Bruno Rosa e Ramona Ordoñez
RESENDE (RJ) E RIO – O programa nuclear brasileiro, que ganhou forma no fim dos anos 1960 com a construção da usina de Angra 1, vive nova polêmica, com a paralisação de sua única mina no sudoeste da Bahia, responsável pela exploração de todo o urânio consumido no país. A produção, que era de 400 toneladas anuais, se esgotou há dois anos.
E, afetado pela crise política e econômica, o Brasil, embora dono da sexta maior reserva do mineral no mundo, segundo a estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), vem importando tudo o que consome de países como EUA, Alemanha, Holanda e Reino Unido.
O urânio é matéria-prima para a geração da energia nuclear. Outros países com grandes reservas são Austrália, Canadá e Rússia. No Brasil, a exploração desse mineral ocorre na mina de Caetité, na Bahia, a mais de 600 quilômetros de Salvador. O urânio, então, passa por um processo químico, gerando um pó amarelo (chamado de yellow cake), que posteriormente é enriquecido para gerar energia elétrica nas usinas nucleares.
Responsável pela exploração e enriquecimento do urânio, a INB tenta buscar recursos para voltar a explorar o minério em novas minas na região de Caetité, o que depende de licenciamento ambiental. A mina a céu aberto tem potencial para produzir 240 toneladas de concentrado de urânio por ano.
A outra mina, subterrânea, pode produzir 400 toneladas anuais. Além disso, segundo a INB, haverá ampliação da unidade química, responsável por transformar o urânio em yellow cake, que já está em fase de projeto executivo. Ao todo, serão investimentos totais de R$ 531 milhões.
Apesar de a INB não divulgar a quantidade de importação de urânio, dados da consultoria Barral M Jorge indicam que, em 2015, foram importados 168,1 toneladas de urânio natural (e seus compostos), bem maior que as 6,8 toneladas compradas do exterior em 2014. Neste ano, até outubro, foram adquiridas 33,8 toneladas.
— Nossa mina na Bahia, que produzia anualmente cerca de 400 toneladas por ano de concentrado de urânio, está parada há cerca de dois anos, já que houve esgotamento da mina. Tínhamos um estoque. Um dos focos da INB é retomar a capacidade de produção na Bahia — disse Giovani Moreira, diretor de Produção Nuclear.
Mas os desafios da INB vão além do licenciamento. Falta dinheiro, dizem fontes do setor. Por isso, o presidente da INB, João Carlos Derzi Tupinambá, eleito para o cargo no início deste ano, está na China em busca de recursos: — A INB está em busca de parcerias.
Outro foco para aumentar a produção do combustível nuclear no Brasil é incentivar o avanço do enriquecimento de urânio no país, feito na fábrica da INB em Resende, no sul do Estado do Rio. Segundo Ezio Ribeiro, superintendente da estatal, o país enriquece somente 16% do que é consumido. Para reverter esse cenário, a estatal pretende investir US$ 510 milhões, mas depende do Tesouro Nacional.
— A primeira fase do projeto para elevar o enriquecimento já começou, com novas centrífugas. O importante é ter autonomia e ser autossuficiente — disse Ribeiro.
Para superar esse imbróglio, especialistas afirmam que o Brasil precisa de uma política industrial para o setor nuclear. Para o consultor técnico da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), Francisco Rondinelli, a importação ocorre devido à falta de investimentos em sua expansão, apesar de o Brasil dominar a tecnologia. Segundo ele, seria necessário investir R$ 5 bilhões para o país se tornar autossuficiente e até exportar.
— O Brasil domina a tecnologia de todas as etapas do ciclo do combustível, inclusive a mais estratégica, que é a do enriquecimento. É preciso definir uma política para o ciclo, que poderia contar com recursos do BNDES, para tornar o Brasil exportador de urânio enriquecido — destacou Rondinelli.
Mas os planos da INB esbarram ainda na construção da usina nuclear de Angra 3, que teve suas obras paralisadas em 2015 após denúncias de superfaturamento. É com Angra 3 que a INB pretendia ampliar a fábrica de Resende.
A construção de Angra 3 se arrasta desde 1986. Em Resende, parte do equipamento de Angra 3 já está pronto.
Em um local chamado de “açougue”, devido à semelhança com a disposição de produtos em um frigorífico, estão estocados 69 equipamentos (chamados de elemento combustível), que têm em seu interior varetas de quase quatro metros de altura com as pastilhas de urânio enriquecido. Só vão sair dali quando Angra 3 estiver pronta, após 2021, segundo previsões.
— Contamos com Angra 3. Esperamos uma solução desse problema a curto prazo. Sabemos que a Eletronuclear está se mexendo bastante na busca de uma solução — disse Tupinambá.
Antônio Muller, presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento das Atividades Nucleares (Abdan), defende que o país deveria investir para ter capacidade industrial de produção em todas as etapas do combustível nuclear:
— É um desperdício ter os insumos, tecnologia e instalações e estarmos importando o concentrado de urânio.
Poderia se fazer parceria com o setor privado para minerar o urânio, por exemplo. E o país poderia até exportar esse produto.
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Nota DefesaNet
Embora o tom negativo da matéria o Brasil, no ano de 2016, o Brasil entrou no seleto clube de países exportadores de Urânio enriquecido.
Ver matérias:
Brasil exportará urânio enriquecido pela primeira vez DefesaNet 2016 Link