Geraldo Doca
A nova proposta de associação entre Boeing e Embraer prevê que o braço da companhia brasileira na área de defesa fique fora do negócio, mas tenha participação nas receitas da parceria que as duas empresas pretendem firmar.
Segundo fontes a par das negociações, que avançaram esta semana com a entrega de um memorando ao grupo de trabalho do governo que examina o negócio, a previsão de um fluxo de receitas para garantir a sustentabilidade dos projetos vinculados às Forças Armadas é fundamental para que o Planalto dê o aval à operação.
As negociações avançam em direção à criação de uma nova empresa, exclusivamente na área comercial (aviões de porte médio, entre 90 e 144 passageiros), que é o principal interesse da Boeing para complementar seu portfólio. Já está definido que a americana terá controle acionário nessa joint venture, mas a participação de cada uma ainda não está fechada.
Na proposta, a Embraer continuaria a existir como uma empresa para abrigar não apenas a divisão de defesa, mas também as áreas de aviação executiva (jatos), agrícola e de serviços. A defesa teria uma participação na joint venture, garantindo um fluxo de parte das receitas.
Em dezembro, a Boeing apresentou uma proposta agressiva, que previa a aquisição de toda a Embraer, mas os termos foram rejeitados pelo governo brasileiro, que tem direito de veto em decisões estratégicas desde a privatização da empresa, em 1994.
A segurança das informações de projetos militares foi o principal ponto de objeção. Diante do impasse, a gigante americana fez então uma nova proposta em janeiro, deixando com a companhia brasileira apenas a divisão de defesa, o que também não foi aceito. Nesse caso, pesou a falta de sustentabilidade para a pesquisa e desenvolvimento dos projetos de defesa, uma vez que o segmento depende de orçamento público, cada vez mais restrito.
A terceira proposta foi desenhada por representantes das duas empresas. Segundo técnicos envolvidos nas conversas com o governo, o momento agora é de definir o “conceito” do negócio e partir depois para os detalhes. O grupo de trabalho — com representantes da Fazenda, Defesa, BNDES e Força Aérea — vai se reunir na próxima semana e, se houver consenso, o assunto será levado ao presidente Michel Temer.
— Esse alinhamento é importante para auxiliar o governo brasileiro a decidir se ele exercerá ou não a golden share (classe especial de ações que dá direito a veto em questões estratégicas), quando a operação for apreciada pelo conselho de administração — disse uma fonte do governo.
Segundo essa fonte, o governo brasileiro apóia o negócio, considerado positivo para as duas empresas, com potencial "enorme" para a Embraer. A Boeing é a maior exportadora dos Estados Unidos, dona de faturamento anual de mais de US$ 90 bilhões, enquanto que a Embraer fatura US$ 6 bilhões.
A parceria entre as duas vai permitir à companhia nacional maior acesso ao mercado internacional (venda de aeronaves, inclusive militares) e compra de insumos por um custo menor, explicou um técnico.
Além disso, o entendimento no governo é de que a parceria preserva empregos no Brasil. Assim que a Embraer concluir o projeto da aeronave E2 (nova família de aviões comerciais de porte médio mais eficiente) e da aeronave militar KC 390 (que vai substituir Hércules, utilizado para transporte de tropas) – um contingente de 1.500 engenheiros da companhia ficarão ociosos sem novos projetos.
A parceria com a gigante americana, que está de olho nos profissionais brasileiros no desenvolvimento de novos projetos, resolve esse problema. A Boeing também sai ganhando ao incorporar a experiência brasileira na fabricação de aviões de porte médio e assim, competir com a europeia Airbus, que se associou à canadense Bombardier, concorrente da Embraer, no segmento.
Segundo Adalberto Febeliano, especialista do setor, a operação passa por três pontos, que são a necessidade de preservar empregos, assegurar a produção de novas tecnologias pela indústria nacional e salvaguardar as informações estratégicas.
Segundo um técnico do governo, esta questão específica será preservada em acordo de cooperação entre as duas empresas, que não dê margem para descumprimento de cláusulas. Ele também não vê problemas na continuidade do negócio entre Embraer e o grupo sueco Saab, que está fabricando no Brasil os novos caças da Força Aérea (Gripen).