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DEFESA – Surfando na onda do relatório

Luiz Eduardo Rocha Paiva
General da reserva


As vulnerabilidades da defesa nacional apontadas em relatório do Ministério da Defesa, recém-divulgadas pelo Estadão, merecem uma análise, ainda que sucinta, do cenário político-militar mundial e seus reflexos para o Brasil.

Os conflitos não têm mais limites geográficos, distinguindo-se apenas em amplitude e intensidade. Do Oriente Médio e da Ásia Central se expandem para o entorno chinês, a África e espaços oceânicos adjacentes e chegarão à América do Sul. O progresso diminuiu as distâncias e facilitou a projeção das potências para acessar e manter a presença em regiões de recursos vitais. Para isso exercem pressões político-econômicas e empregam poder militar de forma indireta (cooperação e dissuasão) ou direta (dissuasão, coação e ato de força), a fim de se imporem a oponentes mais fracos e limitarem a influência de potências rivais.

Existe um eixo de poder, que conduz os destinos do mundo, onde estão China, Rússia, EUA, União Europeia (UE) e Japão. Por estarem em constantes disputas, mantêm poder militar capaz de apoiar o Estado na satisfação de interesses em âmbito global. A queda da URSS permitiu a expansão norte-americana e da UE no Leste Europeu e na Ásia Central, e a dos EUA no Oriente Médio. Porém a ascensão da China, a recuperação da Rússia, decisões estratégicas equivocadas no Oriente Médio e na Ásia Central e a crise econômica limitaram a liberdade de ação mundial dos EUA e da UE.

A Rússia tenta reverter o processo de encolhimento sofrido na Europa Oriental e na Ásia Central. Na vazia Sibéria, a ameaça vem de 100 milhões de chineses na fronteira e do expansionismo econômico amarelo. A aproximação com os EUA e aliados poderá ser necessária para preservar aquela região, cuja exploração será mais viável e rendosa com o aquecimento global. Trata-se de uma aliança decisiva para os EUA fecharem o cerco estratégico à China com a presença da aliança ocidental na Ásia Central e a dos aliados Coreia do Sul, Japão, Taiwan, Austrália, Filipinas e Índia, no Pacífico e no Índico. Daí o esforço chinês para ampliar e projetar seu poder naval no Oriente Médio e nos Oceanos Índico e Pacífico, incluindo o Mar da China, rotas vitais para suas riquezas e importações, particularmente do petróleo da África e do Oriente Médio.

Na Ásia Central a China leva vantagem por afinidades históricas, pela projeção cooperativa, e não impositiva, como é a dos EUA, e por não estar envolvida em conflito armado. A aliança ocidental está num atoleiro no Afeganistão e no Paquistão, tendo poucas chances de vitória total. Terá de limitar seus objetivos, contentando-se em dividir a presença e a influência com potências rivais e apenas reduzir o poder do Taleban naqueles países.

A Ásia Central e o Oriente Médio são áreas de certa forma interdependentes e onde estão os conflitos de mais difícil solução. No Oriente Médio os EUA, que chegaram a ter a Arábia Saudita, o Iraque e o Irã como aliados, estavam reduzidos nos anos 1990 à Arábia Saudita, então ameaçada por Saddam Hussein e pelo fundamentalismo islâmico. Um sucesso no Iraque em 2003 reverteria a situação, mas ele não veio como almejado. O novo Iraque não é inimigo, mas a retirada militar dos EUA ensejará a possibilidade de ascensão do Irã como potência regional dominante, o que contraria um objetivo fundamental da política externa norte-americana em todos os continentes. Por outro lado, a transferência do esforço de guerra para o Afeganistão não evoluiu como desejado, pois a vitória parece impossível e já foi decidida a retirada militar. Embora a maior ameaça aos interesses dos EUA ainda seja o Irã, o futuro do mundo árabe ficou mais difícil de determinar com os movimentos contra regimes até há pouco tempo estáveis.

Quais os reflexos político-militares para o Brasil se os EUA e aliados perderem espaços nessas áreas para seus rivais regionais e globais?

Entre as prioridades de nossa diplomacia e de nossa defesa estão o Atlântico Sul e a África, onde a influência crescente da China levou os EUA a criarem o Comando da África e a reativarem a 4.ª Frota. A propósito, um documento oficial dos EUA sobre mobilidade estratégica destaca a importância de uma base no saliente nordestino brasileiro. Os conflitos chegaram ao nosso entorno. O insucesso ou êxito limitado dos EUA e aliados em áreas distantes resultarão em pressões para impor condições que assegurem o acesso privilegiado às riquezas da América do Sul e do Atlântico Sul. A região é a maior reserva mundial de recursos naturais, tem um mercado promissor, a China investe forte na área e alguns vizinhos atraem a Rússia, a China e o Irã no campo militar. Os EUA reagirão à penetração de rivais em sua área de influência e tudo isso afeta a liderança do Brasil no processo de integração regional e na defesa de seu patrimônio e de sua soberania. A Unasul não garantirá os nossos interesses, portanto, temos de ser uma potência autônoma.

Não são os vizinhos a razão para reforçar o poder militar do País, e sim sua ascensão como potência econômica global, a participação destacada no comércio mundial e a cobiça por nossos recursos e posição geoestratégica. Tudo isso tirou o Brasil da posição periférica e o colocou em rotas de cooperação e conflito com o eixo do poder em áreas regionais e extrarregionais, na disputa por recursos, interesses e direitos, pois ao eixo não interessam novos sócios. Como na China, no século 21, em vez de entrarem em conflitos desgastantes, as potências rivais poderão unir-se para pressionar e ameaçar o País.

O tempo estratégico não se mede por anos, mas por décadas. Decisões tomadas hoje têm consequências no futuro e, quando erradas, trazem perdas desastrosas, pois a correção só produz resultados em médio ou longo prazo. Os governos brasileiros, desde os anos 90, trocaram a opção de Brasil potência pela de global trader, confundiram nação com mercado, aceitaram limitações ao desenvolvimento científico-tecnológico militar, negociaram a soberania na Amazônia e tornaram o País um indigente militar.

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