Eduardo de Vasconcellos
MSc. em engenharia de sistemas COPPE/UFRJ,
consultor de empresas em operações e negócios com RPAS,
membro da Association for Unmanned Vehicles International,
da Air Traffic Control Association e do
International Council for Systems Engineering.
Os entusiastas das novas tecnologias, como os drones e suas aplicações comerciais, costumam enfatizar os benefícios que estes propiciam à economia, à solução de problemas de natureza estratégica, ambiental e logística e à sociedade em geral. A cartilha do lobby anti-regulação segue os mesmos princípios.
Mas não são poucos os exemplos de inovações tecnológicas, cuja utilização disseminada pode gerar inconvenientes, ameaças ou riscos tangíveis, que podem sobrepor-se aos benefícios anunciados. A lida diária de governos, empresas e cidadãos com os efeitos adversos dos ataques cibernéticos às redes sociais e empresariais parece ser assim percebida por parte crescente da população.
E, além dos drones, vêm aí a internet das coisas, os carros sem motorista, o Uber aéreo, a inteligência artificial (na falta da natural?) e os robôs, para as mais variadas tarefas. Às pessoas caberia, apenas e cada vez mais, desfrutar da comodidade, do tempo livre e das conveniências oferecidas. Será?
De volta aos drones, cujo marco regulatório foi estabelecido por norma específica da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) em maio deste ano, cabe explicação preliminar sobre a dimensão dos riscos à segurança das pessoas e bens no solo, potencialmente associados aos drones de até 25 Kg, para ficarmos apenas nestes.
Consta que o físico inglês Isaac Newton, no século XVII, teria formulado a teoria da gravitação a partir da observação da queda de uma maçã de uma árvore, embaixo da qual estaria sentado. Mais tarde, outras leis de Newton permitiriam determinar a energia (cinética) de corpos em movimento ou em queda em direção ao solo, sujeitos à gravidade e a arrasto aerodinâmico. Para simplificar, usamos aqui uma “unidade de energia” genérica, ou uE (para quem é ligado em física, o Joule).
Como todos sabemos, o impacto de uma maçã de 250 gr que cai de 2 metros de altura, que é de 5 uE, não é suficiente para causar a morte de uma pessoa. Já uma pancada de 80 uE na cabeça, por objeto de 250 gr (maçã ou drone) a 90 Km/h, pode ser fatal. No campo das blindagens automotivas, controladas pelo Exército, impactos de 600-800 uE são suportados por blindagens Nível I, enquanto as de Nível III A suportam 3.000-4.000 uE. Não é difícil ter uma noção prática (visual) da letalidade de choques como estes, comuns no cinema e na TV e, mais e mais, nas ruas das nossas grandes cidades.
Já o impacto da queda, de 120 metros, altura máxima permitida pelo DECEA (Departamento de Controle do Espaço Aéreo), de um drone de 25 Kg, limite da categoria de baixo risco (sic) da ANAC, pode atingir 15.000-20.000 uE, carga de altíssima letalidade para pessoas e de enorme poder destrutivo para veículos, prédios ou infraestruturas críticas. Impactos de 11.000 uE podem ocorrer se um drone de 25 Kg a 110 Km/h, limite do DECEA para esta categoria, colidir com aeronave tripulada carregando passageiros. Ou, por erro ou falha de navegação, com prédio, torre ou tanque de combustível.
Em tal cenário, o modo mais óbvio de se mitigar riscos e acidentes, para nós, leigos, seria a exigência do treinamento e da habilitação do piloto remoto, que vem sendo adotada pela maioria das agências reguladoras da aviação civil no mundo, incluindo a FAA (Federal Aviation Administration), dos EUA. Na Europa, buscando unificação entre países membros, está em curso consulta pública que inclui proposta de subcategorias de peso e requisitos diferenciados de habilitação para o piloto remoto de drones até 25 Kg, incluindo exames teóricos e práticos por entidades certificadas pela EASA (European Aviation Safety Agency).
Neste contexto, a ANAC inova ao englobar na norma, tanto a prática recreacional do aeromodelismo quanto a operação comercial de drones, com fins lucrativos e obrigações contratuais, bem como, ao dispensar qualquer requisito de certificação de tipo, de aeronavegabilidade e de capacitação e habilitação de pilotos remotos de drones de até 25 Kg, nos limites de altura e velocidade aqui citados, com os drones mantidos no campo de visão do piloto.
Entretanto, pela norma aplicável do DECEA, que, por sua vez, não se aplica aos aeromodelos, operações noturnas podem ser autorizadas se os drones exibirem as devidas luzes de sinalização aeronáutica. O resultado seria algo equivalente a dispensar o exame e a carteira de motorista (categoria C) para dirigir caminhões à noite, sem farol mas com as lanternas ligadas, por estradas mal-iluminadas?
Já em norma específica, o DECEA regula a ‘operação de aeromodelos fora das áreas adequadas para a prática do aeromodelismo’ (?), autorizando o uso de espaços aéreos definidos como não navegáveis, ou, ‘sombras’, de até 30 m ao redor de prédios ou instalações. Seria de interesse público (e de sua competência) reduzir a segurança, o sossego e a privacidade das pessoas em geral, exatamente nas proximidades de suas residências ou locais de trabalho? E isso, em nome da diversão de uns tantos?
Cabe ainda mencionar que a homologação de drones (sic) pela ANATEL, na realidade, dos equipamentos de radiocomunicação, visa a garantir que as frequências e potências utilizadas não interfiram em outros serviços de telecomunicações, sem oferecer qualquer tipo de proteção a este “elo mais fraco da cadeia sistêmica”, tal como ocorre com os conhecidos links wi-fi de acesso à internet.
Em espaços confinados, como estádios, arenas e centros de convenção, não sujeitos a regulamentação e fiscalização pela ANAC ou DECEA, a operação de drones, ainda que com aparelhos de menor peso e a menores velocidades (nem sempre…), pode envolver energias de 1.000-4.000 uE, condição para acidentes de altíssima severidade, em caso de perda de controle por falha na radiocomunicação ou manobra arriscada do operador.
Notar que não estamos tratando (ainda) de mal intencionados, hackers, criminosos ou terroristas, para os quais os drones podem constituir poderosas (e aterradoras) ferramentas de trabalho. Por ora, isto pode nos tranquilizar, ou nos preocupar ainda mais.
O atento leitor deve ter percebido que se trata aqui de equipamentos, na realidade, de sistemas, de alta complexidade e que envolvem múltiplas disciplinas e tecnologias, além do fator humano, cujas falhas ou operação incorreta podem representar perigos reais à população em geral. Uma atitude de certo “laissez-faire” por parte dos reguladores, em tal contexto, não é de fácil compreensão.
É evidente e urgente a necessidade de debates mais amplos e do estabelecimento de políticas públicas relativas ao tema, dos quais participem segmentos diversificados da sociedade, seus agentes especializados, como, os do direito aeronáutico e das tecnologias de informação e comunicação, da segurança pública e privada, das agremiações de pilotos e de outros serviços aéreos tripulados e, antes que venham a acontecer, da prevenção e investigação de acidentes aeronáuticos.
Caso contrário, podemos voltar a Shakespeare, 1600, com ‘mais coisas entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia’. Só que, desta vez, com riscos mais tangíveis e menos filosóficos.
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