A indústria bélica está em polvorosa no Brasil. O governo vai investir mais de R$ 30 bilhões no reaparelhamento das Forças Armadas. Fusões e aquisições movimentam o mercado e atraem novas empresas, como a Embraer e a Odebrecht Por Guilherme Queiroz e Carlos Eduardo Valim
Para a indústria de defesa brasileira, o nome Osório carrega um fardo histórico. Projetado pela extinta Engesa, em meados da década de 1980, era tido, à época, como um tanque inovador, mais moderno e mais barato que os concorrentes. Mesmo com credenciais como essas, o Osório não conseguiu sair do estágio do protótipo da Engesa.
Numa concorrência aberta pelo governo da Arábia Saudita, foi derrotado por um similar dos Estados Unidos, o M1 Abrams. Reza a lenda que foi uma jogada diplomática não muito leal dos americanos, que acusaram o Brasil de estar alinhado à antiga União Soviética. A derrota ajudou a precipitar a falência da então maior fabricante de blindados da América Latina, que havia investido US$ 100 milhões no protótipo do Osório.
Com a morte do tanque brasileiro, boa parte da indústria local de armamentos perdeu o rumo por muito tempo. Agora, quase duas décadas depois, o fracasso do Osório começa a ser exorcizado com um novo ciclo de investimentos. Nos próximos 15 anos, mais de R$ 30 bilhões devem ser gastos para reaparelhar as Forças Armadas. A boa notícia é que, em vez de ser gasto na compra de equipamentos de segunda mão, descartados por outros países – prática recorrente até há pouco tempo –, esse dinheiro será aplicado na indústria nacional, chamada a desenvolver tecnologias para modernizar as obsoletas frotas do Exército, Marinha e Aeronáutica. “Saímos da vida vegetativa para o renascimento da indústria”, diz Carlos Pierantoni, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa (Abimde).
A justificativa para o novo ciclo de investimentos está no plano do governo de estruturar uma capacidade dissuasória contra ataques à América do Sul. “Temos recursos na região que serão objeto de disputa em 50 anos: água, solo, capacidade energética”, afirma o ministro da Defesa, Nelson Jobim. A nova Estratégia Nacional de Defesa (END) prevê duas frentes principais de investimentos: para o monitoramento das fronteiras e para a mobilidade de tropas.
A perspectiva de participar como fornecedor dos grandes projetos militares gera uma movimentação intensa no setor bélico brasileiro. Há duas semanas, o LAAD, maior evento de defesa da América Latina, realizado no Rio de Janeiro, reuniu 663 expositores de 40 países, o dobro de 2009.
Um dos “xodós” das Forças Armadas é o cargueiro KC 390, em desenvolvimento na Embraer, que deve consumir US$ 1,7 bilhão em investimento até o voo do primeiro protótipo, em 2014. Candidata a conquistar 30% do mercado mundial, a Embraer já soma 60 intenções de compra de oito países e dois parceiros internacionais na produção: a Argentina FAdeA, para construção de partes da asa, e a tcheca Aero Vodochody, que fornecerá aeroestruturas. A Embraer também já mapeou oportunidades para investir em sistemas de defesa antiaérea e radares e desenvolve um veículo aéreo não tripulado em parceria com a gaúcha AEL Sistemas S.A.
As perspectivas de negócios são tantas que a empresa, sediada em São José dos Campos, criou em março uma divisão específica para executar sua estratégia no setor de defesa. “Estima-mos participar de projetos com valor de até US$ 15 bilhões nos próximos 15 anos”, disse à DINHEIRO Luiz Carlos Aguiar, presidente da Embraer Defesa e Segurança.
A empresa não tem medido esforços para demarcar território no setor. Em março, adquiriu a Orbisat, fabricante paulista de radares, por R$ 28,5 milhões. Neste mês, anunciou a aquisição de 50% da Atech, responsável pelo projeto básico do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), que vai consumir US$ 6 bilhões.
Com a aquisição, um negócio avaliado em R$ 36 milhões, a Embraer ganha espaço para ser a gestora das próximas etapas de instalação de radares e integração dos sistemas. “As Forças Armadas darão esse papel a uma companhia brasileira”, diz o general Antonino Guerra, comandante de comunicação e guerra eletrônica do Exército.
A Embraer não está sozinha nesse páreo.
Segundo o general Guerra, empresas de outros segmentos demonstraram interesse no projeto. O grupo Odebrecht, potência nas áreas petroquímica e de infraestrutura, aposta muitas fichas na área de defesa. Em 2008, o grupo já havia fechado contrato, no valor de R$ 20 bilhões, com a francesa DCNS para construir submarinos convencionais e de propulsão nuclear, além do estaleiro em que serão fabricados, no Porto de Sepetiba, no Rio de Janeiro.
No ano passado, a Odebrecht assumiu a Mectron, fabricante paulista de mísseis, e firmou uma joint venture com a francesa Cassidian, braço de defesa do grupo EADS. Esses movimentos foram consolidados há duas semanas com a criação de seu braço bélico, a Odebrecht Defesa e Tecnologia. “Acreditamos nesse mercado, mas é um projeto de longuíssimo prazo”, diz Roberto Simões, presidente da nova divisão. Outras aquisições este ano, porém, não estão descartadas.
Nesta nova etapa para o setor, um dos maiores incentivos para as empresas locais é a exigência das Forças Armadas de um percentual mínimo de componentes nacionais nos projetos em curso. A Iveco, de Minas Gerais, fábrica de caminhões da Fiat, estima em um total de 100 as empresas brasileiras que participarão da produção do blindado Guarani, que começa a ser fabricado em Sete Lagoas (MG), no fim de 2012. O contrato de R$ 6 bilhões, firmado com o Exército, prevê a entrega de 2.044 unidades com 60% de índice de nacionalização. “Todas as tecnologias, de mecânica e eletrônica à fabricação do motor, foram desenvolvidas no Brasil”, afirma Marco Mazzu, presidente da Iveco Latin America. Outra empresa instalada em Minas que vê benefícios no índice de nacionalização é a Helibrás, fabricante do helicóptero EC-725 Super Cougar. A empresa tem uma encomenda de 50 aeronaves, que serão produzidas em Itajubá (MG).
Parte das peças serão importadas da matriz – seu principal controlador é a Eurocopter, do grupo EADS – e 50% dos componentes serão nacionais. Alguns helicópteros, porém, não devem ser produzidos no Brasil. Eduardo Marson, presidente da Helibrás, não vê nisso um problema. “Nossos fornecedores locais serão integrados à enorme cadeia global da Eurocopter”, diz.
Tornar-se fornecedor em escala global é o sonho de produção de qualquer fabricante que se preze. Ainda mais num segmento que movimenta US$ 1,5 trilhão por ano no mundo. Mas o mercado interno também pode garantir pedidos da indústria para o setor civil. A paulistana Atmos, por exemplo, que desenvolve radares meteorológicos para uso militar, já pensa numa nova finalidade para seus sistemas. “A Copa do Mundo e as Olimpíadas de 2016 vão impulsionar nosso mercado”, diz Cláudio Carvas, presidente da Atmos.
Diversificar mercados é também uma chance de as empresas se tornarem menos suscetíveis às restrições no orçamento do Ministério da Defesa, uma das primeiras pastas a sofrer cortes quando o governo precisa apertar o cinto. Em 2011, a tesourada atingiu R$ 4,3 bilhões dos investimentos, forçando o Ministério da Defesa a malabarismos para manter programas como o do blindado Guarani.
Por outro lado, o setor tem se mostrado otimista com a elevação dos investimentos, que quadriplicaram nos últimos cinco anos, chegando a R$ 7,7 bilhões em 2010. Segundo o Instituto Internacional de Estudos da Paz de Estocolmo (Sipri), entidade que mede e analisa orçamentos de defesa em todo mundo, o Brasil foi o principal responsável pela alta de 5,8% dos gastos militares da América Latina. “O Brasil está buscando projetar seu poder e influência por meio da modernização militar’’, constatou a entidade.