Luis Kawaguti
A liberação de R$ 1,5 bilhão para a compra de armas para as Forças Armadas ajudará a economia do país em meio à crise mundial, mas não deve acabar com o mal-estar causado no meio militar pelas indicações dos membros da Comissão da Verdade.
O repasse da verba, anunciado na última quarta-feira, será feito ao Ministério da Defesa por meio do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) Equipamentos. Apenas produtos fabricados pela indústria brasileira serão adquiridos.
O efeito principal da medida deve ser o anunciado pelo governo: o estímulo da economia nacional em meio à crise econômica mundial, segundo Hector Saint-Pierre, professor do pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (das universidades Unesp, Unicamp e PUC).
Contudo, segundo ele, também é possível analisar o repasse como uma tentativa do governo de melhorar sua relação com os militares.
Em maio, a indicação pelo governo Dilma Rousseff de membros da Comissão da Verdade – criada para investigar abusos de direitos humanos durante o regime militar – criou um mal-estar com os militares, que interpretaram a ação como revanchismo, apesar de a comissão não ter poder punitivo.
"(A compra de equipamentos) pode melhorar o relacionamento até certo ponto. Mas isso (a sensação de revanchismo) acho difícil de reverter", afirmou Saint-Pierre.
Reajuste salarial
"Discutimos o assunto entre os clubes militares e chegamos ao consenso de que aparentemente não há relação direta (do repasse de verbas) com a Comissão da Verdade", disse o o vice-almirante Ricardo Antônio da Veiga Cabral, presidente do Clube Naval do Rio de Janeiro.
Segundo ele, a aquisição de armamentos em um contexto de defasagem de equipamentos nas três forças é um "reflexo positivo". Mas, afirmou, além da renovação do equipamento, militares da ativa e da reserva querem também um reajuste salarial.
O Ministério da Defesa afirmou que estuda conceder um reajuste e que está em negociação com o Ministério do Planejamento.
Cabral afirmou ainda que, mesmo assim, o "mal-estar" só deve ser resolvido quando o governo começar a "ouvir os dois lados", em referência a investigar também as ações praticadas por guerrilheiros de esquerda.
Descontentes com a composição da Comissão da Verdade, oficiais reformados do Clube Naval formaram uma "comissão paralela" para rebater eventuais acusações do grupo oficial.
Veículos e artilharia
O valor de R$ 1,5 bilhão destinado à compra de armas para os militares é parte de um montante de R$ 6,6 bilhões do orçamento que estavam contingenciados. Eles devem agora ser liberados por medida provisória.
Na lista de compras adicionais entraram 19 blindados Guarani (que se somarão aos 21 que já haviam sido encomendados pelo Exército para 2012).
Fabricados pela Iveco, eles devem custar R$ 342 milhões e substituir os blindados de transporte de tropas Urutu, em serviço há mais de 30 anos.
Tabém serão compradas 30 unidades do Astros, um veículo lançador de mísseis de saturação fabricado pela Avibrás que integrará a artilharia do Exército a um custo de R$ 246 milhões.
Os outros R$ 939 milhões serão destinados à compra de 4.170 caminhões de diversos tipos.
De acordo com Cabral, o investimento em blindados Guarani para o Exército é tão importante quanto a compra de caças (ainda em negociação) para a Força Aérea e de submarinos para a Marinha.
De acordo com dados do instituto Sipri, em 2011 o Brasil ficou em 10º no ranking de países que mais fizeram gastos militares. Segundo a entidade, o país empregou US$ 35 bilhões (R$ 70 bilhões) no setor.
Estratégia
O professor Saint-Pierre afirmou equipamentos como blindados e lançadores de foguetes são armas poderiam ser usadas em um cenário (hipotético) de guerra contra um país ou uma coalisão de nações da América Latina.
Contudo, considerando que a relação entre os países da região é de cooperação, não haveria sentido em comprar armas desse tipo para dissuadir agressões regionais.
Segundo ele, o ideal é que as nações sul-americanas trabalhem em uma estratégia conjunta de defesa que cumpra o papel de dissuadir agressões de potências mundiais.
Atualmente, a estratéria de defesa brasileira contra agressões externas contempla dois cenários principais: o primeiro prevê uma luta de exércitos regulares contra uma potência regional. O segundo é a adoção da estratégia de guerra irregular (guerrilha) em caso de invasão de uma superpotência.