O Grupo Odebrecht anunciou ontem a criação da empresa Odebrecht Defesa e Tecnologia (ODT), para atuar na produção e desenvolvimento de sistemas militares de conhecimento avançado. Há dez meses, em junho de 2010, o grupo havia revelado seu plano de atuação no campo militar, então definido como o mais ambicioso dos seus novos negócios e empreendimentos.
Na ocasião, foi formalizado um acordo de joint venture com a EADS – o maior grupo europeu, e segundo do mundo, no mercado de aeronáutica, espaço, serviços e produtos de defesa -, para integração de sistemas militares. A joint venture continuará existindo, mas a Odebrecht, com a nova empresa (da qual a EADS não faz parte), abre seu leque de atuação no setor.
Em nota, o presidente da ODT, Roberto Simões, disse que "a empresa está apta a trabalhar na gestão e implantação de grandes empreendimentos e conta com a experiência da Odebrecht na absorção, desenvolvimento e emprego de altas tecnologias".
A Odebrecht já opera o contrato executivo do ProSub, no valor de 6,7 bilhões, para construção de quatro submarinos de propulsão diesel-elétrica, e mais um, movido a energia nuclear. Além disso, no mesmo pacote, estão um estaleiro, de onde sairão os navios, e uma base naval para abrigar essa frota – tudo no litoral sul do Rio, em Sepetiba.
Essa operação ficará, a partir de agora, dentro da ODT, "mas sem nenhuma mudança no relacionamento com o cliente, a Marinha do Brasil", diz Simões.
A Odebrecht já comprou o controle da Mectron, fabricante de mísseis, radares primários e kits C³ – comunicações, comando e controle. Pequena e eficiente, a empresa, de São José dos Campos (SP), faturou em 2010 cerca de R$ 80,5 milhões. O BNDES detém participação de 27%.
Na mira da ODT estão ao menos duas organizações do setor. Uma delas é a Atech, criadora de sistemas e focada na integração de recursos operacionais estratégicos, também em tratativas com a Embraer Defesa.
De perfil complementar, Mectron e Atech serão fundamentais no atendimento de um requisito do governo apresentado diretamente pela presidente Dilma Rousseff, na semana da visita do presidente americano Barack Obama. Dilma considera prioritário o acesso ao conteúdo da engenharia de satélites, quer construir no País versões de sensoriamento remoto, vigilância e previsão climática. Roberto Simões admite que a ODT está "estudando o assunto, e vai entrar no processo".
Paquistão. A Mectron leva para a Odebrecht uma considerável carteira. Está exportando um lote de 100 sofisticados mísseis antirradiação para a aviação militar do Paquistão – um pedido de 2008 que vale 85 milhões. Inclui o suporte técnico, documentação e treinamento de pessoal. Segundo o ministro da Defesa, Nelson Jobim, a operação seguiu o procedimento que o Plano de Defesa pretende para facilitar a venda internacional de equipamentos militares.
A empresa, cheia de mistério e reserva, não comenta o assunto. A Mectron produz o míssil Piranha, ar-ar de curto alcance, e criou um avançado software de logística. Também está desenvolvendo mísseis terra-ar e terra-terra. É a corporação privada parceira da Denel Aerospace, da África do Sul, no programa binacional de produção de um novo míssil de combate aéreo, o Darter, que já passou por ensaios de lançamento.
A linha de montagem da companhia tinha capacidade para fabricar um míssil completo a cada 30 dias. Com os recursos da venda para o Paquistão, a cadência subiu para cinco unidades. O tipo antirradar da Mectron, chamado MAR-1, foi especificado pela Força aérea para ser lançado pelo caça-bombardeiro AMX, subsônico, e pelo supersônico de combate F-5M, com alcance na faixa dos 25 a 30 km.
PARA ENTENDER
O governo brasileiro está empenhado em resgatar, "de forma planejada e consistente", segundo o ministro da Defesa, Nelson Jobim, a indústria nacional de material de defesa, que, entre 1974 e 1989, foi um poderoso instrumento da política externa do País. Em 1983, havia 120 empresas envolvidas no setor, em escala variada.
Nesse mesmo período, o faturamento chegava a US$ 1 bilhão por ano. O Departamento da Promoção Comercial do Ministério das Relações Exteriores contabilizava como clientes 32 forças armadas de 22 diferentes nações, entre as quais o Iraque, a Colômbia, a Líbia e um surpreendente Zimbábue. A Guerra do Golfo, em 1991, o fim da União Soviética, provocando uma superoferta de produtos no mercado militar, e as mudanças internas no Brasil, acabaram levando o segmento ao colapso. Sob as normas definidas pela Estratégia Nacional de Defesa (END), o complexo industrial nacional está sendo rearticulado. Cerca de 700 corporações já foram cadastradas pelo Ministério da Defesa.
Um processo moderno de reequipamento, associado a um programa grande, rico e de longo prazo – diante do qual as restrições orçamentárias de 2011 são episódicas – tem como objetivo produzir meios para a Marinha, o Exército e a Aeronáutica. O surgimento de corporações dedicadas, como os ramos militares da Odebrecht e da Embraer, integram a primeira linha do plano.