Ministro da Defesa José Múcio, Comandante do Exército Gen Tomás, Deputado Federal Carlos Zarattini (PT/SP) e membros da delegação recepcionados pela diretoria da AVIBRAS na LAAD 2023 – Foto Lucas Lacas Ruiz Agência A13
Pedro Paulo Rezende
Especial para DefesaNet
A dívida consolidada da AVIBRAS atingiu um valor superior a R$ 1,2 bilhão, dados obtidos junto ao mercado financeiro. O perfil está concentrado em débitos junto à Previdência Social, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Segundo o Ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, o presidente da República, Luíz Inácio Lula da Silva, está extremamente preocupado com a situação da empresa — localizada no município de Jacareí (SP):
— O presidente veio do meio sindical e aposta na reindustrialização do país — afirmou. — Perder a AVIBRAS seria um golpe duro para a Base Industrial de Defesa.
O presidente Lula encarregou o vice-presidente Geraldo Alckmin, que acumula o cargo de ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), para encontrar uma solução para a empresa:
— Nós assessoramos o vice-presidente neste trabalho — afirmou. — É uma tarefa complexa em virtude das peculiaridades da empresa, uma vez que um sócio (João Brasil) detém 98% do capital acionário e não pretende abrir mão de sua posição. Isto afasta possíveis interessados que querem garantias para investir.
O Ministério da Defesa se preocupa, principalmente, com os empregados, que não recebem salários há seis meses, e o patrimônio tecnológico em jogo:
— Pelo que sabemos, nenhum grupo apresentou uma proposta. Este fato nos preocupa muito porque a AVIBRAS é responsável por vários programas estratégicos das três forças armadas brasileiras e existe risco real de uma oferta para liquidar a produção de equipamentos — disse José Múcio. — A empresa é vulnerável porque concentra seus negócios em apenas um produto (o sistema de lançamento de foguetes e a munição para o ASTROS II e 2020).
Dois fatores foram significativos para a atual situação da AVIBRAS que já passou por dois processos de reestruturação da dívida desde 2012: a pandemia do vírus COVID 19, que obrigou clientes a desviarem recursos destinados às Forças Armadas para ações de saúde, e o aumento da concorrência internacional com sistemas guiados de longo raio de ação, como o M142 HIMARS, fabricado pela Lockheed Martin dos Estados Unidos. O sistema, claramente inspirado no equipamento brasileiro, evoluiu, usa foguetes guiados, pode ser empregado isoladamente e se transformou em uma das estrelas da Guerra da Ucrânia (Nota – O ASTROS 2020 segue a doutrina do Exército Brasileiro e opera em bateria de 4 lançadores. A empresa apresentou na LAAD um sistema modular o ASTROS AFC – Autonomous Firing Calculation):
— O João Brasil, como atrativo, aponta para a possibilidade de produzir novos modelos do sistema que incluiriam mísseis guiados e afirma que os projetos estão prontos para entrarem em industrialização, mas, sem lastro financeiro, não consegue atrair novos compradores para os produtos — disse o ministro. — Esta situação se reflete nos programas conjuntos que envolviam a AVIBRAS. Empresas da Base Industrial de Defesa brasileira que participavam de parcerias se afastaram e, hoje, tocam sozinhas os projetos.
É o caso do míssil antinavio MAN-SUP, desenvolvimento nacional contratado pela Marinha do Brasil. A AVIBRAS seria responsável pela montagem final, pela produção do propelente e da carga explosiva. Segundo DefesaNet apurou na LAAD 2023, a SIATT Sistemas Integrados de Alto Teor Tecnológico, encarregada dos sistemas de detecção e navegação, assumiu todas as funções antes destinadas à companhia de Jacareí.
Antes da LAAD, a AVIBRAS anunciou discretamente o lançamento do ASTROS 3, uma completa revolução sobre os modelos atuais, mas a concepção artística do equipamento ficou na parte privada do estande montado para a feira. Sem grandes detalhes, anunciou-se o desenvolvimento de um foguete guiado de 150 km de alcance guiado a laser, contrariando a tendência internacional de dotar estes equipamentos com sistemas de aquisição de alvos por GPS. Também foi apresentado um aperfeiçoamento na família ASTROS com a versão AFC para permitir que as viaturas lançadoras operem isoladas sem necessidade de apoio adicional.
Reestruturação financeira
Segundo o ministro da Defesa, o vice-presidente Alckmin entregou o trabalho de reestruturação da dívida da AVIBRAS ao economista Luciano Coutinho, ex-presidente do BNDES:
— Cabe a ele intermediar os contatos entre a AVIBRAS e eventuais compradores e instituições financeiras que se interessem pela empresa — contou José Múcio. — O presidente da AVIBRAS sugeriu algumas medidas de emergência junto ao governo brasileiro para retornar as operações da fábrica, mas elas são inviáveis e de difícil execução dentro da legislação.
Estas ações seriam a ampliação do programa de aquisição do Programa ASTROS 2020, que prevê a formação do 16º Grupo de Artilharia de Foguetes e Mísseis (praticamente completo), e um adiantamento relativo a compras futuras de munição. O ministro da Defesa acha difícil estatizar a empresa como querem os empregados:
— Não há clima político para isto — alegou. — A melhor solução é encontrar um parceiro que queira investir em novos projetos, mas, para isto, o maior acionista precisa ser mais aberto.
Luciano Coutinho abriu um canal com o Banco Fator que estabeleceu uma possível solução. A proposta foi entregue a uma empresa de consultoria contratada por João Brasil e pode ser apresentada na assembleia de credores no próximo dia 27 de abril.
Boatos e realidade
O quadro incerto da AVIBRAS é um terreno fértil para boatos e até a imprensa não especializada se iludiu com eles. Foi afirmado em um grande meio que uma empresa alemã (não identificada) e o EDGE Group, conglomerado dos Emirados Árabes Unidos, estariam interessados em investir na empresa brasileira.
Marcos Degaut, gerente geral do EDGE Group para o Brasil e a América Latina, negou que haja qualquer decisão sobre o assunto.
— O que existe de verdadeiro é que solicitamos informações sobre a dívida consolidada da AVIBRAS, mas, por enquanto, não temos interesse na empresa — disse.
A razão estaria no volume da dívida, que ele não revelou.
Em relação à empresa alemã, DefesaNet levantou que seria a Rheinmetall. O objetivo seria manter apenas a produção de propelente e explosivos com a desativação da produção do ASTROS 2020. A proposta não foi encaminhada oficialmente.
— O governo pretende proteger a AVIBRAS e seu patrimônio tecnológico — disse José Múcio. — Não é do interesse nacional que ela seja desmontada e vamos fazer tudo o que for possível para evitar esta possibilidade.
A verdade é que tudo depende de como a assembleia de credores for conduzida. No passado, empresas europeias e norte-americanas tentaram adquirir a empresa para desmontá-la e acabar com uma concorrente no mercado. Se conseguirem, será um golpe sério na Base Industrial Brasileira, semelhante ao que ocorreu com a ENGESA na década de 1990.