Sérgio Quintella
Há duas semanas, um drone não identificado invadiu a rota de decolagem e aterrissagem do Aeroporto de Congonhas, na Zona Sul, e ali permaneceu durante duas horas.
A mera presença do objeto, pouco maior que uma pizza, foi responsável pelo atraso de 32 voos, o que atrapalhou milhares de passageiros e causou prejuízos estimados em 1 milhão de reais. Foi o mais recente e ruidoso percalço provocado pela multiplicação dessas engenhocas nos céus paulistanos.
Eles começaram a proliferar por aqui há cinco anos e hoje estão relacionados às mais diversas atividades, sejam elas comerciais — como gravações de vídeos publicitários —, sejam de lazer. Mas ordenar essa revoada não está sendo fácil. Para pilotar um aparelho do tipo, o dono deve obter autorização junto à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Estimase, no entanto, que 30% dos 6 000 equipamentos do gênero na capital estejam irregulares. Mesmo quem tem a permissão nem sempre cumpre suas regras de utilização. É o que ocorre, por exemplo, toda segunda-feira na Praça Charles Miller, no Pacaembu. A partir das 19 horas, o local fica tomado por uma esquadrilha.
No último dia 20, cerca de quarenta pessoas se aglomeravam para treinar manobras ou observar pelo menos dez dispositivos nos ares. “Viajo uma vez por mês para pilotá-lo em outras regiões, mas aqui é o meu lugar preferido em São Paulo”, afirma o técnico de informática Alex Faria. Apesar da liberdade de movimentos dos adeptos, a prática naquele ponto não é permitida pela Aeronáutica devido à proximidade com o Aeroporto Campo de Marte.
A presença de helipontos nas redondezas é outro fator de risco. “Há seis meses eu passava por ali e um drone apareceu logo abaixo de mim”, diz Aline Maia, piloto de helicóptero. “Como estava escuro, demorei a entender que não era outra aeronave e fiquei assustada”, relembra. A responsabilidade de fiscalizar a atividade é da polícia.
Por meio de nota, a Secretaria de Segurança Pública diz que atua a pedido da Aeronáutica e, caso haja irregularidade, o drone será apreendido. Já existem registros de acidentes com drones na cidade.
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Pequeno notável
Um dos menores aparelhos à venda virou hit do mercado Modelo: Spark |
Há dois anos, durante uma manifestação na Avenida Paulista, os empresários João Carlos dos Santos e Viviane Quass foram atingidos na cabeça por um aparelho que despencou do céu. “Havia milhares de pessoas por ali na mesma hora, mas tivemos azar”, relata Santos, que sofreu um ferimento nos olhos. “Achei que fosse ficar cego.”
Em março deste ano, houve outra queda no mesmo local, e uma pessoa ficou ferida. Os aparelhos têm causado ainda confusões curiosas, como a que envolveu o Grêmio na semana passada. Classificado para a final da Libertadores da América, o time gaúcho foi acusado de bisbilhotar os treinos de seu adversário, o argentino Lanús, em Buenos Aires, com um espião voador.
Em maio, a Anac endureceu as regras para os aparelhos. Proibiu, por exemplo, voos de drones de até 25 quilos em áreas com aglomeração de pessoas. Nas ruas, em geral não há restrições, mas devem ser respeitados os limites de 120 metros de altura máxima e 30 metros de distância mínima lateral para os transeuntes.
Desde que as normas passaram a valer, apenas dois operadores da capital foram autuados e multados (em cerca de 1 000 reais). Isso não tem freado a procura pelos equipamentos. “Vendo quarenta por mês”, diz o empresário Jair da Silva.
O destaque recente em sua loja, umas das principais da região metropolitana, é o Spark, com apenas 17 centímetros, vendido a 3 300 reais (veja mais informações abaixo). Outro efeito colateral da popularização da tecnologia é seu uso por criminosos.
Em setembro, o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) prendeu uma quadrilha que roubou quinze casas na região do Tatuapé, na Zona Leste, com a utilização de um drone para mapear os “melhores” imóveis para invadir.
Foi o segundo caso desse tipo registrado pela polícia paulista. “Eles entraram pela única porta que não tinha grade”, diz um empresário, vítima do bando, de cuja residência foram levados televisão, dispositivos eletrônicos, uma mala com documentos e um violão. “Eles observaram tudo antes pela câmera”, diz o morador, que pediu para não ser identificado.
Os gastos com a reparação dos danos e a instalação de alarmes após o episódio foram de 10 000 reais. Como foram apanhados com os objetos surrupiados, os nove criminosos vão responder por furto e formação de quadrilha.
Se não fosse por isso, poderiam escapar ilesos. “Infelizmente, hoje a lei não prevê pena específica para quem usa drone para bisbilhotar um terreno alheio”, lamenta o delegado Cesar Saad, responsável pela prisão do bando.
A Justiça também foi branda neste mês com três homens presos por tentar transportar dezesseis celulares para dentro de um presídio de Guarulhos com um drone. Condenado a um ano de cadeia por associação criminosa, o trio cumpre a pena em regime aberto.