Por Nicholle Murmel
Enviada especial DefesaNet
Na quarta-feira, dia 29 de setembro, nossa equipe visitou o Parque Regional de Manutenção/5 (PqR Mnt/5), em Curitiba, onde está sendo conduzida a modernização dos blindados M-113 do Exército Brasileiro.
O projeto é resultado de parceria firmada entre o Governo Brasileiro, o Governo Americano, a empresa BAE Systems, e entre o final de setembro e começo de outubro deste ano foi concluída a modernização do primeiro lote de 150 unidades – que serão distribuídas a vários batalhões de infantaria blindada como o: 29º BIB de Santa Maria (RS), o 7º BIB de Santa Cruz do Sul (RS), o 13º BIB de Ponta Grossa (PR) e o 20º BIB de Curitiba.
Os trabalhos começaram com o protótipo feito, em 2012, com mão de obra americana. Em 2013 foi estabelecida a linha de montagem que, naquele ano, completou 42 unidades. Em 2014 foram modernizadas mais 60, e este ano 48, fechando o lote previsto no primeiro contrato.
Abaixo você confere a entrevista exclusiva com o diretor do Parque de Manutenção, Coronel Everton Pacheco da Silva:
DefesaNet: Qual o objetivo de modernizar os M-113 do Exército?
Cel. Everton: Para começar, ninguém se desfaz de M-113, é um carro muito valorizado. São mais de 40 variantes e 80 mil unidades operando em todo o mundo. Quando esses carros vão ficando obsoletos ou deixam de atender às necessidades doutrinárias, o que se procura é fazer um upgrade ou mudar as características desse veículo. O M-113BR, esse modernizado, surgiu da necessidade de esses carros acompanharem os Leopard-1A5. Se você comparar a relação peso/potência do M-113BR com a do Leopard, o M-113 até supera, mantendo, lógico, a perspectiva do peso – o Leopard pesa em torno de 45 toneladas, e o M-113 pesa 11. Eles formam uma força-tarefa e conseguem acompanhar um ao outro.
DefesaNet: Como funciona o sistema de contrato Foreign Military Sales (FMS)?
Cel. Everton: Ele é firmado entre o governo brasileiro e o governo americano. Nós não escolhemos a BAE Systems e sim os Estados Unidos. Funciona como um triângulo – a empresa fornece os kits de peças ao governo americano, que, no primeiro contrato, se encarregou do transporte até o porto de Paranaguá (PR). Nós ficamos a cargo do transporte final até o Parque, em Curitiba.
Com esse formato da operação FMS, as peças para modernização acabam saindo mais baratas. Há também a possibilidade de acesso às peças excedentes dos arsenais dos Estados Unidos, e também facilita muito a troca de peças. Caso venha um componente com defeito em algum dos kits, basta informar a um dos dois funcionários americanos que trabalham conosco aqui no
Parque, eles informam essa não-conformidade à empresa e a peça nova já vem no próximo container.
Também podemos contar com a capacidade de engenharia da BAE Systems para conduzir novos estudos – há coisas que mudaram nos carros no decorrer dos trabalhos no período do contrato, e que foram resultado de observações do Exército Brasileiro.
Um exemplo são os farois de LED. Outra situação foi com a tampa de combustível. Em um local como a Jordânia, onde é seco e o diesel usado é outro, não haveria problema. Aqui, onde há umidade e usamos biodiesel, surgiu ferrugem. Então entramos em contato com a empresa e eles mesmos estudam uma solução.
DefesaNet: Que tipo de tecnologia foi transferida para o Brasil e para o EB no decorrer desse primeiro contrato de modernização?
Cel. Everton: Mais até do que tecnologia, o pessoal aqui do Parque ganhou expertise em saber o que acontece com o carro, mexer com ele. Desmontando até o último parafuso e remontando como fazemos aqui, o conhecimento que os sargentos adquiriram é excepcional.
Há certos itens que receberam um novo número com identificação BR, porque são coisas nossas, do nosso ambiente operacional, de como usamos o carro, e que percebemos que precisavam ser alteradas. E hoje já pedimos por essas peças com número separado.
DefesaNet: E quais são essas circunstâncias específicas em que os nossos blindados operam, em nível de região Sul e Brasil?
Cel. Everton: Eu estava presente na primeira reunião, aqui no Parque, para determinar como seria o contrato. A BAE Systems já havia feito contratos na Jordânia – 750 carros, no Chile e Noruega, cenários muito diferentes. No Chile, por exemplo, o deserto de Atacama, o carro anda sobre salitre, que resseca e quebra a borracha [das lagartas] e diminui a durabilidade das almofadas. Na Jordânia não há a necessidade, que nós temos de o carro flutuar e navegar – é algo bem nosso. Na Noruega há gelo, lama e água.
Aqui, no caso a região Sul, é úmida, nosso regime de uso do carro é de cerca de 600 km/ano em percursos curtos, diferente da Jordânia e do Chile em que se fazem longos trajetos no deserto.
Em outros programas que a emprsa realizou, os veículos foram modernizados da versão A-1 para a versão A-2Mk1, equivalente ao nosso M-113BR. Esse trabalho de conversão demorou sete meses no protótipo apresentado em 2012, isso porque a versão que nós tínhamos aqui não era a A-1 e sim a A-0, a primeira versão do carro, que serviu na Guarda Nacional dos Estados Unidos, veio para cá e ainda foi repotencializada, em 1985, pela empresa Moto Peças.
E mesmo agora também temos a nossa própria versão, pois o BR é o M-113 A-2, com as peças fornecidas pelos americanos conforme contrato, mais as adaptações de acordo com as nossas necessidades.
DefesaNet: Considerando essa autonomia do Exército, como vocês desenvolvem essas especificidades para os blindados?
Cel. Everton: Em 2012, enquanto os americanos construíam o protótipo, a Divisão Técnica do Prque/5 estudava o manual original do carro para poder entregá-lo nas melhores condições possíveis ao usuário. Percebemos que eram necessárias coisas como um kit de ferramentas completo com o tipo de ferramenta que nós precisamos, por exemplo um cabo de aço para reboque, galões de armazenamento, que não são mais de metal e sim de poliuretano [não sofre corrosão], e a parte interna do carro é toda customizada para nós.
Durante a fabricação dos protótipos, o pessoal das Brigadas, em Santa Maria e aqui em Curitiba, foram consultados sobre o que eles achavam necessário. Eles sugeriram uma bolsa para transporte de ferramentas, kit de primeiros socorros, bolsa para transporte de manuais, tudo preso às paredes. E foi feito. Quando recebemos o protótipo aqui, pensamos que não custava nada manter essas boas ideias na linha de modernização também, já que eram resultado da experiência dos próprios infantes.
O M-113 BR corresponde, em termos de motor e suspensão, à versão A-2Mk1, mas já customizado para as nossas necessidades.
DefesaNet: Quais são as perspectivas para o futuro da linha de modernização?
Cel. Everton: O contrato para a modernização do segundo lote – 236 carros – já foi formado. Os primeiros containers com as peças devem chegar aqui em novembro, e o mais provável é que o trabalho comece em janeiro ou fevereiro de 2016. Devemos receber em torno de 110 containers em um espaço curto de tempo, cerca de um ano.
Isso entre outras coisas diminui o preço, pois as fábricas de peças não precisam produzir motores ao longo de 2016, 2017 e 2018. Para nós trabalho não se altera, o que temos que pensar é em armazenamento. Nosso ritmo é limitado pelo efetivo de pessoas que temos aqui, além de outros gargalos na linha de montagem.
DefesaNet: O Exército Brasileiro teria autonomia para fornecer esse serviço de modernização para outros usuários do M-113 na América Latina?
Cel. Everton: Acho que, nesse caso, o Estado Maior do Exército teria que conversar com o Comando Logístico para verificar a viabilidade disso. Não sei como esse contrato FMS seria firmado, se fecharíamos Brasil e Estados Unidos para trabalhar em carros do Chile, por exemplo.
Vamos supor também que algum outro país firme contrato FMS com os EUA, mas não tenha capacidade instalada, então os veículos seriam trabalhados aqui, essa é uma possibilidade. Posso dizer que já ouvi sobre isso lá em 2010, 2011, não é novidade. Quem sabe a linha de montagem aqui dando certo e encerrando a frota brasileira seja possível fazer o mesmo para outros, mas aí depende de acordos internacionais também.
A linha de modernização
Enquanto caminhamos do prédio administrativo do Parque para começar o tour pelos seis pavilhões, uma coisa já fica bem clara: o trabalho nos M-113 não para nunca. Em vários pontos é possível ver blindados e carcaças em estágios variados de limpeza, reparos e montagem, e por fim os carros prontos com pintura verde uniforme, que indica que precisam ser aprovados no ciclo final de testes antes de receberem a cobertura camuflada e serem incoporados às suas unidades definitivas.
Dentro dos pavilhões, o Coronel Everton mostra as plantas que permitem visualizar e gerenciar o andamento da modernização das seis unidades que o Parque conclui por mês. O diretor explica que o trabalho nas instalações segue a lógica do modelo Toyota de produção – foram eliminadas práticas que desperdiçassem tempo, e foi estabelecido um ritmo fluido em que o trabalho em uma etapa depende da execução eficiente e a tempo da etapa anterior. Os quadros e diagramas para controle visual desenham o circuito que os M-113 percorrem ao longo da modernização, e também apontam as metas do que precisa ser cumprido semana a semana para que o ritmo se mantenha constante.
Resumidamente, cada carro é desmontado, lavado, jateado para remoção da pintura antiga, lavado novamente, soldado para reparar danos no casco, e lavado uma terceira vez para remover resíduos de graxa, jateamento e solda. Em seguida recebe o conjunto de força (motor e suspensão) e a pintura verde provisória. Então são acrescentados demais componentes e o carro sai do pavilhão rodando para receber a lagarta. Após rodar pelo asfalto e concreto dentro das instalações, o blindado entra na fila para o teste programado sempre para a quarta-feira do mês seguinte.
Só após o teste de pivoteamento e de flutuação, realizado no campo de instrução a 33km de Curitiba, é que o blindado recebe a pintura camuflada e vai para a preparação final, onde o interior é completado, são colocados avisos e é feita mais uma checagem, e então vai para o pátio onde aguarda distribuição para a OM de destino.
Além da administração inteligente da linha de desmontagem e remontagem, chamam atenção também alguns equipamentos que compõe a linha de modernização, como os três hull turner, estruturas que suspendem a carcaça do blindado e a rotaciona 360 graus, facilitando inspeções, soldas e reparos e economizando tempo e pessoal. No casco de alumínio balístico do M-113 é usada a solda de argônio a 99% de pureza – trata-se de trabalho sensível e especializado para o qual os militares nas oficinas foram capacitados com curso de 180 horas ministrado pela BAE Systems.
Durante a visita pudemos conhecer o protótipo do M-113 no qual são testadas e incorporadas inovações e soluções desenvolvidas pelo próprio EB com base no emprego dos carros. Um exemplo é a lagarta de borracha, fornecida pela empresa canadense Soucy, testada e aprovada pelo Exército, e que permite ao veículo rodar no asfalto, cria menos vibração e responde melhor aos comandos do motorista, além de executar de forma eficiente os requisitos de flutuação e navegação exigidos para a performance do M-113 brasileiro. Outra adaptação foi a troca das lâmpadas incandecentes nos farois por LED, que emite mais luz e dura mais tempo – a partir da unidade 115 todos os carros já contam com o farol modificado.
Adotar esse modelo de gestão foi iniciativa da própria Divisão Técnica do Parque, e permitiu não apenas fechar o lote do primeiro contrato, mas adiantar os trabalhos nos carros da próxima leva – cerca de 24 blindados dos próximos 236 já estavam em etapas variadas do percurso, ainda que as peças enviadas pela BAE System só devam chegar a Curitiba em novembro.
Motivados pelo trabalho bem feito
Quando esta reportagem foi feita, as unidades 149 e 150, as duas últimas, estavam na estapa final da modernização antes do teste programado para a semana seguinte, no dia 07 de outubro. “Qual das duas fica pronta primeiro? Vamos criar uma competição saudável”, brinco o diretor do Parque.
Ao longo de todo o percurso pelos pavilhões, entre carcaças limpas debaixo do sol, carros velhos esperando sua vez de ganharem vida nova e carros verdes no pátio aguardando o ciclo de provas final, é possivel ver a dedicação e eficiência de todos os militares em cada etapa da linha de modernização dos M-113, e também em outros projetos desenvolvidos nas instalações em Curitiba. E essa diligência vai além de um modelo de gestão importado das indústrias civis ou dos quadros com metas.
O diretor explica que, nas quartas-feiras quando são realizados os testes, os militares que não precisam estar na OM (Organização Militar), quando os blindados saem cedo para o campo de instrução vêm mesmo assim para observar e, de certa forma, torcer – é o trabalho deles materializado e a caminho da última prova antes de esses carros serem aprovados e encaminhados às suas brigadas definitivas. “A maioria, se não todas as boas ideias que temos, vêm do nosso próprio pessoal. Você pode me perguntar qual a motivação deles, todos ganham o mesmo salário. O incentivo é o trabalho bem feito”, diz o Coronel Everton.
Comentário DefesaNet
Outros ganhos do processo implantado e que está tendo reconhecimento pela própria BAE Systems é o trabalho em estrutura de alumínio de blindagem.
A metalurgia do Alumínio de blindagem é mais complexa que o aço balístico. O domínio adquirido pelo Parque Regional de Manutenção/5 (PqR Mnt/5),em Curitiba, tanto nas estapas de inspeção e recuperação de estruturas em alumínio balístico poderá abrir oportunidade para futuros trabalhos em veículos, tais como os M109A3, caso o Exército Braisleiro opte pela sua modernização.
Interessante é que 30 anos depois o Brasil adquire uma capacidade tecnológica que a então ENGESA procurou, quando o Carro de Combate EET1/2 Osório começou a ter problemas de peso crescente.
O M113BR acompanhado por DefesaNet na Operação Centauro 2015 foi chamado pela tropa como “pequeno valente”. O motor mais potente e a rolagem mais macia foram de agrado da tropa.
Outro ponto importante e que terá impacto futuro é o emprego de lagartas de borracha. O Exército Brasileiro adquririu uma quantidade para equipar uma compahia de viaturas M113BR para atuar em oprações GLO (Garantia da Lei e da Ordem).
O Editor
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