Análise do Grupo de Estudos do Setor Elétrico
– GESEL da UFRJ
Nivalde de Castro
Professor do Instituto de Economia e
coordenador do GESEL – Grupo de Estudos do Setor Elétrico
Roberto Brandão
Pesquisador sênior do GESEL-UFRJ
Não restam dúvidas de que a propagação do covid-19 e as medidas de contenção em escala mundial vão provocar uma recessão global, com impacto direto na economia brasileira. A este cenário sombrio e apocalítico, mas que se espera seja de curto prazo, soma-se uma inusitada beligerância do Poder Executivo em relação aos demais Poderes Republicanos, contribuindo para agravar, ainda mais, as expectativas negativas do crescimento econômico.
Os setores ligados às exportações sofrerão pela diminuição do quantum e dos preços, sendo compensados, parcialmente, pela desvalorização cambial. Os setores industriais voltados ao mercado interno vão diminuir a produção, seja por eventuais paralizações vinculadas ao vírus, seja pelo efeito dominó que quebrará e/ou enfraquecer elos das cadeias produtivas. Os setores de serviços também serão afetados, dado que as medidas de contenção da propagação do vírus envolvem a paralização total ou parcial em vários segmentos, como shopping, cinemas, teatros, academias, restaurantes, etc.
Em suma, o cenário é nitidamente de recessão, sem que se tenha, ainda, uma percepção clara de quanto tempo irá durar localmente e em que ritmo ocorrerá a retomada do crescimento, tanto das economias mais desenvolvidas, como do Brasil.
Frente à premissa básica de que a demanda de energia elétrica é uma variável dependente da atividade econômica, as perspectivas do consumo serão negativas para os segmentos da indústria e do comércio, sendo contra restado pelo aumento do consumo residencial devido ao aumento do home office e da redução de movimentação derivada do aumento do contágio.
Nestes termos, este objetivo artigo pretende analisar os impactos deste cenário econômico sobre o setor elétrico, notadamente nos segmentos de distribuição, transmissão e geração de energia.
O segmento de distribuição será o mais afetado diretamente pela recessão.
Somam-se dois outros impactos negativos: (i) perda de mercado pela migração de consumidores cativos para o mercado livre; e (ii) rápida e subsidiada expansão da geração distribuída. O resultado líquido destes fatores será a sobre contratação das concessionárias, o que reduz o seu caixa, uma vez que a energia comprada não será integralmente vendida e, possivelmente, não haverá direito de repasse do custo de todo o excedente aos consumidores cativos.
O cenário de redução de mercado das distribuidoras tem um efeito estrutural negativo sobre segmento de geração, em relação aos futuros leilões de energia nova. Com menos mercado, as concessionárias irão precisar de menos energia contratada via leilões, afetando, assim, a cadeia produtiva de energia eólica, solar, termoelétricas, etc. Por exemplo, os leilões para recontratação de energia termoelétrica que será realizado no final de abril, firmando contratos por 15 anos, a partir de 2024 e 2025, devem ter procura reduzida e muita competição, em função dos projetos cadastrados na EPE (36,2 GW e 43,3 GW, respectivamente).
Desta perspectiva, emerge uma questão sensível: a crise cria incertezas de curto prazo, mas que afetam decisões com repercussões de longo prazo, como o exemplo acima indica. Esta especificidade, no que se refere à expansão da capacidade instalada de geração, possui desdobramentos, destacando-se:
1 – o planejamento, sistematizado nos estudos anuais da EPE (PDE), perde base para as projeções, e,
2 – os agentes investidores e as cadeias produtivas perdem a segurança e as garantias que os contratos de longo prazo firmados, via leilões, com as distribuidoras oferecem.
Quando o cenário de crise for revertido, deve-se considerar:
3 – contratos bilaterais de novas plantas geradoras para o mercado livre podem ganhar mais atratividade, especialmente em função da redução dos juros, e,
4 – investimentos em plantas solares e eólicas tendem a ganhar mais competividade por possuírem menor escala e sua construção ser mais rápida e com baixo risco ambiental.
No segmento de transmissão será menos afetado no curto e médio prazo pela crise do COVID-19. Os leilões para expansão da rede de transmissão já estão agendados até 2022 e não sofrerão descontinuidade já que estão vinculados às novas plantas geradoras contratadas em leilões realizados.
Deste modo, a redução dos leilões de novas linhas de transmissão poderá ocorrer apenas no médio prazo.
Do ponto de vista da sustentabilidade econômica e financeira, as distribuidoras têm como principal risco a sobre contratação, porém, se a situação se agravar, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a partir de decisão do Ministério de Minas e Energia (MME), possui instrumentos para mitigar os desequilíbrios, criando ativos e passivos regulatórios, plenamente aceitos pelo sistema financeiro, como a amarga experiência de 2014-2015 indicou.
Nota-se que as transmissoras estão completamente vacinadas contra a crise, uma vez que possuem contratos de longo prazo com receitas previsíveis. Trata-se do ativo mais seguro, o que pode intensificar um processo de concentração via aquisições, e os próximos leilões tendem a ser muito competitivos.
No conjunto das geradoras, estarão mais bem posicionadas aquelas com contratos firmados no mercado cativo, dado que o mercado livre sofrerá os efeitos da recessão, com menos demanda e contratos mais curtos.
Neste sentido, por exemplo, a proposta de “combinação de negócios” entre ENEVA e AES Tiête agregaria valor à nova empresa pela complementariedade dos portfólios de contratos.
Por fim, pode-se concluir que o Setor Elétrico Brasileiro será impactado pela redução da demanda derivada da recessão econômica vinculada ao COVID-19.
Contudo, o impacto ocorrerá de forma mais concentrada nas cadeias produtivas de geração termoelétrica, eólica e solar, uma vez que terão menos encomendas, e no segmento de distribuição de energia elétrica pela redução de mercado com risco de sobre contratação.