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TPAN – A Caminho da Proibição de Armas Nucleares

A CAMINHO DA PROIBIÇÃO DE ARMAS NUCLEARES

A Primeira Reunião dos Estados-parte do TPAN

 

 

SERGIO DUARTE

Embaixador, ex-Alto Representante das Nações Unidas

 para Assuntos de Desarmamentos. Presidente das

 Conferências Pugwash sobre Ciência e

Assuntos Mundiais

 

 

A Primeira Reunião das Partes Contratantes do Tratado de Proibição de Armas Nucleares (TPAN) foi realizada na semana passada em Viena, conforme previsto no artigo 8.2 do instrumento. A Reunião foi presidida pelo Embaixador Alexander Kmentt, da Áustria, com os representantes do México e Casaquistão como vice-presidentes. Representantes dos governos que aderiram ao Tratado, assim como de organizações internacionais e de entidades da sociedade civil e acadêmicos também estiveram presentes aos debates. Vítimas sobreviventes de explosões nucleares participaram relatando suas experiências pessoais.

Alguns países não participantes do TPAN se fizeram representar na Reunião na qualidade de observadores, inclusive alguns que têm acordos de segurança com potências nuclearmente armadas ou estão em vias de ingressar em tais acordos. Esse foi o caso da Alemanha, Austrália, Bélgica, Finlândia, Suécia, Países Baixos e Noruega. Em suas intervenções no debate, essas delegações em geral ressaltaram seu compromisso com o desarmamento, mas indicaram considerar o TPAN incompatível com sua participação na OTAN. Apesar de intensa pressão de organizações não-governamentais, o Japão – único país a sofrer ataque nuclear –decidiu   não comparecer.

 

Até o momento, 86 países firmaram o Tratado de Proibição, inclusive o Brasil, e 62 já o ratificaram. Em diversos Parlamentos encontram-se em andamento os procedimentos regulamentares para a ratificação.

 

O TPAN foi negociado e adotado por uma Conferência das Nações Unidas em 2017. Entrou em vigor em 21 de janeiro de 2021 ao ser depositado o quinquagésimo instrumento de ratificação por Honduras. O Tratado foi em grande parte resultado da frustração de muitos países não possuidores de armas nucleares com a ausência de progressos no sentido do desarmamento nuclear, aliada a uma crescente rejeição das armas atômicas e à preocupação com a intensificação da corrida armamentista entre os nove países que as possuem e com as catastróficas consequências de seu possível uso.  

     

Por ocasião da adoção do TPAN os cinco países reconhecidos pelo Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) como possuidores dessas armas [1] declararam formalmente, em conjunto, que consideravam o novo instrumento “contraproducente” e “prematuro”. Afirmaram também sua intenção de jamais vir a assiná-lo, buscando com isso não apenas marcar sua oposição ao TPAN, mas também evitar que o Tratado de Proibição venha a ser aceito como norma de direito internacional consuetudinário, o que teria o efeito de criar obrigações juridicamente vinculantes mesmo para os que dele não participem. 

 

 Os resultados da Reunião reforçam a percepção de que o TPAN conferiu maior visibilidade às críticas ao que muitos observadores consideram falta de interesse de parte dos países possuidores de armas nucleares em negociar e adotar medidas eficazes de desarmamento, conforme as obrigações contraídas no artigo VI do TNP.  O advento do TPAN na verdade acrescentou uma nova dimensão à arquitetura internacional no campo do controle de amamentos, não proliferação e desarmamento nuclear, que há vários anos vem sofrendo um processo de erosão e descrédito.

 

Como resultados concretos, a Reunião adotou diversas decisões baseadas em documentos de trabalho que vinham sendo preparados por meio de consultas ao longo dos últimos meses. Houve acordo para a criação de um Grupo de Aconselhamento Científico, para a organização das atividades até a próxima Reunião e para a designação do México e Casaquistão para a presidência da Segunda e Terceira Reunião, respectivamente. Foi também adotado um Plano de Ação composto de 48 pontos, a ser implementado durante o período intersessional. Tais ações contemplam os seguintes objetivos específicos:

 

1 – universalização do TPAN;

2 – progresso no sentido da eliminação do armamento nuclear;

3 – assistência a vítimas de detonações nucleares, inclusive experimentais;

4 – institucionalização do grupo técnico e científico encarregado de assessorar as medidas de efetiva implementação do Tratado;

5 – relacionamento entre o TPAN e o TNP;

6 – outros temas necessários para atingir as finalidades do Tratado, inclusive a implementação dos dispositivos relativos a gênero. 

 

Ao final dos trabalhos, a Reunião adotou uma Declaração Política. O texto não singulariza nenhum país, apesar da insistência de alguns em mencionar aspectos relacionados com o atual conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Reflete, no entanto, a perigosa retórica relativa à possibilidade de uso de armas nucleares. A Declaração reitera os imperativos morais e éticos que inspiraram e motivaram a criação do TPAN e afirma que o estabelecimento de uma proibição juridicamente vinculante de armas nucleares constitui um passo fundamental em direção à eliminação irreversível e transparente dessas armas, necessário para atingir e manter um mundo livre de armas nucleares e portanto para a realização dos Propósitos e Princípios da Carta das Nações Unidas. 

A esse respeito, a Declaração prossegue afirmando que as catastróficas consequências humanitárias de detonações nucleares não podem ser adequadamente atendidas com os recursos existentes no mundo, transcendem as fronteiras nacionais, acarretam graves implicações para a sobrevivência e bem-estar da humanidade e são incompatíveis como respeito ao direito à vida.

Todos os estados compartilham a responsabilidade para a consecução do desarmamento nuclear, para evitar a proliferação de armas nucleares em todos os seus aspectos, para prevenir o uso e ameaça de uso de armas nucleares e para assistir as vítimas, assim como para mitigar os prejuízos e remediar os danos ambientais causados pelo uso e experimentação anterior dessas armas, segundo suas obrigações respectivas nos termos do direito internacional e acordos bilaterais. 

A Declaração enfatiza ainda que o risco de uma detonação nuclear por acidente, erro de cálculo ou desígnio afeta a segurança de toda a humanidade e que os perigos decorrentes da existência desse armamento são de tal gravidade que é necessária ação imediata para atingir um mundo sem armas nucleares.  

 

Certamente com o intuito de rebater a argumentação de que existe incompatibilidade entre o TNP e o TPAN, frequentemente utilizada pelos países nuclearmente armados e seus aliados, a Declaração ressalta que o tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares é a “pedra angular” do regime internacional de não proliferação e desarmamento e reafirma a compatibilidade entre os dois instrumentos. A propósito, embora a Declaração não o mencione, é útil recordar que a proposta de negociação do TPAN tem raízes no Artigo VI do próprio TNP, que diz: “Cada Parte deste Tratado compromete-se a entabular, de boa fé, negociações sobre medidas efetivas para a cessação em data próxima da corrida armamentista nuclear e para o desarmamento nuclear”. Foi exatamente o que fizeram os proponentes do TPAN.

 

Os estados-parte do TPAN estão convencidos de que a entrada em vigor de uma proibição legal abrangente das armas nucleares favorece a implementação do Artigo VI do TNP como medida eficaz e necessária relativa à cessação da corrida armamentista nuclear e ao desarmamento nuclear, prevista naquele dispositivo. Conclamam, por isso todos os membros desse último Tratado a redobrar os esforços para a completa implementação do Artigo VI e das ações e compromissos acordados nas Conferências de Exame desse Tratado. Finalmente, a Declaração reitera o comprometimento de continuar a trabalhar construtivamente com todos os estados-parte a fim de realizar os objetivos comuns.

 

O advento do TPAN causou impacto significativo no regime multilateral de controle de armamentos e desarmamento estabelecido pelo TNP, cujas partes celebrarão em agosto próximo a Décima Conferência de Exame da implementação do instrumento. Os resultados da Primeira Reunião do TPAN sem dúvida influenciarão as deliberações dessa Conferência, especialmente diante da atitude desafiadora até agora assumida pelos cinco países reconhecidos como possuidores de armas nucleares pelo TNP. E provável que surjam desacordos que se somarão a divergências anteriores entre países nucleares e não nucleares, dificultando e talvez impedindo um consenso sobre um Documento Final da Décima Conferência, como aliás ocorreu em cinco das nove ocasiões desde a entrada em vigor do TNP.

 

Comportamento prudente e disposição construtiva por parte de todos os membros do TNP são elementos absolutamente necessários para assegurar um resultado positivo da Décima Conferência, reforçando a permanência e autoridade do Tratado e levando em consideração os legítimos interesses de segurança da comunidade internacional como um todo.      

 


[1] China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia.

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