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Os discursos, o Exército Brasileiro e as políticas antidrogas na América do Sul

DefesaNet

Prezados Leitores,

DefesaNet tem a honra de anunciar a mais nova colaboradora do Portal. É a pesquisadora Fernanda Corrêa, que escreverá sobre assuntos estratégicos. Jovem, porém com uma amplo e reconhecido currículo.

Fernanda é autora do livro "O projeto do submarino nuclear brasileiro. Uma história de ciência, tecnologia e soberania", 2010, já em segunda edição, que tem obtido elogiados comentários no Brasil e exterior. O título de sua coluna em DefesaNet é Nam et ipsa scientia potestas est (Saber é Poder).

Bem-vinda Fernanda, às páginas de DefesaNet

O Editor

Nam et ipsa scientia potestas est

Os discursos, o Exército Brasileiro e as
políticas antidrogas na América do Sul


 
Fernanda Corrêa

Historiadora, estrategista e pesquisadora do
Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.

fernanda.das.gracas@hotmail.com
 

 
Nos dias 15 e 16 de abril, ocorreu em Cartagena das Índias, na Colômbia, a 6ª Cúpula das Américas. Três questões imprescindíveis para a estabilidade e paz no continente americano permaneceram sem resolução, sendo elas a inclusão de Cuba nos próximos encontros da Cúpula, endosso ao pleito da Argentina pela soberania das ilhas Malvinas e as políticas antidrogas na região sul americana. Dada a importância da política antidrogas no cenário estratégico mundial e a displicência com que os chefes de Estado têm tratado a temática em fóruns e organismos internacionais, se dará a notoriedade que o tema merece no DefesaNet.
 
Durante as sessões desta Cúpula, o discurso voltado para a regularização e liberação das drogas foi tratado com ênfase por empresários e endossado por alguns chefes de Estado. Há um consenso no Brasil de que a Estratégia Nacional de Defesa (END) tem que estar em plena harmonia com a Estratégia Nacional de Desenvolvimento. O tráfico de drogas, além de um problema político, é também um problema social. Cada Estado é livre para adotar o sistema de políticas antidrogas que preferir; porém, é preciso analisar e contrabalançar se os problemas advindos desta opção e a implementação de políticas públicas que operem na remediação destes problemas são mais compensatórias do que o Estado investir na prevenção dos problemas, fortalecendo e aparelhando as suas Forças Armadas. Os famosos “mulas”, pessoas que se prontificam a carregar as drogas em troca de benefícios pessoais e financeiros, são o que mais são prejudicados pelo tráfico. Em geral, são pessoas desesperadas com dificuldades financeiras, desempregadas e/ou baixa escolaridade. Isso significa, na pior das hipóteses, além dos problemas históricos e estruturais que o País possui, será necessário desviar verbas públicas destinadas aos problemas já existentes para a construção de mais presídios. Cientes de que há uma fragilidade sistêmica e estrutural regional no combate ao narcotráfico, ao invés de reunir esforços políticos e militares, inclusive, com a cooperação militar dos EUA, algumas autoridades políticas e empresariais preferem ceder às pressões e ameaças do crime organizado.
 
A visão que defendo sobre o papel dos EUA na América do Sul, apesar de concordar com os malefícios desta presença militar na região, é do ponto de vista colombiano. Durante anos, este país tem problemas com guerrilha, assim como muitos países da região também o tiveram. No entanto, preocupados, exclusivamente, com os limites fronteiriços e interesses geopolíticos próprios, os governantes brasileiros se isentaram de participar ativamente no combate as ilicitudes, justificando a sua neutralidade pela não intervenção, não ingerência e autodeterminação dos povos. Esta opção brasileira pela não ingerência, tornou ainda mais grave a situação de repressão à guerrilha para os colombianos, à medida que, ao passar do tempo, estes perceberam vantagens no narcotráfico. Isolados politicamente, enfraquecidos economicamente e fragilizados socialmente, as autoridades políticas e militares colombianas não tiveram outra opção a não ser aceitar a insistente ajuda estadunidense no combate ao crime organizado na região.
 
Dois discursos precisam ser desmistificados no Brasil: o de que o brasileiro é um povo pacífico e o de que o Brasil não deve intervir em assuntos internacionais. Um país que se encontra na posição de terceiro maior na lista da ONU de homicídios não pode ser considerado tão pacífico quanto se discursa interna e externamente. Além disso, embora o Estado de vigilância permanente nas fronteiras esteja sendo cumprindo pelo Exército Brasileiro, qualquer decisão no plano estratégico que seja tomada, de forma isolada, torna ainda mais custoso e mais trabalhoso o cumprimento de sua missão. Ao zelar pelo pelas fronteiras nacionais, desconsiderando políticas de defesa conjuntas com outros países da região, além de adiar e agravar os problemas advindos do narcotráfico tornam os vizinhos receosos e desconfiados quanto às ambições brasileiras na região.
 
A estratégia de presença nunca foi uma estratégia militar do Exército Brasileiro; mas sim, uma estratégia de ocupação e domínio territorial dos portugueses ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII. A estratégia de presença conquistou na atualidade a conceituação de Exército de Vanguarda, o qual ainda mantém o combate terrestre em módulos de brigada. O monitoramento, o controle e a mobilidade, tal como preconiza a END, fornecerão apoio logístico as forças terrestres. O cumprimento, de forma eficiente, de proteger a Amazônia, por exemplo, se torna inviável sem o aumento, em curto prazo, do efetivo militar na região, sem o devido investimento em novas aquisições tecnológicas militares, sensíveis e duais, sem a realização de simulações, treinamentos e operações militares que combinem ações de selva e o uso de blindados, revisões e novas discussões sobre a Lei do Abate, mais investimentos em mapeamentos cartográficos da região amazônica, a realização de mais operações do Plano Estratégico de Fronteiras, como as edições da Operação Ágata, e, principalmente, sem a aquiescência e revitalização da indústria de defesa brasileira. Para além destas questões, em âmbito regional, políticas de defesa também precisam ser amadurecidas, planejadas e implementadas, tais como operações conjuntas com as outras Armas e polícias da região, criação de um sistema jurídico regional que puna desde o produtor até o consumidor das drogas, (re)discutir a situação jurídica de territórios indígenas na Amazônia Legal, criar comissões regionais de vigilância das fronteiras, criar empresas bi ou multinacionais que possuam a expertise na fabricação de armamentos, maior integração das economias sul americanas, incentivando a compra de bens destes países e contribuindo com a diversificação de suas economias, firmar acordos de cooperação tecnológica na forma de consórcios regionais, formalizar de acordos regionais de monitoramento do espaço aéreo, unificar procedimentos e negociações entre todos os Estados com interesses convergentes, facilitar a aquisição/ venda de produtos estratégicos de defesa, possibilitando que a fabricação ou parte dela seja realizada em outros países e, principalmente, visão estratégica de mercado. É importante frisar esta última questão, principalmente, no caso brasileiro, pois, como se sabe, boa parte dos armamentos utilizados pelas Forças Armadas brasileiras é de origem estrangeira. Os produtos e tecnologias militares produzidas pelas empresas nacionais possuem excelência em qualidade. Para as Forças Armadas brasileiras é muito mais preferível privilegiar a indústria nacional do que a indústria estrangeira; no entanto, há um certo arcaísmo na visão estratégica de mercado de muitas empresas nacionais durante a fase final da fabricação e mesmo no pós venda de que o cliente que se satisfaça com o bem vendido. Em tempos de paz e, principalmente, em um País que não se envolve diretamente e com frequência em conflitos armados, não falir é uma tarefa de persistência contínua e, sobretudo, de criatividade. Na Europa, em especial, há uma tendência das indústrias de defesa em fabricar produtos de acordo com as necessidades dos próprios clientes. Ou as indústrias de defesa brasileiras mudam sua visão estratégica, principalmente, a de mercado, ou se sujeitam a permanecer a mercê das oscilações da política nacional e internacional. Esta flexibilização, apesar das regras contratuais entre as partes envolvidas, permite que as forças militares cumpram com eficiência as missões que lhes foram destinadas e que as indústrias de defesa sobrevivam em tempos de paz.
 
Em função do sucesso dos esforços conjuntos entre o Ministério da Defesa, da Polícia Federal e da ABIN, a principal rota do tráfico de drogas na Amazônia brasileira deixou de ser o espaço aéreo para serem os 22 mil quilômetros de rios navegáveis. Um dos principais problemas que o Exército tem enfrentado é a falta de treinamento de repressão ao narcotráfico. Como as polícias federais e estaduais já possuem experiência e maior conhecimento no combate ao crime organizado tem trocado experiências e expertises com as Forças Armadas. No entanto, estas possuem treinamento de operações em selva, efetivos militares, armas modernas, aparatos tecnológicos e veículos militares, como tanques, jipes, blindados etc. Este modelo de parceria institucional tem sido a tendência das Forças Armadas brasileiras atualmente, apoiando logística e estrategicamente as polícias federais e estaduais e a ABIN e ampliando parcerias com instituições, como o IBAMA, o ICMBio, o IPAAM, o Censipam entre outros. A este último atribuirei maior destaque por estar completando precisamente neste mês de abril 10 anos gerindo o Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM), produzindo informações e gerando conhecimentos, alicerçado por um parque tecnológico altamente sofisticado com radares, sensores aeroembarcados, rede integrada de telecomunicações e estações de recepção de dados via satélites que também auxiliam as policias federais e estaduais e as Forças Armadas brasileiras no combate ao narcotráfico na região. Destaque também para o Projeto Radiografia da Amazônia, no qual as Forças Armadas e o Censipam estão produzindo juntos cartas topográficas, náuticas e geológicas do “vazio cartográfico” da Amazônia, área da Amazônia Legal que não dispõe de dados cartográficos detalhados. Além de identificar, monitorar e permitir maior controle de acidentes geográficos na região, este Projeto fornecerá uma importante base de informações que facilitem a implementação de políticas públicas e o desenvolvimento social na região. Isso reforça a importância das articulações de parcerias estratégicas das Forças Armadas com as universidades e instituições de pesquisa de todo o País.
 
Além dos rios, os criminosos encontram passagens na mata, de um rio para outro. O controle do tráfico nos rios é ainda mais dificultado pela geografia local, em que, além do tamanho da fronteira fluvial, os militares se veem desafiados porque estas malhas fluviais são constituídas parte por savana, parte por selva e parte por água. O exemplo mais emblemático do tráfico de drogas pelas vias fluviais tem sido os 1.200 quilômetros de hidrovia do rio Negro. Além de rota e de distribuição, há a suspeita de que os contraventores estejam refinando as drogas nas imediações de Manaus. Devido à relativa ausência do Estado nestas regiões durante muitos anos, houve um aprimoramento logístico no transporte das drogas, no qual os criminosos tem realizado suas ações desde submarinos, ou melhor, pequenos submersíveis, com reduzidas complexidade e capacidades de submersão e de autonomia. Usufruindo de técnicas e tecnologias sofisticadas, os criminosos têm desafiado as autoridades políticas e militares sul americanas na região amazônica. Embora o Governo brasileiro minimize as preocupações das Forças Armadas com a proximidade de ações guerrilheiras da Colômbia e do Peru com as fronteiras nacionais, o Exército Brasileiro as consideram um risco permanente à soberania nacional. Esta Força tem transferido e mobilizado mais de 3 mil homens para a fronteira com a Colômbia, está criando pelotões especiais de fronteiras, investindo na aquisição de meios de comunicação via satélite e via rádio, como os terminais de dados via satélite Explorer 500 BGAN, e está recrutando soldados entre os próprios nativos da região. Por ser uma área isolada, recrutar os nativos se torna estratégico por dois motivos: evita que estes nativos sejam cooptados pelo crime organizado ou pelas guerrilhas e ninguém melhor do que os nativos para conhecer a geografia, o clima, a fauna e os riscos naturais de uma região tão pouco explorada como essa.
 
Importante destacar os recentes acordos assinados entre os Governos brasileiro e colombiano para a criação da Comissão Binacional Fronteiriça (Combifron) e a adoção do Plano Binacional de Segurança Fronteiriça. Se a presença estadunidense na região amazônica está sendo válida para a Colômbia, creio que os colombianos possam responder melhor do que eu; porém, há um consenso regional, ressaltado diversas vezes em fóruns e organismos regionais, que, em função de seu peso político e econômico, o Brasil tem que assumir um papel político, econômico, social e militar na região. Considerando os interesses convergentes de outros países que compartilham geograficamente ou não da região amazônica é necessário que mais Estados americanos se empenhem, mais na prática do que propriamente nos discursos, em ampliar, alinhar e viabilizar políticas de defesa antidrogas na região com o Brasil.
 
Concluo a coluna de hoje ressaltando que um governo que discursa externamente que combaterá com pleno emprego da força o crime organizado regional; porém, contingência o orçamento das Forças Armadas, não está tratando com a devida seriedade a Defesa Nacional e a Segurança Regional.

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