Thiago Gomes
Correio do Estado-MS
Nesta segunda-feira (20), o general de exército Enzo Martins Peri, comandante do Exército, desembarca em Campo Grande para visita de três dias, quando verificará a situação dos grandes projetos em execução na área do Comando Militar do Oeste (CMO). Ouvido pelo Correio do Estado, ele fala sobre o papel e os investimentos em andamento no Exército.
CORREIO PERGUNTA: Em sua Diretriz Geral o senhor enfatiza que o Brasil está em mudanças e que ao Exército, nesse contexto, cabe transformar-se, num processo de longo prazo, amplo e profundo. Quais as principais mudanças já efetivadas na Força?
ENZO PERI: As sociedades modernas estão totalmente imersas na chamada “era do conhecimento” – consequência da explosão tecnológica que o mundo experimenta com rapidez cada vez maior. O Brasil não é exceção. Em todas as áreas há conceitos que reinaram absolutos durante a “era industrial” que, diante do novo cenário, vêm perdendo validade. Entre esses, há vários paradigmas referentes às formas de conduzir a política internacional e de empregar a expressão militar do poder nacional que estão sendo diretamente afetados.
Mundo afora, observa-se gradativa modificação das relações de poder entre países e entre estes e um sem número de atores não estatais. Em alguns casos, essa mudança tem provocado instabilidades e incertezas além das fronteiras de um país ou região do globo, gerando o aparecimento de conflitos locais e regionais.
Apesar de estarem permeados por novos ingredientes, muitos desses conflitos permanecem marcados pelo emprego da violência. A evolução do ambiente onde atua a Força Terrestre, que mencionamos, demanda urgente e significativa transformação no modo de operar. A participação do vetor militar ficou mais complexa, por ocorrer primordialmente em ambientes com a presença da população civil, concentrada em núcleos urbanos, o que, em muitos casos, reduz a possibilidade de identificar o oponente/adversário.
Além disso, a inserção de novos atores no contexto dos conflitos – inclusive atores não estatais – é uma realidade. Atuar em meio a essa diversidade de atores com interesses e objetivos nem sempre coincidentes gera um poderoso desafio.
Para as tropas terrestres de um país, torna-se obrigatório acompanhar o avanço tecnológico e adotar soluções que potencializem suas capacidades de atuação na defesa do Estado.
Todo esse conjunto de fatores demanda que o Exército aperfeiçoe e desenvolva novas capacidades de atuação. É exatamente isso que faz o Exército neste momento de transformação, com a adoção do conceito operacional das “Operações no Amplo Espectro”.
Esse conceito define a gama de capacidades que devemos obter/aperfeiçoar e manter, para permitir que o Estado Brasileiro empregue sua Força Terrestre de maneira adequada, precisa e proporcional às ameaças que se apresentem.
Nos últimos anos, o País tem buscado a elevação de sua estatura internacional, não escondendo o desejo de vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. Porque essa meta passa, necessariamente pelo reaparelhamento de suas Forças, especialmente do Exército?
Ao assumir compromissos internacionais de grande relevância, todos os segmentos que compõem o Poder Nacional de um país precisam estar à altura do novo status. A Estratégia Nacional de Defesa preconiza que as Forças Armadas desempenhem responsabilidades crescentes em operações de manutenção da paz. Em tais operações, as Forças agirão sob a orientação das Nações Unidas ou em apoio a iniciativas de órgãos multilaterais da região, pois o fortalecimento do sistema de segurança coletiva é benéfico à paz mundial e à defesa nacional.
Somente o Exército deve consumir perto de R$ 57 bilhões em investimentos, quase a metade dos R$ 124 bilhões previstos para o reaparelhamento das Forças Armadas. O montante atende às expectativas ou ainda está aquém de suas necessidades e metas?
Os R$ 57 bilhões em investimentos abrangem apenas os projetos estratégicos SISFRON, PROTEGER, Defesa Cibernética, Guarani, Astros 2020, Defesa Antiaérea e Recuperação da Capacidade Opeacional, no período de 2012 a 2031.
Em decorrência dos investimentos propostos, o Exército está trabalhando em projetos considerados estratégicos, explicitados no Livro Branco de Defesa Nacional. Nesse contexto está o SISFRON. Qual a importância do projeto para o País?
A implantação do Sisfron deverá incrementar a capacidade de o Estado brasileiro monitorar a faixa de fronteira terrestre, produzindo informações confiáveis e oportunas para a tomada de decisões e permitindo maior efetividade em ações de defesa ou contra delitos transfronteiriços e ambientais, em cumprimento aos dispositivos constitucionais e legais que regem o assunto, mormente em operações conjuntas e interagências.
E o que dizer de outros empreendimentos, igualmente estratégicos, como o PROTEGER, Astros 2020, Guarani, RECOP e Defesa Cibernética?
O PROTEGER, em síntese, reforçará a vertente preventiva da proteção das estruturas estratégicas terrestres nacionais, com base em atividades de cooperação interagências integradas e permanentes, o que demandará o incremento nas capacidades do Exército Brasileiro e das demais agências parceiras, capacitando-as para fazerem frente aos novos desafios de proteção desse imenso patrimônio do Brasil.
O Astros 2020 dotará a Força Terrestre de meios capazes de prestar apoio de fogo de longo alcance, com elevada precisão e letalidade, a fim de dissuadir a concentração de forças hostis junto à fronteira terrestre, contribuindo no desenvolvimento de novas tecnologias.
O projeto Guarani abrange o desenvolvimento de novas famílias de viaturas blindadas de rodas, a fim de dotar a Força Terrestre de meios para incrementar a dissuasão e a defesa do território nacional
O RECOP trata das necessidades imediatas para atender a uma demanda reprimida de equipamentos e adestramento, com o objetivo de dotar as unidades operacionais de material de emprego militar, em seu nível mínimo, imprescindível ao seu emprego operacional, com a finalidade de atender às exigências de defesa da Pátria.
O projeto Defesa Cibernética reveste-se de crucial importância na medida em que integra, em ação colaborativa, os setores público, privado, empresarial e acadêmico em favor do fomento da indústria nacional de defesa, tanto na aquisição de conhecimento, quanto na geração de empregos, bem como na indução da indústria nacional em favor da produção de sistemas inovadores, ainda, na contribuição da defesa das infraestruturas críticas da Nação e no incremento da pesquisa científica, além de contribuir para o desenvolvimento tecnológico do setor cibernético nacional.
As missões de garantia da lei e da ordem, denominadas Operações de GLO, e mesmo as missões internacionais de paz, como a Minustah (Haiti), não desvirtuam o papel principal do Exército?
De modo algum essas duas missões desvirtuam a missão principal do Exército. Pelo contrário, porque a constituição textualmente expressa a missão das Forças Armadas, aí inclusa o Exército, ao afirmar que elas “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Logo, garantia da lei e da ordem, conforme as disposições legais vigentes, é um dos papeis do Exército. Digo dentro das disposições legais vigentes porque, no estado democrático de direito, a atuação das Forças Armadas tem por parâmetro a lei. E o sistema legal brasileiro, a partir da Constituição, estabelece primariamente a garantia da ordem pública como atribuição dos órgãos de segurança pública.
Apenas quando esse aparato de segurança pública é tido por insuficiente, inexistente ou indisponível por quem de direito, é que haverá a determinação do presidente da República para a atuação das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, mediante coordenação com os órgãos de segurança pública. Por isso que se diz essa atuação possui caráter excepcional, episódico e temporário.
Quanto à atuação em missões de paz, essas também estão no contexto das missões principais do Exército, em especial naquilo que a constituição define como defesa da pátria.
De fato, a realização de missões de paz, sob a égide das Nações Unidas ou em apoio a iniciativas de órgãos multilaterais da região, visa a fortalecer o sistema de segurança coletiva global, com benefícios para paz mundial, o que repercute positivamente para a defesa nacional.
O País está no cenário de megaoperação militar, a Ágata Brasil, com a mobilização de 25 mil homens do Exército, Marinha e Aeronáutica, além de órgãos de apoio, numa movimentação interagências nas regiões de fronteira. Em que isso contribui para a sensação de segurança da população?
O objetivo maior dessa operação conjunta e interagências é o represamento de ilícitos na origem, evitando-se seu transbordamento para os grandes centros, colaborando com os OSP e todas as agências nos níveis federal, estadual e municipal. É fato que o quadro conjuntural das ações das organizações criminosas diminui a percepção de segurança da população, principalmente, nos grandes centros, onde os acontecimentos possuem maior visibilidade junto a todas as modalidades de mídia.
Assim, a contribuição dessa operação para o aumento dessa percepção, está atrelada à consequente redução dos delitos, pelo simples fato de diminuição da oferta de drogas e contrabandos, entre outros, afetando as rotinas dos que agem à margem da lei.