Tereza Cruvinel, Leonardo Cavalcanti
As ações de espionagem da agência americana de segurança revelaram a fragilidade do Brasil na proteção a dados e informações. Se faltam garantias à privacidade, especialmente na internet, desprovida de qualquer regulamentação nacional, os primeiros passos vêm sendo dados na prevenção de ataques cibernéticos, parentes mais perigosos da espionagem. A partir de vírus e outras armas digitais, podem destruir tanto as estruturas militares de defesa como aeroportos, hospitais ou hidrelétricas. Nesta entrevista, o ministro Celso Amorim fala sobre os avanços da política de defesa, num país que nunca levou tal coisa a sério, fazendo uma constatação e uma advertência: na defesa cibernética, estamos na infância. Mas como os outros países também estão, nosso ponto mais vulnerável hoje é o espaço aéreo, pela falta de aviões caça.
Em relação às ações de espionagem dos EUA, poderia ter havido alguma ação preventiva? Qual é o papel do Ministério da Defesa na segurança de informações?
Acho que, no Brasil, isso ainda não está definido. Em alguns países, existe um órgão específico. O Ministério da Defesa responde pela defesa cibernética, que é a defesa da Defesa nacional, digamos assim. Por ora, o que a nossa defesa cibernética pode fazer é algo ainda muito pontual. Estamos ainda na infância, não há como negar, mas não somos só nós. Os países europeus também começaram a se preparar recentemente. Uns em 2010, outros em 2011… Até mesmo o anterior secretário de Defesa, Leon Panetta, chegou a dizer que os EUA estavam sujeitos a um “Pearl Harbor cibernético”. Dito isso, em nossa Estratégia Nacional de Defesa, desde 2008, a defesa cibernética é área estratégica. Em 2010, um núcleo começou a funcionar no Exército, dando origem ao Centro de Defesa Cibernética, criado em 2012. Outras áreas do governo têm outras preocupações. Por exemplo, com a criptografia, que é de responsabilidade da Abin.
A defesa cibernética então não busca defender diretamente a sociedade…
Indiretamente sim, porque se os militares não estiverem preparados, não poderão defender a sociedade. O Centro já foi empregado, de forma pontual, na proteção a grandes eventos, como a Conferência Rio+20, a visita do papa, a Copa das Confederações. Tratava-se ali da defesa contra hackers ou crackers, ou eventualmente um país que desejassem atacar. Nessas ações pontuais, o Centro de Defesa Cibernética foi um pouco além da defesa militar, coordenando a ação de um conjunto de órgãos. Ele precisa evoluir, criar capacidades, talvez uma escola de defesa cibernética. Por que digo que é importante formar capacidades? Hoje, a tendência é comprar softwares importados, mas eles não vão garantir nossa defesa. Precisamos desenvolver tecnologia brasileira. Isso leva tempo, demanda investimentos, formação de pessoal e mudança de cultura. As pessoas acham mais fácil trabalhar com o que já existe, já conhecem. Mas, quando se trata da defesa e das redes do governo, só a tecnologia nacional pode garantir segurança máxima. Veja o caso da criptografia. Ela depende de um componente, o gerador de chaves, que é importado. E ele pode ser sabotado.
Foi uma surpresa a descoberta de que a agência americana atuou no Brasil da forma descrita? O senhor caracteriza a espionagem como um ataque?
Precisamos tomar cuidado com as palavras, mas óbvio que isso é intrusão. Uma intrusão em nossa soberania. Em geral, você reserva a palavra ataque…
Usei a palavra porque o senhor fez uso dela em sua resposta, ao falar da Rio+20…
Na Rio+20, procuramos nos defender de ataques. Ou seja, de alguém que tentasse, por exemplo, interferir na rede. O que houve no Irã, onde a inoculação de um vírus destruiu as centrífugas nucleares, foi um ataque cibernético. Perguntar se a espionagem é ataque é como perguntar se a espionagem é parte da guerra. Pode ser ou não. Não sendo, não deve, por isso, ser tolerada. Os desafios são dois, interligados, mas distintos. Um é proteger a informação, impedindo que agentes externos interceptem as comunicações, seja entre as pessoas, seja dentro do governo. Outro é proteger a Defesa contra ataques de vírus e outras armas que também podem afetar redes elétricas, hospitais, aeroportos, tornando-se, no limite, armas de destruição em massa. Mas agora, o que nos despertou foi a espionagem. Se ficamos surpresos? Com a escala e a desfaçatez com que foi feita, sim. Espionagem sempre houve, mas com discrição. Não foi surpresa absoluta, mas chocou.
O Brasil gasta pouco com a defesa cibernética?
O orçamento do Centro, este ano, é de R$ 90 milhões. Os outros países, com exceção dos EUA, não gastam muito mais. Talvez três ou quatro vezes mais, não chegando à casa dos bilhões. A Marinha faz alguma coisa em sua área, a Aeronáutica também, a Abin investe em criptografia.
Em relação à espionagem, qual órgão deveria ter atuado?
Não há um único órgão que deveria ter respondido. Eu fui, talvez, a primeira pessoa do governo a dizer que somos vulneráveis. Mas não é só o Brasil, é o mundo inteiro. Se o secretário de Defesa americano diz que os EUA estão sujeitos a um “Pearl Harbor cibernético”, todos os países, de alguma maneira, são vulneráveis. Há muitas coisas sendo feitas fora do âmbito da Defesa. Aspectos legais e penais, privacidade, internet. Uma providência muito importante é o novo satélite, que nós mesmos vamos gerenciar. Outros ministérios estão tomando medidas para proteger a sociedade e o Estado. Agora, se houver ameaça de ataque aéreo ou cibernético, isso é com a Defesa.
O senhor diz que só a tecnologia nacional garante a segurança. Por quanto tempo então ficaremos reféns da tecnologia estrangeira?
Não sei por quanto tempo, mas não apenas nós somos reféns. Não vamos fazer um drama, como se só o Brasil vivesse essa situação. Na América Latina, somos, sem dúvida, o país mais avançado nessa área. Estamos descobrindo coisas, mas precisamos formar pessoas e conservá-las. Frequentemente, ficamos sabendo de alguém que deixou o governo para ganhar mais numa empresa privada. É um problema que temos de enfrentar.
A evasão de cérebros foi tema de uma reportagem do Correio há cinco meses. Existe alguma forma de contê-la?
Os números que vejo publicados são um pouco inflados. Às vezes, misturam algumas coisas. A carreira militar, para a maioria, termina na patente de coronel. A saída de alguém nesse posto ou pouco antes não pode ser considerada evasão. O mesmo vale para um capitão de mar e guerra, se ele avaliou que não chegaria a almirante e aceitou a proposta de uma empresa privada. Isso existe em outras áreas, mas não intensamente na Defesa, embora preocupe. Tanto é que os militares, com os professores, tiveram aumento diferenciado. O governo entendeu essa necessidade.
Na escala dos riscos, qual é hoje a maior vulnerabilidade brasileira em matéria de segurança?
Temos programas importantes sobre os quais estamos tomando as medidas possíveis. Por exemplo, o do submarino nuclear da Marinha e o cargueiro a jato da Embraer, o KC-390, que pode vir a ser o grande substituto do Hércules C-130. Eles podem se tornar alvo por razões estratégicas ou econômicas, ou uma mistura de ambas. Se me perguntarem se temos 100% de segurança, direi que não. Eliminar totalmente os riscos, talvez nem os EUA consigam.
E a questão dos caças? Há 10 anos esse assunto espera uma solução. A falta deles também deixa o país mais vulnerável?
Essa é uma prioridade indispensável para evitar a vulnerabilidade. Todos temos consciência disso, inclusive a presidente, que lida com todas as outras prioridades do país, como saúde, educação, transporte público… Mas, na área de Defesa, afora cibernética, que será um esforço de médio e longo prazo, nosso ponto mais fraco é a nossa defesa área, em função do problema dos caças.
O senhor está otimista?
Sim. Acho que, se a pessoa não for otimista, a não ser que tenha outro tipo de interesse, que não é o meu caso, não deve exercer cargo público. Sou otimista no sentido de que poderemos avançar em algumas coisas, em algumas mais, em outras menos. Os grandes programas da pasta têm sido preservados, como o do submarino e o do avião de transporte. No ano passado, houve uma grande troca de material rodante e a aquisição de blindados para o Exército. Isso foi importante. A Avibras vai muito bem, tem até exportado. Mas nem tudo, é claro, foi possível fazer.
Existem informações de que a Bolívia tem aumentado o número de militares na fronteira. Como está a política de defesa das fronteiras?
O Brasil tem quase 17 mil km de fronteira. É inimaginável protegê-la só com seres humanos. É preciso combinar a presença física com a proteção tecnológica. Isso envolve satélite, comunicações, equipamentos, sob a coordenação do Sisfron (Sistema de Vigilância das Fronteiras, do Exército). Realizamos, com frequência, a Operação Ágata, com emprego de grandes efetivos nas fronteiras. Em 2011 e em 2012, fizemos três operações anuais, com duração de 15 a 20 dias. Este ano, como tínhamos que proteger a Copa das Confederações e a visita do papa, fizemos uma só, mas com o dobro do efetivo, cerca de 20 mil homens cobrindo toda a fronteira. Temos aviões de detecção, munidos de radares importados, e estamos desenvolvendo radares nacionais. O mesmo esforço está sendo feito em relação à faixa marítima.
E a parceria que o senhor propôs à Argentina em defesa cibernética?
Eles enviarão uma equipe, ainda este ano, para ver o que estamos fazendo. A Argentina é mais próxima e mais avançada nisso, o que permite uma cooperação mais imediata, sem descartar a cooperação regional.
O problema dos vetos da ida de parlamentares ao DOI-Codi no Rio está resolvido?
Não houve vetos, houve mal- entendido. Tanto quanto posso dizer, está resolvido.
A Procuradoria Geral da República pediu a retirada do crime de pederastia do código militar. O senhor tem acompanhado isso?
Já demos parecer aqui para a retirada das expressões pederastia e homossexualismo. Não há problema quanto a isso.
E quanto à proibição do casamento entre militares durante o curso de formação?
Vocês já perguntaram demais…