas ainda há preocupações sobre o desenho final do acordo, sobretudo com a sustentabilidade e a viabilidade da área de defesa. "Esse é o grande temor do governo: no médio prazo, verificar que a capacidade financeira e de inovação do setor de defesa da empresa foi sufocada", disse ao Valor uma fonte governamental.
Essa fonte lembrou que a Embraer participa de vários projetos estratégicos das Forças Armadas, considerados vitais pelo governo e relacionados diretamente à segurança e à soberania do país.
Neste momento, advogados e profissionais de bancos representantes das duas empresas estão redigindo e acertando parágrafos e números do contrato dessa terceira empresa.
Está acordado que a principal fonte de receita da nova empresa será a produção, a venda e a prestação de serviços da área de jatos comerciais da Embraer.
A joint-venture também será prestadora de serviços para Embraer e Boeing no desenvolvimento de novos jatos executivos, na comercialização e prestação de serviços para a área de aviação particular e para área de defesa.
Também está acordado entre empresas e governo que as atividades de pesquisas, desenvolvimento e produção da área de Defesa & Segurança não entram no escopo de negócios que Embraer e Boeing irão compartilhar. Essa área responde por apenas 15% das vendas da companhia brasileira e tem uma margem de lucro de um dígito.
Esse ponto só será resolvido quando as empresas e governo concordarem sobre duas variáveis que dependem da participação que a Embraer tiver na joint-venture: quanto a empresa brasileira vai receber da Boeing pelos ativos que vai colocar na joint-venture; e quanto vai receber em percentual de vendas e de lucro operacional a cada trimestre, depois que a nova companhia estiver operando.
Quando esses itens forem resolvidos também estará equacionada a questão envolvendo a área de defesa – pois a adequada remuneração para a Embraer é o fator que vai determinar a sustentabilidade da área de Defesa & Segurança da brasileira.
Paralelamente às negociações das empresas e governo brasileiro, atores que se opõem ao acordo também têm se articulam. Ontem, o vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região, Herbert Claros, também empregado da Embraer, estava em Seattle, a convite da International Association of Machinists and Aerospace Works (IAM). "Viemos ter uma reunião para entender como funciona a Boeing aqui", disse o sindicalista brasileiro. "Ouvimos que a Boeing é conhecida por ser linha dura em relação a organização sindical. Pegamos copias do contrato de trabalho deles para analisar isso também", disse.
Procurada, a Boeing disse que tem um histórico longo de colaboração com a Embraer e que já perdura por décadas. "Nosso interesse reside numa combinação de negócios que apresente sinergias e que tenha alto valor estratégico, o que inclui a complementaridade de linhas de produtos, capacidade de verticalização, maior oferta de serviços e aumento de capacidades em termos de talentos", disse a empresa. "Temos ciência de todas as questões levantadas pelo governo brasileiro e temos total respeito por elas. No momento estamos trabalhando na análise e detalhamento das opções possíveis e esperamos poder chegar a um acordo para a negociação em curso", apontou por nota.
A Embraer informou que não poderia comentar o assunto.