Ten Jussara Peccini
Os projetos desenvolvidos na Divisão de Aerotermodinâmica e Hipersônica do Instituto de Estudos Avançados (IEAV) contam com a tecnologia 3D para construir modelos em escala de aeronaves e de peças experimentais de hipersônica. Os modelos são usados em ensaios em túnel de choque, capazes de suportar cargas mecânicas e térmicas para a produção de dados aerodinâmicos confiáveis.
“Tradicionalmente, nossos experimentos sempre exigiram muito tempo e recursos, o que representava grande óbice ao andamento dos projetos envolvidos. É isso que está mudando com a utilização deste equipamento”, explica o Capitão Giannino Ponchio Camillo.
Atualmente, o Instituto é a única instituição de pesquisa da América Latina que possui um equipamento de prototipagem 3D deste porte, uma Stratasys – Fortus 900 mc. O novo recurso, em teste desde dezembro de 2015, passou a ser aplicado neste ano na confecção dos protótipos das peças experimentais.
De acordo com o pesquisador responsável pela Subdivisão de Hipersônica Experimental, doutor Israel da Silveira Rego, a tecnologia 3D permitiu dar mais qualidade no suporte aos desenvolvimentos experimentais em hipersônica no Brasil, além de manter a segurança das informações dos projetos sensíveis.
“Em comparação aos modelos convencionalmente usinados em metal, os modelos prototipados podem apresentar até 90% de economia em custo e mais de 80% de redução de peso, facilitando seu manuseio e instalação nos túneis de choque”, detalha o pesquisador.
O tempo de produção dos modelos também foi reduzido. O processo anterior com usinagem em metal, como o aço, envolvia de quatro a seis meses até a entrega do modelo para montagem nos túneis, pois envolviam fornecedores externos que dependiam de processos licitatórios. “Os modelos preparados para impressão neste novo equipamento estão prontos para uso em menos de uma semana. Além disso, estamos salvaguardando informações eventualmente sensíveis dos projetos relacionados”, explica o Capitão Giannino.
A impressora de prototipagem rápida 3D é de grande porte, com capacidade para produzir peças de quase um metro de comprimento, com precisão de 0,09 mm, em 12 diferentes materiais termoplásticos. As equipes têm explorado as capacidades da impressora para obter modelos com geometria mais complexas, como é o caso de um modelo de rampa com injeção de combustível. De acordo com o capitão, o módulo de injeção de combustível tem uma disposição interna bastante elaborada e que seria impossível usinar a partir de uma peça sólida de metal.
“Vale destacar que a injeção de combustível em um escoamento com velocidade maior que a velocidade do som, caso em estudo nos projetos CSLaser e PROPHIPER, pode ser elencada como um dos maiores problemas no projeto de um motor a combustão supersônica, pois a interação entre o combustível injetado e o escoamento externo gera diversos efeitos secundários”, afirma. “A possibilidade de variar livremente a geometria que será responsável por injetar esse combustível representa uma grande vantagem para o desenvolvimento da tecnologia”, complementa.
O equipamento foi adquirido por meio de recursos do Projeto Combustão Supersônica Assistida por Laser com Aplicação Aeroespacial gerenciados pela Finep, empresa pública brasileira de fomento à ciência, tecnologia e inovação. Foram investidos aproximadamente R$ 1,4 milhão.
Três perguntas sobre o uso de protótipos 3D:
Agência Força Aérea – Há perspectiva de novos testes com combinação de materiais ou outras iniciativas que o equipamento permita?
Capitão Giannino – Novos testes serão realizados à medida que se encerrem os experimentos com os modelos existentes. Ainda temos modelos em metal que serão ensaiados nos nossos túneis de choque até o final deste ano. Os resultados destes experimentos nos permitirão projetar novos modelos de testes, que usufruirão da capacidade que adquirimos na prototipagem em 3D. Como temos no IEAV uma oficina mecânica capaz de entregar peças menores em diversos tipos de metais, provavelmente passaremos a trabalhar com modelos que combinem partes em material prototipado e partes em metal.
Agência Força Aérea – O equipamento vai permitir ampliar e/ou acelerar a produtividade e a flexibilidade das pesquisas?
Capitão Giannino – O equipamento vai, sim, acelerar a produtividade e a flexibilidade de todos os projetos que fizerem uso dele. Inicialmente, os projetos que deverão utilizá-lo são o de Propulsão Hipersônica 14-X (PROPHIPER), e o de Combustão Supersônica Assistida por Laser (CSLaser). O aumento da produtividade será devido ao domínio integral do processo de produção de peças dentro do Instituto, sem a necessidade de processos licitatórios e outros mecanismos que tomam muito tempo, no qual a pesquisa pode estagnar, a depender do tipo de ensaio que se pretende fazer. Já o aumento da flexibilidade se deve à natureza de fabricação de peças adotada pela prototipagem 3D.
Em uma usinagem em metal, por exemplo, parte-se de uma peça maciça inicial, e dela são retiradas partes utilizando brocas de furação, fresas, tornos, etc. Regiões que devem ser trabalhadas nas partes internas à peça ou que apresentem curvatura podem demandar extenso planejamento, tendo em vista a necessidade de acesso para as ferramentas de usinagem e o caminho a ser percorrido por elas, ou podem até se mostrar eventualmente impossíveis de manufaturar.
No caso da prototipagem 3D, este tipo de preocupação não existe, pois a máquina parte de um material líquido e o solidifica conforme o deposita, camada a camada, permitindo obter praticamente qualquer configuração interna e externa.
Agência Força Aérea – Quais as possibilidades que a tecnologia 3D oferece na confecção de protótipos com geometrias diferenciadas e complexas?
Capitão Giannino – A usinagem em metal tem limitações que podem ser vencidas com o uso da prototipagem 3D. É importante destacar que metais em geral possuem qualidades mecânicas superiores aos polímeros usados na prototipagem. No entanto, a usinagem de metal é trabalhosa, cara e limitada, e os testes que já fizemos com modelos prototipados forneceram dados tão bons quanto aqueles obtidos com modelos usinados.
Deste modo, para as nossas aplicações, boa parte do que hoje usamos usinagem em metal poderá ser substituído parcialmente por prototipagem 3D. Dito isso, pode-se dizer que as possibilidades que a prototipagem 3D oferece na confecção de modelos com geometrias complexas são praticamente ilimitadas, desde que as peças sejam projetadas corretamente.
Isso inclui considerar peculiaridades da impressão 3D, como a direção de deposição dos filamentos de polímero, e a realização de análises computacionais de resistência a carregamentos externos, tanto na peça como um todo quanto em locais específicos de maior fragilidade, capacidades já dominadas pelas equipes dos projetos envolvidos.
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