Fábio Grellet
O ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou que o governo federal torce para que a fabricante brasileira de aviões Embraer firme um acordo com a norte-americana Boeing, desde que isso não implique em poder externo sobre a Embraer.
As empresas discutem um acordo desde o ano passado. "O governo quer que dê certo, torce para dar certo. Eu, inclusive, me reuni com o diretor financeiro da Boeing e sua equipe e disse a ele: "olha, encontre uma maneira, sejam criativos", afirmou o ministro em entrevista ao programa Globonews Miriam Leitão, exibido na noite desta quinta-feira, 1º, pela emissora de TV paga Globonews.
Para Jungmann, é preciso criar um tipo de parceria que impeça que outro governo tenha poder sobre a Embraer, responsável por projetos do governo federal. "O nosso problema é que, se o controle passa para um terceiro país, as nossas decisões ficam subordinadas àquele país – por exemplo, ao Congresso americano. Se o Congresso americano, amanhã, decidir que não é de seu interesse o desenvolvimento de um reator nuclear ou o ciclo completo nuclear que a Marinha faz, se ele tem o controle da Embraer, isso está rompido", disse.
"É uma parceria. Crie uma terceira empresa. Como nós fazemos isso? Não sei. Eu sei o que não pode (fazer). Nenhum país do mundo vende uma empresa estratégica de defesa. Não é por nacionalismo, ultra-nacionalismo ou qualquer tipo de preconceito com os americanos ou a Boeing. Nós apostamos que dê certo, mas temos um limite que remete a um projeto nacional autônomo que é o limite que a gente impõe", continuou o ministro.
Jungmann completou ainda que "a gente aposta nessa parceria, porque o mercado aeronáutico global está mudando e é importante tanto para a Embraer como para a Boeing".
Boeing dá as cartas para firmar acordo com Embraer¹
A Boeing vai apresentou ontem, quinta-feira, 1º, uma nova proposta ao governo brasileiro para consolidar a união com a Embraer, defendendo a manutenção da golden share (ação especial, com direito a veto) da União apenas na área de defesa da aérea brasileira, segundo apurou o Correio.
A gigante norte-americana, cuja receita atingiu US$ 93,4 bilhões em 2017, está disposta a investir US$ 6 bilhões para adquirir a propriedade da Embraer — e não o controle, no caso da área de defesa —, sem tirar as operações da companhia do Brasil, nem alterar a marca. Há espaço para negociações.
O governo brasileiro pode, por exemplo, ficar com uma parte da propriedade na área de passageiros, em que os norte-americanos teriam o controle. Ontem, ao comentar os resultados da Boeing, o principal executivo da empresa, Dennis Muilenberg, disse que a associação com a Embraer representa um “ótimo encaixe estratégico”, principalmente pela complementariedade.
Mas não entrou em detalhes a respeito da proposta. Se o governo brasileiro sinalizar de uma forma positiva, a conclusão do negócio deve se dar em 10 meses, no máximo, um ano. Resta saber como o presidente Michel Temer vai reagir à nova proposta.
Desde que tomou conhecimento das tratativas das duas empresas para uma possível associação, Temer tem reiterado que não abre mão do controle da Embraer, “nem de forma direta, nem indireta”.
A resistência, justificou o governo, é por uma questão de soberania nacional. A Embraer é estratégica para a defesa e para as Forças Armadas no desenvolvimento de novas tecnologias na área militar, não só com a fabricação de aeronaves, como o KC-390, de transporte militar, mas também em satélites, comunicações e monitoramento.
Por isso, o governo criou um grupo de trabalho composto por representantes da Força Aérea Brasileira (FAB), dos ministérios da Defesa e da Fazenda e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para avaliar a união da empresa brasileira com a norte-americana.
Uma fonte governamental ligada às negociações chegou a afirmar que o grupo aguarda por uma proposta “menos hegemônica”. Resta saber se a ideia de manter a golden share na área da defesa será suficiente para isso.
Como a própria Boeing tem associações com empresas aéreas na Inglaterra e na Austrália sem qualquer visibilidade das áreas militares e de Defesa, os novos termos que serão apresentados hoje podem sensibilizar o governo.
Os negócios entre Boeing e companhias daqueles dois países respeitam as leis locais. No caso da Austrália, o conselho da empresa é formado 100% por cidadãos australianos.
Namoro antigo
Apesar de o lance mais agressivo ter sido dado após a associação da Airbus, principal concorrente da norte-americana, com a canadense Bombardier, que atua no nicho de aviões médios, foco da Embraer, o namoro entre as duas fabricantes é antigo. A primeira investida da Boeing ocorreu há três décadas.
A sinergia das duas empresas e a forte atuação da brasileira no mercado norte-americano fizeram as conversas se intensificarem ao longo do tempo. Há seis anos, a Boeing instalou um centro conjunto em São José dos Campos, sede da Embraer no Brasil, para colaboração nas áreas comercial e de defesa. A parceria tecnológica foca a pesquisa de combustíveis alternativos.
As duas companhias têm interesse na associação. Sobretudo, pela complementariedade dos seus produtos na área comercial. Enquanto a Boeing é líder mundial na fabricação de aeronaves acima de 150 assentos, a Embraer lidera a produção global de aviões com até 140 lugares. Por isso, qualquer que seja o desfecho da negociação, a Boeing não deve suprimir nenhum produto da aérea brasileira.
Para a Embraer, a união com a maior do mundo garantiria mercado para seus novos produtos, cujo desenvolvimento está finalizado, como o próprio KC-390.
Segundo o especialista em aviação Edmundo Ubiratan, o avião de transporte militar, por enquanto, só foi encomendado pela FAB. “O KC-390, que é a maior aeronave fabricada no Brasil e o mais ambicioso projeto já desenvolvido aqui, tem condições de substituir os veteranos cargueiros C-130 Hercules (da década de 1950), o que significa um potencial de venda de mais de mil unidades ao longo dos anos”, comentou.
Escassez de recursos
Na opinião do professor de Economia do Transporte Aéreo Adalberto Febeliano, o país não tem como manter os projetos militares. “O governo diz que não quer perder o controle da área militar, mas não tem dinheiro para investir”, destacou. O especialista lembrou que, quando a Aeronáutica precisou de caças, comprou os Gripen da sueca Saab. “Fazer do zero é muito caro. O KC-390 está sendo feito com apoio porque a FAB precisava, mas vender um a cada 10 anos não vai manter a empresa viva”, alertou.
A associação também asseguraria o aproveitamento da inteligência dos engenheiros da Embraer, uma vez que a Boeing está começando uma nova produção. Além facilitar o fornecimento de equipamentos da brasileira para a norte-americana. Atualmente, a Boeing não tem uma integração vertical — perdeu essa capacidade ao longo dos anos — e depende de muitos fornecedores. Chegou a ficar com aeronaves paradas no pátio por falta de assentos.
A Embraer é uma das companhias da indústria aeroespacial mais pontuais do mercado e produz vários componentes que interessam à norte-americana, entre eles, o trem de pouso, interiores e softwares usados na cabine de comando das aeronaves.
¹com Correio Braziliense