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Leonam – O Desafio da Aceitação Pública da Energia Nuclear

 
Leonam dos Santos Guimarães
Capitão de Mar c Guerra (RM 1-EN)

Diretor de Planejamento. Gestão e Meio Ambiente
da Eletronuclear. Doutor em Engenharia e
membro do Standing Advisory Group on Nuclear Energy
(SAGNE) da Agência Internacional de Energia
Atômica (AIEA). 

 Publicado na Revista Marítima Brasileira – Out/Dez 2015
 

 

Hoje no mundo existem 67 usinas nucleares em construção: 23 na China, 9 na Rússia, 6 na Índia, 5 nos EUA, 4 na Coréia do Sul, 4 nos Emirados Árabes Unidos, 2 no Japão, 2 na Belarus, 2 na Ucrânia, 2 no Paquistão, 2 na Eslováquia, 2 em Taiwan, 1 na Argentina, 1 na Finlândia, 1 na França e 1 no Brasil. Recentemente o Reino Unido lançou a construção de mais 2 usinas.

A potência dessas novas unidades representa 18% de acréscimo à potência instalada das 439 usinas em operação, que atualmente geram 12% da eletricidade produzida no mundo. Nos últimos 10 anos, 42 novas usinas entraram em operação. Isso demonstra a competitividade da geração nuclear em termos de custos de produção. Entretanto, duas razões explicam por que o número de usinas nucleares em construção não é bem maior: custos de construção e aceitação pública. Há, contudo, uma ligação importante entre essas duas causas.

A aceitação pública não constitui impedimento para novos empreendimentos em muitos importantes países, como o número de usinas em construção demonstra. O maior problema é o custo crescente de investimento de capital e as dificuldades de estruturar projetos para financiar esses investimentos de longo prazo de maturação.

Contudo, os números mostram que se abriu uma distância entre esses custos no Ocidente e no Oriente, onde se concentram a maioria das novas construções. Há formas que permitem que essa distância seja diminuída e que questões relativas à competitividade da energia nuclear sejam tratadas. Entretanto, as questões que envolvem a aceitação pública são pelo menos em parte responsáveis pelo problema subjacente dos custos de construção no mundo ocidental.

Seria possível reduzir esses custos padronizando projetos de reatores e adotando uma abordagem internacional de regulamentação, similar àquela que já existe há muito tempo na indústria aeronáutica, tendo uma cadeia de fornecimento global e aprendendo com a experiência asiática de gestão de projetos nucleares.

Entretanto, reais ganhos na redução de custos somente poderão ser obtidos se o público confiar no nuclear, permitindo um sistema de planejamento mais simples, um sistema regulatório sem restrições exageradas e acesso mais fácil ao financiamento.

Se Fukushima impôs mais obstáculos para a aceitação pública e, portanto, também aos custos da geração, o que a indústria nuclear pode fazer a esse respeito? O primeiro ponto a assinalar é que a opinião pública e o nível de apoio político para a energia nuclear é basicamente local.

Há diferenças importantes de país para país, mas sabemos que mesmo dentro de países onde há significativa aceitação da energia nuclear, ela varia consideravelmente segundo a região. Sabemos também que, mesmo em países onde há um forte sentimento antinuclear, há importante aceitação nas regiões que estão ao redor das instalações nucleares.

Seria equivocado concluir que o apoio à energia nuclear nessas regiões decorra exclusivamente dos empregos associados a essas instalações. A familiaridade com a tecnologia e as próprias usinas, aceitas simplesmente como parte da vida cotidiana na região, é muito mais importante.

Esta é a razão fundamental pela qual a energia nuclear não consegue aceitação pública em outros lugares. A sua distância da sociedade em geral leva ao desentendimento e à susceptibilidade às imagens negativas difundidas com tanto êxito pelos antinucleares.

O consenso da indústria em geral relativo à aceitação pública é que o setor nuclear comercial começou de uma base muito ruim nos anos 1950 e 1960 e desde então não conseguiu se recuperar. Surgir a partir de programas de armas nucleares significou que as ligações entre o uso civil e militar da ciência nuclear estavam consolidadas e o medo de armas nucleares contaminou o setor civil.

Pode-se alegar, de fato, que esta continua sendo uma força poderosa até hoje. A forte oposição pública à energia nuclear na Alemanha está enraizada na sua posição geográfica bem no foco central da Guerra Fria, com armas nucleares táticas americanas localizadas e prontas para serem usadas no seu território. E se perguntarmos às pessoas hoje que palavra elas associam ao nuclear, é menos provável que seja “energia” do que “guerra”, “bomba”, “explosão” ou algo semelhante.

A arrogância (pelo menos pelos padrões de hoje) dos primeiros porta-vozes da energia nuclear também criou muitos problemas que levaram anos para serem eliminados. O grau de sigilo relativo à informação que se estendia até mesmo a fatos básicos pode ter sido inevitável, mas também foi uma cruz pesada que a indústria passou a ter que carregar.

Hoje, contudo, a indústria está muito melhor. Ela usa a mesma linguagem de “envolvimento das partes interessadas” como qualquer outro setor e programas de responsabilidade socioambiental corporativa são seguidos por suas empresas. Esses programas são executados segundo a ideia de que não há nada a esconder e um público bem informado tem mais probabilidade de dar seu apoio à indústria.

Esta também tem sido a abordagem adotada por associações nucleares regionais, nacionais e internacionais: passar as informações com máxima clareza e transparência para o público trará maior aceitação. Embora a popularidade de todos esses serviços tenha crescido, o problema da imagem pública do nuclear continua limitando o seu potencial de contribuição para a matriz energética mundial.

A indústria sempre soube, entretanto, que somente clareza e transparência na divulgação de fatos reais não são suficientes. Muitas pessoas que têm uma atitude antinuclear são muito bem informadas e extremamente inteligentes. O problema é que elas veem o mundo de uma forma bem diferente. O seu sistema de valores remonta a uma era mítica pré-industrial em que o mundo era um lugar mais simples, no qual o campo abundante era muito verde e no qual as tribulações do mundo moderno não existiam.

A energia nuclear personifica muito daquilo que esses grupos odeiam em relação à vida de hoje e simplesmente dar a eles fatos só reforçará a sua desaprovação. Pode-se alegar que essa atitude também é uma força muito poderosa no forte sentimento antinuclear presente na Alemanha. Apesar do sucesso na economia mundial e uma forte cultura científica e de engenharia que favorece a racionalidade, os alemães são muito contrários ao nuclear. Muito disso pode estar enraizado numa visão do passado de certa forma romântica, na qual o nuclear foi uma imposição que não é nada bem-vinda.

Outra questão é a força do testemunho. Quem transmite os fatos pode ser mais importante do que os próprios fatos. Bons defensores independentes são fundamentais para o setor, mas é difícil encontrá-los. Ambientalistas que dão o seu apoio ao nuclear, como Patrick Moore e James Lovelock, podem ter bastante influência, em particular com públicos jovens, mas são necessários mais. Fatos sobre o nuclear são mais persuasivos quando alguém independente os relata.

Mesmo as melhores fontes de informação precisam de esforço para serem ouvidas. Frequentemente, as pessoas não querem ser bombardeadas por fatos, ou simplesmente não querem reagir a eles. Dessa forma, a persuasão requer uma estratégia mais sutil e baseada na emoção. A maioria das pessoas têm questões bastante difíceis para enfrentar em suas vidas cotidianas sem ter que se preocupar com a origem da sua eletricidade. Embora tenham realmente que pensar a respeito, seria melhor não.

É só quando temos uma crise de energia, quando falta luz, quando há filas nos postos de gasolina ou quando os preços sobem rapidamente, que a maioria das pessoas se dá conta e percebe a importância da energia nas suas vidas cotidianas. Temos a reação semelhante ao reflexo involuntário do joelho, que leva provavelmente a políticas de curto prazo inapropriadas. Poucos países têm de fato estratégias energéticas coerentes.

Não parece que o público em geral exija realmente esse tipo de planejamento dos seus líderes políticos, o que é muito ruim. Temos que aceitar que a energia ainda seja vista por muitas pessoas como água: é praticamente como se fosse um ato de Deus o fato de estar ali. Entretanto, podemos ver que o impacto óbvio do uso da energia no meio ambiente está gradativamente mudando isso. O debate sobre a mudança climática é a respeito de magnitudes e tipos de fornecimento de energia.

Os conceitos de “risco apavorante” e “viés de confirmação” podem ajudar aqui. Riscos apavorantes são aqueles que causam medos desproporcionais, nos quais nenhum número ou argumento técnico pode influenciar a percepção, contra o qual é praticamente impossível lutar depois que se estabeleceu na mente das pessoas.

A energia nuclear está ligada ao medo da guerra nuclear e ao pavor de uma morte por radiação que pode ser lenta e muito dolorosa. De fato, em geral pode-se dizer que o câncer representa um “risco apavorante” para muitas pessoas, mesmo que hoje se saiba muito mais sobre o seu diagnóstico e tratamento do que antes. Portanto, através desse argumento, o setor nuclear já perdeu a batalha com gerações mais velhas e deveria concentrar-se em educar os jovens. Explicar-lhes tudo a respeito de Fukushima e radiação é particularmente importante nesse caso.

O conceito de risco apavorante também pode ser útil para explicar o medo alemão de tudo que se refere ao nuclear. A sua situação na linha de frente da Guerra Fria, com armas nucleares americanas táticas posicionadas no seu território, pode explicar muito do que se vê hoje. Entretanto, parece que esse medo se espalhou também nas gerações mais jovens. Ao contrário da juventude de muitos países, parece que os jovens alemães herdaram as mesmas opiniões dos seus pais.

O viés da confirmação é outro conceito útil. Ele postula que a maioria das pessoas olha para o mundo não para encontrar a verdade, mas simplesmente para encontrar provas que deem suporte a crenças previamente inculcadas. As pessoas não se interessam muito em saber que podem estar errados; não querem mudar o seu ponto de vista.

De acordo com essa ideia, oferecer mais provas poderia se tornar contraproducente. Sempre soubemos que esse é o caso dos ativistas antinucleares empedernidos que, basicamente, não têm interesse na maioria dos aspectos do mundo moderno, não somente na energia nuclear. Essa atitude, porém é um fenômeno muito difundido: todos os nossos esforços para explicar podem não valer para nada e tudo que dizemos tende a confirmar a visão de que a energia nuclear não é segura.

Então, como os defensores da energia nuclear chegariam até as pessoas? Comunicações mais focalizadas com determinados grupos das partes interessadas podem de fato ajudar e muito disso necessariamente implicará explicar a tecnologia nuclear e seus fatos básicos. Sabe-se que é importante começar com gerações mais jovens que não assimilaram os preconceitos e imagens negativas do nuclear, comum entre seus pais e avós.

Foram feitos esforços com crianças em idade escolar em diversos países com tecnologia nuclear, particularmente na Coreia onde há um organismo subsidiado pelo governo chamado KONEPA, especificamente concebido para explicar a todos os cidadãos a posição importante do nuclear dentro do mix de energia mundial.
Entretanto, a eficácia de todo esse trabalho provavelmente continuará limitada. Embora a indústria nuclear possa continuar a aperfeiçoar os seus sítios de internet e envolva amigavelmente as partes interessadas mais importantes, sempre faltará um elemento fundamental. De alguma maneira, a energia nuclear teria que ser entendida como um negócio normal, realizado por homens e mulheres comuns que desempenham um papel importante para satisfazer a necessidade da sociedade de ter energia limpa.

Quando o nuclear é apresentado na televisão, nunca é de forma discreta, como seria o caso de uma fábrica de automóveis ou de processamento de alimentos. Quando o nuclear é colocado num livro, num seriado de televisão ou filme, sempre é para aumentar o efeito dramático.

Sem falar nos Simpsons, no qual Homer é um idiota desajeitado que por acaso trabalha numa usina nuclear. Esse é o problema: a indústria nuclear se tornou um alvo fácil para grupos de pessoas que se opõem ao modo de vida moderna. Também se mostra como uma maneira conveniente de acrescentar um grau de problema, drama, ou excesso a qualquer situação.

Também existe a natureza amedrontadora do nuclear que se deve enfrentar. De fato, embora a indústria tenha um histórico geral de segurança excelente, os poucos grandes acidentes ocorridos (somente três: Three Mile Island, Chernobyl e Fukushima) tornaram-se eventos enormes em parte porque são muito incomuns. Vários pequenos reatores espalhados no país podem ser percebidos como algo muito melhor pelo público do que algumas grandes usinas, localizadas em pontos isolados.

Estas últimas podem parecer amedrontadoras, mesmo que se entenda a tecnologia, e acidentes inevitavelmente sempre ocorrerão. Outro problema é que tanto o único produto comercializável da indústria (eletricidade) quanto o seu maior inconveniente potencial (a radiação) são invisíveis. Como se pode promover um e ao mesmo tempo neutralizar os medos excessivos em relação ao outro, quando nem se consegue ver nem um nem outro. A radiação não pode ser detectada por nenhum dos cinco sentidos humanos.

Há, portanto, alguns grandes desafios para a indústria nuclear. De fato, os profissionais do marketing diriam que a indústria nuclear precisa de uma reformulação completa. Certamente precisa de novas abordagens e deve rever as estratégias atuais baseadas predominantemente em fatos, que não conseguem causar grandes efeitos em muitos dos mais importantes envolvidos na indústria nuclear.

O setor nuclear realmente precisa começar do outro extremo, entender as pessoas e as suas emoções melhor do que fez até agora. De alguma forma, o nuclear deve conseguir ser descrito como uma atividade normal, da vida comum, mas a indústria apenas começou a pensar como pode de fato fazê-lo.
Diversas pesquisas de opinião mostram que a aceitação pública da energia nuclear diminuiu desde que a crise de Fukushima começou, não só no Japão, mas também em outras nações ao redor do mundo.

É fato também que, passados mais de quatro anos, essa tendência se reverteu e hoje os níveis de aceitação retornaram aos patamares anteriores ao acidente. As pessoas se opõem à energia nuclear por diversas razões, mas a preocupação predominante é a percepção de que é uma tecnologia de alto risco. Essa percepção é amplificada por uma desconfiança das tecnologias complexas generalizada na sociedade.

Paradoxalmente, é nas comunidades mais próximas das usinas nucleares que se encontram os mais altos níveis de aceitação, o que pode ser explicado pela convivência e conhecimento cotidiano, que fazem com que a percepção dos riscos seja mais realista, mas também por uma percepção mais clara dos benefícios.

A indústria nuclear tem tentado diversas estratégias para aumentar sua aceitação pública, incluindo campanhas de informação, comparações de riscos e esforços para promover a energia nuclear como uma importante contribuição para mitigar as mudanças climáticas. Nenhuma dessas estratégias, entretanto tem funcionado muito bem, principalmente porque permanece uma lacuna de percepção.

O público percebe as formas de radiação de maneiras muito diferentes. Pesquisas feitas em diversos países têm consistentemente mostrado que as pessoas veem a geração elétrica nuclear e os resíduos nucleares como sendo de alto risco, mas percebem outras fontes de radioatividade, como os usos médicos e a radiação natural, como suscitando um risco muito menor. Os especialistas veem as coisas de forma oposta: as primeiras como menos arriscadas do que o público crê, e as demais como mais arriscadas do que em geral se admite.

Esta diferença de percepção demonstra que a aceitação do risco é condicionada por uma série de fatores, tais como a confiança nos gestores da tecnologia e o apreço pelos benefícios pessoais diretos da tecnologia. Estratégias de comunicação de que ajudem as pessoas a colocar os riscos da geração nuclear e dos resíduos em perspectiva, comparando-os com outros riscos pode ajudar a reduzir o medo de radiação.

Educação sobre a radiação também pode afetar as percepções de risco e atitudes. Embora as diferenças entre as percepções dos leigos e dos peritos não possa ser atribuída de alguma maneira direta ao grau de conhecimento, é claro que uma melhor informação sobre a radiação e suas consequências é necessária.

Há uma necessidade particularmente urgente de desenvolver planos e materiais para comunicação com o público em caso de acidentes radiológicos. O medo, a raiva e a desconfiança do público após o acidente de Fukushima mostram que a comunicação ainda é um grande problema.

O acidente de Chernobyl revelou enormes problemas na comunicação de risco na Europa. Funcionários rechearam suas mensagens com informações usando unidades de medida obscuras para o público que foram nunca foram bem explicados. A ansiedade do público era grande e nem sempre relacionada à ameaça real.

Os porta-vozes estavam em desacordo uns com os outros e inconsistentes em suas avaliações dos riscos de consumir produtos agropecuários. Comparações com a exposição à radiação natural nas atividades cotidianas não foram bem recebidas, porque a mídia e o público não confiaram nas fontes dessas informações. Outras comparações como, por exemplo, as taxas naturais de ocorrência de câncer, foram ainda pior recebidas. Muitas das declarações feitas por funcionários para acalmar o público deixaram as pessoas ainda mais confusas e irritadas.

O acidente de Fukushima mostrou que a comunicação ainda é um grande problema e que o medo, raiva e desconfiança da população ainda persistem. Com certeza a comunicação tem melhorado desde o acidente de Chernobyl, em 1986, mas a resposta depois de Fukushima em 2011 indica que há ainda um longo caminho a percorrer.

Sabemos o suficiente sobre a radiação e comunicação de riscos para habilitar especialistas a desenvolver mensagens eficazes. O desafio é que as estratégias de comunicação deveriam ser consideradas uma prioridade gerencial.

Embora hoje o maior problema do setor nuclear seja, sem dúvida, o custo e prazo de construção de novas usinas, isto é, em última análise, causado por seu baixo nível de aceitação pública. Até que o medo que cerca o setor nuclear seja amplamente superado, é pouco provável que os custos desçam a níveis que permitam que novas usinas nucleares sejam realmente competitivas nos mercados atuais da eletricidade.

A Alemanha baniu a geração nuclear unicamente em razão da aceitação do público, independentemente do absurdo econômico que isso representou. Pouco progresso foi feito na aceitação pública desde o acidente de Fukushima. A resposta da indústria nuclear mundial ao acidente tem sido fraca e fragmentada. Esse, entretanto, é um desafio que deve ser visto de uma perspectiva em longo prazo.

Escolhendo entre os futuros cenários do recente "World Energy Outlook 2014” lançado em 15 de junho de 2015 pela Agência Internacional de Energia, aqueles que apresentam um declínio notável no setor nuclear na Europa e América do Norte, mas com crescimento significativo na China e em alguns outros países, parecem ser os mais prováveis.

O declínio em países mais estabelecidos em termos nucleares irá levar algum tempo para ser revertido tendo em vista que o número de novas construções é insuficiente para compensar o envelhecimento das usinas existentes.

Uma esperança seria que as lições aprendidas através da construção de um grande número de usinas padronizadas na China sejam eventualmente transferidas para o mundo ocidental. Entretanto, sem abordar a questão da aceitação do público de forma abrangente, é improvável que isso aconteça. Para aqueles de nós convencidos de que o setor nuclear deve desempenhar um papel importante no atendimento à demanda mundial por energia deste século, isto é profundamente frustrante.

Até 2030, porém, a mensagem de que as energias renováveis não poderão preencher a lacuna deixada pela diminuição da utilização de combustíveis fósseis certamente irá ser claramente confirmada. Nesse ponto, os esforços direcionados hoje para superar o fator medo da indústria nuclear poderão dar frutos objetivos, talvez com reatores de projetos inovadores, que apresentem melhores resultados econômicos pela combinação de simplicidade e segurança aceitável.

O primeiro ponto num plano de ação para conquistar “corações e mentes” seria a melhoria da compreensão do público sobre a radiação e uma ampla reforma do regime internacional de proteção radiológica. É o medo das conseqüências da exposição à radiação que corrobora a maioria das áreas em que a indústria vem sofrendo ataque, desde a mineração de urânio, passando pela segurança operacional dos reatores, até a gestão dos resíduos, desmantelamento e transporte de materiais nucleares.

É justamente isso que marca o setor nuclear como excepcional. Até o público em geral e os seus representantes políticos entenderem melhor a radiação e seus reais efeitos, seu medo (de fato terror) da energia nuclear não poderá ser combatido.

Esta primeira etapa de compreensão do público é extremamente difícil. Explicar tudo sobre algo que não pode ser detectado por nenhum dos sentidos humanos é um desafio, mas teria que começar com as aulas de ciências da escola. É essencialmente um desafio educacional que tem que começar com aqueles que estarão vivendo suas vidas durante a maior parte deste século.

Não pode estar além da capacidade do setor nuclear desenvolver materiais educacionais fantásticos que possam ser usados internacionalmente, trazendo à luz (sol é um reator nuclear natural!), as exposições naturais de origem terrestre e cósmica às quais todos são permanentemente submetidos e as exposições médicas, às quais crescente parte de nós se expõe voluntariamente em busca de cura para diversas doenças.

As consequências de bombas nucleares não podem ser evitadas aqui: as grandes liberações de radiação em testes atmosféricos passados foram significativas, mas hoje estão proscritas por tratados internacionais. A indústria não tem nada a esconder e deve primar pela total transparência.

Em paralelo, o perverso regime internacional de proteção radiológica fundado no modelo “linear no-threshold – LNT”, que não possui base nem comprovação científica, deve ser reformado. Sem dúvida haverá futuros acidentes nucleares com limitadas liberações externas de radiação. Deve-se supor que algo da ordem de Fukushima possa vir a acontecer novamente. Com as coisas como estão hoje, nós estaríamos diante de mais uma evacuação em massa da população local, sem uma avaliação adequada dos riscos relativos envolvidos e dos correspondentes custos e benefícios.

Os riscos associados a um baixo nível de exposição à radiação precisam ser colocados adequadamente no contexto de outros riscos enfrentados pelos seres humanos. Embora ainda haja algumas divergências internas sobre isso, a indústria precisa chegar a um consenso pelo qual ela possa desafiar o regime atual. As pessoas de Fukushima foram muito mais vítimas da evacuação em massa do que da radiação. A indústria nuclear tem de assumir a liderança e solicitar uma avaliação mais racional e científica dos riscos humanos e começar a colocá-la em todas as decisões.

Uma enorme quantidade de trabalhos de pesquisa muito bem feitos já foi elaborada nesta área, mas até que essa realidade se reflita nas políticas públicas, a indústria terá um grande problema. Em certa medida pode até se sentir vitimizada enquanto outros setores industriais escapam livres de pressões, mas a indústria nuclear tem de superar isso através de suas próprias ações.

O segundo ponto num plano de ação teria que ser uma reavaliação das mudanças climáticas como o principal argumento de justificativa para mais energia nuclear. Esta é uma proposta um tanto controversa e muitos a considerariam herética. Entretanto, lançar mão de ambientalistas que finalmente “viram a luz” e atravessaram as linhas inimigas para abraçar a indústria nuclear como uma espécie de último recurso quando todo o resto, na avaliação deles, falhou, não parece boa estratégia.

Uma crença fervorosa é tudo o que esses ambientalistas trazem para a causa nuclear, já que essas pessoas têm pouca compreensão das realidades comerciais da geração elétrica nuclear no mundo de hoje. Muitos deles acham a tecnologia nuclear atual tão insatisfatória que abraçam novos conceitos um tanto quanto “visionários” sobre reatores do futuro os quais, invariavelmente, já foram testados e abandonados no passado.

Mesmo que algumas pessoas acreditem firmemente na ciência por trás da conclusão de que impactos perigosos e irreversíveis ao clima já ocorreram a partir da atividade humana e, sem ação, muitos mais virão, todo o processo de mitigação das mudanças climáticas tornou-se um absurdo burocrático internacional. Parece improvável que o setor nuclear vá ganhar muito, se ganhar, a partir de medidas que possam vir a ser criadas decorrentes de acordos internacionais ou políticas locais.

Pelo contrário, as regras que tem surgido internacionalmente tendem a penalizar o setor nuclear. Isso porque as pessoas que definem essas regras são, invariavelmente, contrárias ao setor por razões ideológicas diversas.

Parece que sempre que o setor nuclear se envolve em qualquer coisa onde burocratas tentam comandar, controlar e proteger o público, ele tende a perder, vide problema que o setor nuclear tem com respeito à proteção radiológica. Pessoas bem-intencionadas se propõem a ajudar, mas os resultados são frequentemente contrários. Com as políticas de mitigação da mudança climática, são as energias renováveis que tem se beneficiado muito, apesar de seus resultados muitas vezes contraditórios, como o aumento das emissões de carbono na Alemanha e um aumento economicamente suicida nos custos.

O aspecto ambiental da questão nuclear está mais ligado ao seu potencial de limpar o ar nas cidades chinesas, e na boa administração dos recursos da Terra, economizando hidrocarbonetos valiosos que têm importantes usos alternativos do que a geração de energia. Entretanto, sabemos que os formuladores de políticas, infelizmente, têm ignorado de forma abrangente os benefícios nucleares, embora eles já tenham sido claramente identificados pela análise do ciclo de vida de sistemas de energia há muitos anos.

O maior argumento de “venda” do setor nuclear é que ele pode, operado corretamente, produzir grandes quantidades de energia de forma muito confiável, barata e com mínimo impacto ambiental.

O terceiro e último ponto do plano de ação é ficar longe da abordagem baseada em fatos para conquistar a opinião pública. A indústria nuclear sempre acreditou que "a verdade vai prevalecer" e, portanto, conta com o fornecimento de uma massa de notícias e informações, acreditando que isso irá convencer as pessoas de que sua tecnologia é a melhor opção. Entretanto, a informação factual detém pouca influência no comportamento das pessoas, sendo a crença o fator ‘todo-poderoso’.

O campo antinuclear tem sido muito bem sucedido ao longo dos anos em incutir nas pessoas a crença de que a energia nuclear é perigosa e “do mal”. As aflições são atiçadas apelando para as emoções, e não ao intelecto. Por essa razão, quaisquer declarações factuais contra essa crença devem evitadas. Tentativas de oferecer somente cada vez mais e melhor informação podem ser contraproducentes.
As organizações representativas da indústria nuclear provavelmente fornecem mais e melhor informação para o resto do mundo do que qualquer outro setor industrial. Constata-se, porém, que essas informações ajudam pouco em obter uma real aproximação à opinião pública. De fato, as pessoas são irracionais quando apresentadas aos fatos sobre o setor nuclear. O que os defensores da indústria pensam serem mensagens muito positivas sobre o aumento da segurança dos mais recentes projetos de reatores ou quanto aos novos procedimentos que superam limites regulatórios estabelecidos, acabam levando ao público uma mensagem oposta, alimentando seus os receios.

A resposta tem que vir de uma mudança de imagem da indústria. Isso será muito difícil de ser alcançado dado o ponto de partida desfavorável: muitas pessoas pensam que a energia nuclear é uma das coisas mais perigosas do planeta. Conseguir uma melhor compreensão sobre a radiação e colocar as mensagens positivas certas sobre a energia nuclear (limpa, barata e segura) vai ajudar muito, mas esta é claramente uma tarefa para especialistas de relações públicas. Imagens positivas da energia nuclear na TV e no cinema muito ajudariam, possivelmente um personagem de desenho animado relacionado à energia nuclear (certamente não Homer Simpson!).

Tudo para criar familiaridade do público com a geração elétrica nuclear, passando a vê-la como uma atividade normal e não uma “máquina do fim do mundo”. Alguns bons defensores demonstrando apoio à indústria também seriam muito úteis, como talvez notáveis desportistas, atores e músicos.

Em última análise, para aqueles que acreditam, nenhuma prova é necessária, e para aqueles que não acreditam, nenhuma prova é suficiente. Ficar longe da nuvem de cogumelo e das imagens de filmes de James Bond será certamente difícil, mas é alcançável através da persistência.

Não existem soluções rápidas e a indústria precisa produzir uma estratégia que permitirá que a geração elétrica nuclear prospere em longo prazo. A opinião pública é certamente local, mas mesmo em países onde a energia nuclear atrai melhores níveis de aprovação pública, ainda há um fator de medo subjacente. Uma abordagem internacional, mas com veículos de comunicação canalizados para as culturas e sensibilidades locais, é, certamente, uma necessidade urgente.

Baseado nos princípios do desenvolvimento sustentável é praticamente impossível elaborar qualquer cenário mundial para os próximos 50 anos no qual, juntamente com as renováveis e eficiência energética, não haja uma participação da geração nuclear. A alternativa seria exaurir os combustíveis fósseis, aumentando brutalmente as emissões, ou negar as aspirações de melhoria de qualidade de vida para bilhões de seres humanos que almejam sua inclusão social.

Torna-se, portanto uma questão de enorme transcendência melhorar significativamente a aceitação pública da geração elétrica nuclear de forma a permitir sua expansão a níveis compatíveis com as necessidades de descarbonização da matriz energética mundial.

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