Nota DefesaNet
Matéria publicada na Revista Consultor Jurídico
Itálicos DefesaNet.
O editor
Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha
Ministra do Superior Tribunal Militar
O ano de 2012 foi repleto de decisões marcantes para a Justiça Militar da União. Ao assinalar os primados da hierarquia e disciplina, o Tribunal Castrense Federal debruçou-se sobre questões polêmicas e de grande repercussão social.
Dentre os casos mais emblemáticos, alguns versaram sobre a repreensão de agressões e abusos cometidos contra os militares, sob forma de exercícios, instruções ou treinamentos físicos, aplicados de forma desumana e degradante. Nessa esteira, o Superior Tribunal Militar condena, reiteradamente, oficiais e suboficiais, por maus-tratos, violência contra subordinados, lesões corporais ou até mesmo homicídio — Recurso em Sentido Estrito nº 70-88.2011.7.05.0005, Embargos de Declaração nº 10-81.2001.7.01.0101, Embargos de Declaração nº 35-52.2010.7.01.0401, Apelação nº 32-51.2011.7.02.02.0202, Apelação nº 31-47.2007.7.01.0101. De forma idêntica, tem a Corte apenado com rigor “trotes” e “brincadeiras” violentas em detrimento de jovens conscritos, recém-ingressos nas Forças Armadas — Apelação nº 7-38.2011.7.02.0202.
Jurisprudência simbólica diz respeito aos incidentes envolvendo as Forças de Pacificação. Frequentes têm sido os embates entre os militares e a população das comunidades, desacostumada à presença estatal. A judicialização sinaliza desejos de afronta e retaliação por aqueles que viviam ladeados pelos comandos criminosos. Nesse diapasão, inúmeras têm sido as condenações de civis que, desrespeitando e muitas vezes agredindo fisicamente os militares que lá se encontram para garantir e manter a lei e a ordem, cometem crimes contra a Administração Militar. Não são incomuns xingamentos e reações exacerbadas contra soldados incumbidos da ocupação nos Complexos da Penha e do Alemão — Apelação nº 109-81.2011.7.01.0301, Apelação nº 79-37.2011.7.01.0401.
No bojo de processos dessa natureza, o STM assentou que a atividade desempenhada pelos militares nessa missão é de natureza castrense, firmando, assim, a competência da Justiça Penal Especializada para processá-los e julgá-los, ex vi do disposto na Lei Complementar 97/1999. Igualmente, estabeleceu, na esteira do já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a constitucionalidade do artigo 90-A da Lei 9.099/1995 — HC nº 195-12.2011.7.00.0000.
Atenta aos modernos princípios do Direito Penal, que sinalizam pela minimização e otimização na aplicação das sanções, a Corte Milicien entendeu pela desnecessidade do estabelecimento de medida de segurança a ex-soldado inimputável. Tendo em vista tratar-se de acusado já submetido a tratamento psiquiátrico particular e o crime não ter sido cometido com uso de violência, grave ameaça ou com restrição da liberdade da vítima, a aplicação de medida de segurança mostrar-se-ia desproporcional, daí manteve a sentença absolutória — Apelação nº 19-15.2008.7.04.0041.
Nessa mesma linha, substituiu a pena privativa de liberdade aplicada a um soldado que foi flagrado com maconha escondida dentro de seu armário no quartel por tratamento ambulatorial. Em depoimento, confessou o réu ser dependente químico desde os 11 anos de idade. Identificado os transtornos mental e comportamental e a síndrome de dependência por uso de drogas, os magistrados da JMU adequaram a reprimenda penal com vistas à ressocializar o agente e não puni-lo — Apelação nº 21-47.2011.7.05.0005.
Sob outro giro, depara-se a Justiça Penal Especial com a lamentável recorrência de estelionatos previdenciários cometidos, em sua maioria, por civis que omitem o óbito do beneficiário-pensionista da Administração Militar. São, normalmente, parentes ou pessoas próximas ao falecido que mantêm a Administração em erro, com o intuito de perceber vantagens pecuniárias indevidas. Tais atos, ressalvadas as excludentes de ilicitude, são condenados amiúde, sabido que, quando se lesa o Erário, quem mais sofre são os cidadãos hipossuficientes, vulneráveis e necessitados — Recurso em Sentido Estrito nº 58-83.2010.7.02.0202.
Acerca da temática de concursos públicos, o Superior Tribunal Militar reverteu a condenação de um oficial que supostamente havia concorrido para o vazamento de gabaritos de prova de certame público. Em ação revisional, foi decidido que não se pode condenar alguém fundado, apenas, em prova testemunhal, posteriormente foi desmentida em juízo, em acatamento ao devido processo legal — Apelação nº 146-68.2011.7.00.0000.
No tocante ao direito à inclusão dos portadores de necessidades especiais, o STM confirmou decisão favorável a candidato que teve o nome inserido na Lista de Cadastro de Reserva em razão de ostentar perda auditiva bilateral parcial — Embargos de Declaração nº 71-29.2011.7.00.0000. Ainda referente à alteridade e ao respeito à diferença, em decisão contundente sobre intolerância religiosa no interior da caserna, manteve o Pleno Militar a apenação de sargento do Exército por ter “testado” a fé de um subordinado mediante ameaça de arma de fogo — Embargos de Declaração nº 187-21.2010.7.01.0201.
Circundada de grande celeuma é a fixação da competência nos crimes cometidos no bojo de processos licitatórios envolvendo a Administração Castrense: se o foro adequado para conhecer os feitos seria a Justiça Federal Comum ou a Militar. Firmou o STM o foro especial quando restar aferido ter o delito causado efetivo dano à Administração Militar; do contrário, há que decliná-lo em favor da Justiça Ordinária — Recurso em Sentido Estrito nº 105-85.2011.7.07.0007, Recurso em Sentido Estrito nº 31-45.2011.7.03.0103.
No tocante ao julgamento de civis pela Justiça Militar da União, na esteira do firmado pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, a ela compete julgá-los, mesmo em tempo de paz, se o agravo foi desferido em detrimento das Forças Armadas ou da Administração Militar. Dessa forma, afastou-se a incompetência daquele Juízo para processá-los somente em tempo de guerra — Recurso em Sentido Estrito 105-85.2011.7.07.0007.
Concernente aos crimes sexuais, assentou a JMU que tais infrações não atingem somente a liberdade sexual da vítima, mas, também, a credibilidade e a honradez das instituições militares — Apelação nº 100-36.2008.7.01.0201.
Imperioso rememorar, no retrospecto das decisões de 2012 da Justiça Militar da União, a grande comoção social causada pelos chamados “apagões aéreos”, ocorridos no ano de 2007. Na ocasião, os controladores de voo paralisaram o controle do tráfego aéreo nacional. Em primeira instância, a Justiça Militar da União em Curitiba condenou oito deles a quatro anos de reclusão como incursos no crime de motim, por terem aderido à paralisação iniciada em Brasília naquele mesmo ano — Embargos de Declaração nº 46-16.2007.7.11.0011.
Recorde-se, outrossim, o trágico episódio do Boeing da Gol e do jato Legacy que levou a óbito 154 pessoas, em setembro de 2006. Acordou o STM que a conduta do militar, controlador de voo responsável no dia do acidente, foi negligente e atuou de forma preponderante para o choque entre as aeronaves, uma vez que ignorou as normas de segurança. Manteve, então, o Superior Tribunal Castrense a sua condenação — Apelação nº 46-16.2007.7.11.0011.
Decisão significativa foi, ainda, a que apreciou tormentosa questão acerca da proporcionalidade e razoabilidade de reduzir-se a reprimenda sancionatória, num caso concreto — Apelação nº 11-18.2009.7.10.0010 — aquém do mínimo legal, sem causa atenuante, em homenagem ao princípio da individualização da pena. Por maioria, o STM resolveu quebrá-la ao vislumbrá-la exorbitante ao processo sub judice, constituindo tal decisum, o primeiro precedente nesse sentido, exarado por Pleno de Tribunal Superior, em todo o Judiciário Pátrio.
Inovou, também, o Superior Tribunal Militar, ao aplicar agravante em delito de natureza culposa, na segunda fase da dosimetria, sob o entendimento de, a despeito de na culpa ter mais relevância a conduta do agente, não há como desconsiderar-se o resultado decorrente do ato e seus efeitos, bem assim, a situação na qual o agravo foi praticado. Chancelou, pois, o Pleno, com base nesses parâmetros, a possibilidade de incidência do agravamento sancionatório, de modo a garantir a exata reprimenda e seu justo amoldamento às hipóteses do artigo 70 do Código Penal Militar, nos casos em que houver maior reprovabilidade no agir do sentenciado — Apelação nº 126-95.2010.7.07.0007 .
Noutro caso emblemático, concedeu habeas corpus de ofício em razão de incorreção na fixação da pena, em acórdão já transitado em julgado e prolatado pelo próprio Tribunal — Embargos nº 55-12.2010.7.00.0000. Buscou o deferimento do writ corrigir a reprimenda erroneamente fixada.
Alfim e apesar de tal entendimento não ter prevalecido no Superior Tribunal Militar pela diferença de apenas um voto, iniciou-se na Justiça Castrense da União importante discussão acerca da desnecessidade do status de militar de réu processado por crime de deserção se, quando o oferecimento da denúncia, ele o detinha. Refutou-se a chamada condição de prosseguibilidade, criação de cunho jurisprudencial, posto que a lei refere-se, apenas, à de procedibilidade, institutos diferentes e que não se confundem — Apelação nº 25-46.2012.7.01.0301.
Dita exegese guarda consonância com a Súmula 12 do STM e com o artigo 457, caput e seu parágrafo 3º do CPPM, dos quais se extrai que a condição de militar é exigida, tão somente, para a propositura da ação penal, mas não para seu seguimento. Trata-se de debate instigante, que após ser colocado pelo Plenário da JMU, tem sido objeto de artigos e textos jurídicos por parte dos acadêmicos e operadores do Direito.