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Crise de semicondutores: Brasil mudará sua burra política quanto à tecnologia?

 

Fábio Pupo
BRASÍLIA


O Ministério da Economia passou a discutir medidas para estimular a produção nacional de semicondutores, componentes que passam por um problema global de fornecimento desde a pandemia e que são cruciais para o funcionamento de uma série de produtos —de brinquedos e celulares a aviões e sistemas de defesa.

A entrega das peças foi afetada durante a pandemia e continua desafiando as linhas de produção de automóveis. Os problemas podem ser intensificados com a guerra na Ucrânia e com o recente aumento de casos de Covid-19 na China, que tem levado a novas interrupções em fábricas.

Diante da persistência das preocupações, membros da equipe econômica têm conversado com representantes empresariais ligados à fabricação de semicondutores e veículos, que afirmam que o ministro Paulo Guedes (Economia) concordou com a importância de o país ter uma indústria voltada aos semicondutores.

Ainda não há uma decisão definitiva sobre o que é necessário para atrair empresas ou que medidas serão adotadas, mas o ministro sinalizou a possibilidade de cortar impostos para estimular as empresas.

Guedes prefere diminuir tributos de maneira ampla, de forma que as mudanças sejam sentidas pela economia como um todo (e não apenas por um determinado setor). Por isso, continua defendendo a diminuição do IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) –projeto encaminhado por ele ao Congresso e que estacionou no Senado por diferentes contestações.
 
Mesmo assim, participantes das discussões relatam que o ministro afirma que, no caso dos semicondutores, a diminuição do IRPJ proposto no projeto não seria suficiente e, por isso, um corte tributário mais profundo poderia ser adotado.
 
As discussões com o chefe da equipe econômica resultaram das análises de um grupo de trabalho formado por governo e empresas para discutir a situação dos semicondutores.
 
São usados como referência para as discussões exemplos de outros países que estão em uma corrida mundial para estimular o setor. Entre as iniciativas tomadas pelo mundo, estão subsídios e até a divisão de custos de construção de fábricas entre Estado e empresas.
 
Uma das iniciativas analisadas é dos Estados Unidos, onde parlamentares avançaram com um projeto de US$ 52 bilhões em subsídios para a produção de semicondutores. O país, assim como outros, tenta diminuir a dependência da Ásia —responsável por atender cerca de 80% da demanda global.
 
A União Europeia pretende dobrar sua produção de semicondutores até 2030. Enquanto isso, países como China, Taiwan e Cingapura continuam destinando incentivos a empresas do ramo e especialistas.
 
A depender do formato final da medida, uma decisão por incentivos setoriais pode contrastar com a visão de Guedes –que costuma se negar a usar os cofres públicos para políticas setoriais.
 
Antônio Jorge Martins, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas), afirma que é muito difícil ver o setor se desenvolver sem incentivos estatais devido ao tamanho dos investimentos necessários. Mesmo assim, ele critica uma decisão desse tipo no caso brasileiro.
 
"Não temos condições de estimular esse tipo de mercado e não temos como fazer concorrência às outras empresas, porque não temos escala para isso", afirma. Para ele, o país precisaria, primeiro, elevar a renda da população para que o mercado consumidor atraia fabricantes para o território nacional.
 
"Temos 60 milhões de pessoas no Brasil dependendo do governo para sobreviver. Nossa população está com renda reduzida. Precisamos que a renda aumente para voltarmos a ter mercado e, assim, criarmos uma demanda por semicondutores", afirma.
 
O país tem hoje a estatal Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada) voltada aos semicondutores, mas a empresa está em processo de liquidação. "Não tem condições de [a fabricação] ser estatal, nenhuma dessas grandes empresas é estatal. Elas não têm estrutura para fazer frente a esse desafio tecnológico", afirma o professor.
 
O problema no fornecimento de semicondutores chegou a um extremo durante a pandemia e continua sendo sentida na fabricação de automóveis. Com a Covid-19, o trabalho remoto elevou a demanda por eletrônicos enquanto as montadoras desaceleraram suas encomendas diante das incertezas —desorganizando a cadeia.
 
A escassez fez as fabricantes automotivas produzirem 10 milhões a menos de veículos em 2021, segundo estimativas usadas pela Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores). Só no Brasil, de 300 mil a 350 mil unidades deixaram de ser produzidas pela falta dos componentes.

Consultada, a Anfavea afirmou que a dificuldade com semicondutores deve persistir. Para 2022, a previsão mais recente é que o problema subtraia até 8 milhões de veículos da fabricação mundial e uma normalização pode ser vista apenas em 2025. As estimativas usadas pela entidade foram feitas em dezembro –antes da guerra na Ucrânia, que pode agravar a situação.

Rogério Nunes, presidente da Abisemi (Associação Brasileira da Indústria de Semicondutores), diz que o desenvolvimento da produção nacional pode não ter resultados em menos de 10 ou 15 anos. Mesmo assim, ele defende políticas governamentais ao setor.

"É uma questão de domínio da tecnologia. A indústria de semicondutores é base para os outros produtos e, por isso, vai aumentar nossos níveis de desenvolvimento social e econômico. É absolutamente estratégico", afirma.
Segundo ele, menos de 20 empresas atuam no ramo dos semicondutores no Brasil —mas as empresas não participam da cadeia completa e cerca de 70% dos insumos são importados.

"Os semicondutores estão inseridos em absolutamente todos os setores da economia. Antes era somente na indústria eletroeletrônica, mas hoje vemos no setor automotivo, no médico, na segurança, nas telecomunicações e até na agricultura. Tudo hoje depende de semicondutores", diz.

Relatório recente da consultoria Deloitte afirma que as maiores empresas globais estão aumentando sua capacidade em níveis sem precedentes, com investimentos de US$ 200 bilhões até 2023.

Os recursos estão sendo direcionados para onde a indústria já está instalada, como Taiwan e Coreia do Sul, mas também a locais mais próximos do restante da cadeia em um movimento de regionalização —como EUA, China, Japão, Cingapura, Israel e Europa. O Brasil não é mencionado como destino.

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