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Leonam – A Nova Geopolítica da Energia

A NOVA GEOPOLÍTICA DA ENERGIA


Leonam dos Santos Guimarães
 

O Poder da Energia,Energy Power, é a capacidade de uma nação em empregar suas vantagens em tecnologia e produção de energia para promover seus interesses globais e contrariar os de seus rivais. Isto pode significar, por exemplo, o fornecimento de energia para os aliados que se tornaram fortemente dependente de suprimentos fornecidos por concorrente, como nos esforços norte-americanos de reduzir a dependência da Europa do gás natural russo.

Também pode significar a implantação de uma plataforma de petróleo em águas disputadas como um meio de afirmar seu controle, como nas operações chinesas de prospecção de petróleo no Mar do Sul da China. O fornecimento de energia pode ser usado para reforçar os laços com um parceiro geoestratégico, como no acordo nuclear forjado entre Estados Unidos e Índia, ou para punir um vizinho recalcitrante, como em repetidas vezes que a Rússia do “fechou a válvula” de gás natural para a Ucrânia. Apesar de não ser tão duro como o Poder Militar, Hard Power, o Energy Power pode implicar políticas muito mais duras do que o Poder Brando, Soft Power, de natureza política, diplomática, ideológica e cultural.

O fornecimento de energia tem sido há muito tempo usado como instrumento da política internacional. O Japão ampliou seu império antes da 2ª Guerra na Ásia e os Estados Unidos, que era então o principal fornecedor de petróleo ao Japão, impôs sanções cada vez mais severas nas suas exportações aquele país em uma tentativa (infrutífera) de impedir novas agressões japonesas.

Em 1973-74, os países árabes da OPEP tentaram desencorajar o apoio a Israel através da imposição de um embargo sobre o fornecimento de petróleo, provocando uma desaceleração econômica global. Nesses exemplos, o Hard Power nunca esteve muito longe das mentes dos formuladores dessas políticas. O que torna a situação diferente hoje é que o Energy Power passou a ser visto como uma alternativa viável ao Hard Power num momento em que o uso da força militar entre as principais potências parece altamente improvável.

O recente aumento na produção de petróleo dos Estados Unidos tem sido útil para forçar o Irã a buscar uma solução negociada para a disputa sobre suas atividades de enriquecimento de urânio. O Irã já foi capaz, no passado, de contrariar as sanções econômicas impostas por Washington, explorando a sede mundial pelo seu petróleo, mas agora se encontra cada vez mais isolado com aumento da produção dos EUA neutralizando o impacto global da diminuição de suas exportações.

Considere-se a resposta dos EUA às incursões da Rússia na Ucrânia. No passado, esse tipo de comportamento teria provocado advertências tonitruantes de uma possível ação militar dos EUA e na movimentação de navios de guerra e aviões de combate para áreas próximas. Hoje, entretanto, mesmo os “falcões” de garras mais afiadas descartam o uso da força.

Em vez disso, o setor de energia passou a ser o canal preferido para pressionar Putin. O governo dos EUA tem procurado negar tecnologia e financiamento ocidental para empresas de energia russas e influenciar na queda dos preços internacionais do petróleo, na expectativa de que isso irá desacelerar sua economia.

Há uma série de razões pelas quais o Energy Power está se tornando cada vez mais importante, começando com a relutância de recorrer ao Hard Power, especialmente entre as grandes potências. Ao mesmo tempo, muitos se tornaram insatisfeitos com Soft Power apenas e assim buscam ferramentas mais potentes de influência. A estas considerações se adicionam os crescentes temores sobre a segurança das cadeias de suprimento de energia mundiais.

Ainda mais significativo é o excepcional aumento da produção dos EUA. A produção americana de petróleo bruto saltou de um mínimo de 5,0 milhões de barris por dia em 2008 para uma estimativa de 9,2 milhões de barris em janeiro de 2015, um notável aumento de 84 por cento. A produção americana deverá continuar aumentando nos próximos anos, atingindo um patamar projetado de 9,6 milhões de barris em 2020. A produção de gás também teve um surto de crescimento, subindo de 20,1 trilhões de pés cúbicos em 2008 para 24 trilhões em 2015, e deve chegar a cerca de 36 trilhões de pés cúbicos em 2035.

A significativa expansão do parque de geração nucleoelétrica da China e da Rússia, associada aos significativos esforços diplomáticos e comerciais que esses dois países vem fazendo para exportação de suas tecnologias de usinas nucleares em muitos países não são alheios a esse movimento em busca do Energy Power.

Como uma alternativa ao Hard Power, o Energy Power exercita de forma clara a defesa dos interesses de um país, sem incorrer nos perigos de uma ação militar. Como uma alternativa ao Soft Power, proporciona um grau de alavancagem não acessível à pura diplomacia. Além disso, uso do Energy Power é quase livre de risco. O uso deste Energy Power, que não é novidade, tem se exacerbado nos últimos tempos, o que nos permite afirmar que a Geopolítica da Energia está se tornando cada vez mais relevante, impulsionada pela (r)evolução tecnológica.

As inovações na área de exploração de óleo e gás, como a perfuração horizontal e o fracking, bem como nas áreas de energias renováveis e nuclear, estão tendo um enorme efeito sobre o panorama global de energia, criando uma nova realidade. Esse futuro em gestação tende a enfraquecer os produtores tradicionais de óleo e gás. Os impactos destes fatos estão apenas começando a serem entendidos. Uma nova geopolítica da energia está surgindo.

Apesar da incerteza, não há dúvida de que o equilíbrio de poder na geopolítica da energia está mudando dos produtores de combustíveis fósseis para países que estão desenvolvendo soluções com baixo teor de carbono.

A China, por exemplo, está tentando se tornar uma líder simultaneamente no fornecimento de tecnologias nucleares, solares e eólicas, usando-as tanto internamente quanto construindo sua capacidade para exportá-las. A Rússia, por sua vez, vem propondo internacionalmente o modelo BOO (Build – Own – Operate) para exportação de novas usinas nucleares, também buscando a liderança no setor.

Globalmente, o apoio do governo para a energia de baixo carbono às vezes resulta em guerras de preços para equipamentos de geração de energia eólica e solar. Por exemplo, em 2013, a União Europeia impôs medidas antidumping e anti-subvenções sobre as importações de células e painéis solares provenientes da China. Em 2016, ampliou estas medidas às exportações chinesas indiretas através de Taiwan e da Malásia.

Uma analogia histórica pode ajudar a ilustrar como a geopolítica poderia se tornar complexa num mundo de energia de baixo carbono. A geopolítica no setor tradicional de energia é semelhante ao impasse da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética: houve muitos confrontos, mas também bem definidos centros de poder, alianças, regras para gerenciar os conflitos, e contatos e negociações contínuos entre os dois lados. Da mesma forma, nós sabemos quem são os principais compradores e vendedores de carvão, petróleo e gás, e os dois lados têm décadas de experiência de negociação.

A geopolítica das energias de baixo carbono é mais parecida com o mundo pós-Guerra Fria, onde muitas vezes não fica claro qual será o próximo desafio, que forma tomará ou de onde virá. Os atores são numerosos e descentralizados.

Enquanto eles negociam acesso a recursos, tecnologia e linhas de transmissão, os governos e a indústria ainda têm muito a aprender sobre como navegar nas águas turbulentas da transição energética, ainda mais considerando que as políticas que determinam o ritmo da mudança são altamente incertas.

Só podemos ter a certeza de que a oferta e a procura de energia, ou seja, o Energy Power, ao lado do Hard Power militar e do Soft Power, de natureza econômico-financeira, comercial, política, diplomática, ideológica e cultural, continuarão, como sempre, a influenciar pesadamente a geopolítica e determinar os equilíbrios mundiais de poder.

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