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Monserrat – Conflitos no espaço e estado de direito


José Monserrat Filho

Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico
e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional
de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional
de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional
do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)
e da Agência Espacial Brasileira (AEB).


“Sejam quais forem as novas conquistas do direito internacional, espero que ajudem minha geração a proporcionar a meus filhos um mundo mais pacífico e próspero.” (Andrew T. Guzman)
 

Sobre este tema sempre atual, o Instituto de Direito Aeronáutica e Espacial, o Centro de Pesquisa em Direito Aeronáutico e Espacial e a Faculdade de Direito da Universidade McGill, em Montreal, Canadá, promovem, em 27 e 28 de maio próximo, a 4ª Conferência Internacional Manfred Lachs. Há muito a discutir e esclarecer a respeito, se quisermos conquistar um sistema sólido de paz, segurança e cooperação no espaço – que o mundo inteiro hoje tanto necessita.

O espaço tem sido lugar de conflitos desde os primeiros foguetes V1 e V2,  construídos na Alemanha nazista por mão de obra escrava, quase no fim da II Guerra Mundial (1939-1945). Nenhum deles foi ao espaço, como queria seu criador, o engenheiro e Major SS do exército de Hitler Wernher von Braun. O V-2 acabou usado para bombardear a Antuérpia, a Bélgica e o Reino Unido, sobretudo Londres, a partir de setembro de 1944, com milhares de vítimas e centenas de prédios destruídos. Braun nunca foi julgado por seus crimes de guerra. Vencido o nazismo, ganhou bom emprego nos Estados Unidos (EUA). Foi até Diretor de Mísseis Balísticos do Exército.

Também o Sputnik-1 não foi fruto de cooperação científica pacífica. Primeiro satélite artificial da Terra, lançado em 3 de outubro de 1957 pela ex-União Soviética (URSS) como parte do Ano Geofísico Internacional (1957-58), resultou na realidade num grande avanço da Guerra Fria deflagrada em 1947 entre EUA e URSS.

Qual deles construiria primeiro um míssil balístico intercontinental? A Guerra Fria preparava outra Guerra Quente, para exterminar com o rival. Dez anos depois, em 1957, a URSS logrou lançar o primeiro míssil balístico intercontinental. Antes dos EUA. Era o R-7, logo apelidado de “Semiorka” (o grande sete).

Foi o R-7, usado como veículo lançador de satélite, que colocou em órbita o Sputnik-1, em 4 de outubro de 1957. Simples e inofensiva esfera de alumínio com cerca de 50 cm de diâmetro e 83,6 kg de peso, ele era equipado com apenas quatro antenas e dois transmissores de rádio (20,007 e 40,002 MHz), que emitiam o som de “bip-bip-bip”, sintonizado por qualquer rádio amador. Orbitava a Terra a cada 96,2 minutos, a uma distância entre 938 km e 214 km. A análise de seus sinais de rádio continha dados sobre a concentração de elétrons na ionosfera que indicavam pela temperatura e a pressão se ele tinha sido perfurado por um meteorito.

Essa não era, porém, sua única missão. Também não servia apenas para revelar que voava num espaço inteiramente novo para os humanos. Muito acima do espaço aéreo. Lá orbitou até 4 de janeiro de 1958, quando se incinerou ao reentrar na atmosfera. O “bip-bip-bip” calou-se em menos de um mês. A bateria dos transmissores acabara. Ainda assim, o Sputnik-1 teve a suprema honra de inaugurar a Era Espacial e tornar-se uma referência histórica para todo o sempre.

Aos bons entendedores nos EUA, o modestíssimo satélite artificial pioneiro anunciava o surgimento de um míssil intercontinental capaz de atingir o outro lado do mundo, ou seja, o território americano, que deixava de ser invulnerável. Suas ogivas nucleares já não eram as únicas e ainda tinham de ser transportadas em aviões, como em Hiroshima e Nagazaki, em agosto de 1945. Pesando quatro toneladas, o míssil “Semiorka” fora criado para lançar ogivas nucleares.

A construção do primeiro satélite espião, de codinome Corona, foi decidida em 1955, nos EUA, dois anos antes do lançamento do Sputnik-1. O programa entrou em ação em 1959 e, com versões aperfeiçoadas, funcionou até 1972. O programa do primeiro satélite espião soviético, o Zênit, lançado em 1961, prolongou-se até os anos 90. Os satélites de reconhecimento (espionagem espacial) foram legalizados como “meios técnicos nacionais de verificação” do cumprimento de acordos sobre controle de armamento e desarmamento firmados entre EUA e URSS, inclusive o Tratado ABM, de 25 de maio de 1972, que limita os sistemas antimísseis – posteriormente denunciado pelo Presidente dos EUA, George W. Bush, em 13 de dezembro de 2001.

As negociações de paz e certa cooperação só vieram depois do Sputnik-1, para amenizar o sinistro espectro de conflitos espaciais que poderia causar danos e perdas mundiais inestimáveis.

A criação do Direito Espacial nos anos 60 e 70 foi um progresso notável. Pelo “novíssimo direito”, na expressão de Haroldo Valladão4, os conflitos seriam resolvidos pelo caminho da paz, do entendimento, do acordo, do direito. Em apenas 12 anos, de 1967 a 1979, aprovaram-se os cinco tratados espaciais básicos destinados a todos os países do mundo. São tratados comprometidos com a solução pacífica das controvérsias – como reza a Carta das Nações Unidas –, a começar pelo Tratado do Espaço, o código maior do espaço e das atividades espaciais, ratificado por 103 países.

A criação dos fundamentos do Direito Espacial em velocidade cósmica, como se disse à época, não logrou, porém, construir um regime  de segurança duradoura e cooperação profunda nas atividades espaciais. No fim dos anos 70, EUA e URSS começaram a criar armas antissatélites6, até agora não usadas em conflitos, mas que continuam a ser desenvolvidas ainda hoje, prontas para entrar em cena. Em 1983, os EUA lançaram a Iniciativa Estratégica de Defesa (SDI), conhecida como “Programa Guerra nas Estrelas”7, que prevê a instalação de armas no espaço e existe ainda hoje, embora em menor escala.

Após longo período de Guerra Fria, aparentemente concluída no fim dos anos 80, assistimos agora ao que muitos chamam de “nova Guerra Fria”, com EUA, China e Rússia armando-se incessantemente para um conflito do qual ninguém sabe se sairá vencedor e que poderá causar males indizíveis à humanidade. Enquanto isso, a opinião pública mundial tem dois projetos para debate sobre o tema: a proposta do Tratado Sobre a Prevenção Contra a Instalação de Armas no Espaço, e a Ameaça ou Uso de Força Contra Objetos no Espaço, apresentado por Rússia e China, em 2008, à Conferência sobre o Desarmamento, em Genebra, bem como o Código Internacional para Atividades Espaciais, proposto pela União Europeia e destinado a prevenir a crescente militarização do espaço, mas que admite o direito de autodefesa, capaz de justificar conflitos bélicos no espaço, como tem ocorrido na Terra.

Apesar da intensa militarização do espaço, muitos têm sido os benefícios científicos, tecnológicos e práticos trazidos à humanidade por sua exploração e uso pacífico desde o início da Era Espacial. Produtos e serviços produzidos por satélites tornaram-se indispensáveis em áreas essenciais, como as de comunicações, agricultura, transportes, sistemas de saúde, previsão do tempo, enfrentamento de desastres naturais, monitoramento das mudanças climáticas, funcionamento dos bancos e instituições financeiras, segurança nacional e global, controle internacional de armamentos, entre outras.

A Era Espacial é contraditória. Utilidades pacíficas imprescindíveis convivem com seríssimos riscos, ameaças, perigos, desastres e desacordos em distintos campos. O explosivo desenvolvimento do uso militar do espaço impulsiona sempre mais a capacidade destrutiva de grandes potências. Mas ainda há outros conflitos e litígios direta ou indiretamente vinculados a este último, sem dúvida o pior de todos.

São seis, por ora, os subtemas do debate sobre Conflitos no Espaço e Estado de Direito: Desenvolvimentos Tecnológicos e Novas Ameaças; Questões Espaciais Estratégicas Emergentes – Áreas de Conflitos Potenciais; Conflitos em Torno da Explotação dos Recursos Naturais do Espaço (como, por exemplo, a nova lei sancionada pelo Presidente Obama, em 25 de novembro passado, que estabelece o direito de propriedade privada para as empresas dos EUA sobre os recursos naturais que elas extraírem de asteroides, de outros corpos celestes e do espaço em geral); Diferentes Formas de Uso da Força no Espaço; Conflitos no Espaço e Direito Internacional Humanitário; e O Caminho a Seguir. Novas questões poderão ser sugeridas para enriquecer o encontro. A ideia é promover uma discussão efetivamente contemporânea, esclarecedora e construtiva.

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