Drones armados, para quê?
Eduardo de Vasconcellos, MSc
RPAS Ops Consulting
International business development, management consulting
Advanced tech-based projects, ventures, operations I civil, military
Greater Sao Paulo Area, Brazil
Em novembro de 2016, escrevi neste DefesaNet sobre o fato de o Brasil ter ficado de fora da recente“Declaração Conjunta sobre Exportação e Uso Subsequente de Veículos Aéreos Não Tripulados Armados ou de Ataque”, proposta pelo Departamento de Estado Americano com o objetivo de inaugurar a criação de normas globais específicas para a utilização destes sistemas de armas, da qual faziam parte 48 países, ampliados, desde então, para 53. (Nota DefesaNet ver a matéria Brasil fica fora de declaração americana sobre drones armados)
Dentre estes, diversos países amigos e parceiros tradicionais brasileiros: África do Sul, Albânia, Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Bulgária, Canadá, Chile, Cingapura, Colômbia, Coréia do Sul, Dinamarca, El Salvador, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Filipinas, Finlândia, Geórgia, Holanda, Hungria, Iraque, Irlanda, Itália, Japão, Jordan, Kosovo, Látvia, Lituânia, Luxemburgo, Malaui, Malta, México, Montenegro, Nova Zelândia, Nigéria, Noruega, Paraguai, Polônia, Portugal, Reino Unido, Romênia, Sérvia, Seicheles, Sri Lanka, Suécia, Ucrânia, República Tcheca e Uruguai.
Por motivos ainda insondáveis, apesar dos meus esforços de busca de esclarecimentos, à época, junto ao Itamaraty e à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, CREDN, o Brasil optou por integrar o grupo de nações avessas à iniciativa, com destaque para China, Rússia, Índia e Israel. A França, curiosamente, também optou por ficar de fora. Registre-se, ainda, que o Brasil não aderiu ao Missile Technology Control Regime, MTCR, acordo de não proliferação de mísseis estabelecido em 1987, contando atualmente com 35 países-membros.
Tanto o MTCR como esta Declaração, estipulam regras para a não proliferação destes vetores, através de medidas de transparência adequadas ao desenvolvimento, comércio e uso responsável destes, recomendando, ainda, a adoção de leis internacionais sobre conflitos armados e direitos humanos em seu emprego. Busca-se também evitar que estes drones caiam em mãos de grupos insurgentes ou criminosos, o que poderia atiçar conflitos e instabilidade, facilitando ações terroristas e do crime organizado.
Corta para maio de 2022. Notícias na imprensa especializada dão conta da assinatura de um memorando entre a fabricante de drones brasileira, XMobots, e a francesa MDBA, a maior fabricante de mísseis da Europa, para integração do míssil Enforcer ao drone Nauru 1000C, que já vem sendo utilizado pelo Exército em missões de inteligência, vigilância, aquisição de alvos e reconhecimento. ‘A parceria com a MDBA consolida nossa capacidade tecnológica, colocando o Brasil em um grupo diferenciado de países que desenvolvem e produzem drones armados’, declara a empresa. (ver matéria – XMOBOTS e MBDA assinam MoU para o desenvolvimento da versão armada do RPAS Nauru 1000C com mísseis Enforcer)
Mas, drones armados, exatamente para o quê? pode-se perguntar. Ao contrário dos anúncios de iniciativas similares, não são informados os objetivos, os atores envolvidos, as hipóteses de emprego (para usar uma expressão militar), os benefícios da utilização para o país e para a sociedade, e os mecanismos de controle e governança destes, em particular, em se tratando de ‘drones armados de baixo custo’, conforme declara a empresa. Seriam estas informação, por acaso, também objeto de sigilo por 50 ou 100 anos, dada a proximidade do Exército ao negócio em questão, ainda que entre 2 empresas privadas?
Ou seria predominante o vetor exportador, para países vizinhos ou, de forma oportunista, para países não alinhados ou para cenários de guerra como a atual na Ucrânia, onde se destacam drones de ataque turcos, como o icônico Bayraktar TB2, com suas munições guiadas a laser, capazes de afundar ou de danificar gravemente embarcações pesadas da Marinha Russa? Ou os revolucionários drones Switchable, da AeroVironment, que operam como kamikazes na destruição de tanques, veículos e outros ativos militares inimigos, enviados à Ucrânia em grandes quantidades pelos aliados americanos? Ou dos mísseis antitanque Brimstone, de subsidiária da MDBA, fornecidos às forças polonesas para integração com seus veículos Ottokar? Teriam estes recentes acontecimentos entusiasmado os técnicos brasileiros e franceses?
A ênfase nos benefícios tecnológicos e de capacitação esperados, tais como, futuros acordos de cooperação industrial, projetos de compensação e a ‘disrupção tecnológica’ (sic) associada, não ofusca questões relativas ao mercado alvo da XMobots e da MBDA. Segundo matérias veiculadas, vão de ‘olho no Exército Brasileiro’ às Forças Armadas Sul Americanas. A estes, poder-se-ia acrescentar, por simbiose, as demais Forças Armadas nacionais, a Polícia Federal, a Força Nacional de Segurança e as forças de segurança pública, em terra, no ar e no mar.
Teriam acesso a estes drones armados, por vias retas ou tortuosas, também a bandidagem, os traficantes de drogas, os terroristas e as milícias? Ou poderíamos chegar a ver grupos de CACs (colecionadores, atiradores desportivos e caçadores) de drones armados sendo privilegiados em nossa legislação? E seriam os mecanismos atuais de proteção das pessoas e dos direitos humanos suficientes para lidar com esta nova realidade? E quais seriam as instituições competentes que patrocinam, fiscalizam e prestam contas à sociedade de atividades desta natureza?
São questões que devem ainda ser debatidas e respondidas. De qualquer modo, parece que passaremos a ter mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar a nossa vã filosofia. Desta vez, menos filosóficas e mais letais.