Roberto Maltchik
Embora tenha despejado toda sua energia numa batalha para que o único satélite brasileiro capaz de fazer observações da Terra entrasse em órbita, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) ainda não conseguiu saborear o gosto da vitória. Quase cinco meses depois do sucesso de seu lançamento, em 7 de dezembro de 2014, em parceria com a China, o CBERS 4 manda do espaço dados estratégicos sobre o território brasileiro, mas suas imagens ainda não estão disponíveis ao público. E o INPE não sabe dizer quando isso ocorrerá.
O lançamento do CBERS 4 — satélite de duas toneladas, que orbita o planeta a 778 quilômetros de altura — custou cerca de US$ 125 milhões aos cofres públicos, e sucedeu a uma falha no foguete chinês Longa Marcha 4b, durante o lançamento de seu irmão gêmeo, o CBERS 3, um ano antes. Planos foram antecipados e um enorme esforço de engenharia e logística foi executado para que o Brasil saísse da embaraçosa condição de único país dos BRIC (grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia e China) sem satélite de sensoriamento remoto em operação. Mas o trabalho está incompleto.
Os dados do CBERS, que chegam por meio da estação de recepção e gravação de Cuiabá (MT), de propriedade do INPE, não estão sendo processados, o que significa que suas informações ainda não têm utilidade científica. Este processamento, que envolve a operação de um software para interpretar dados e ajustar as imagens, ainda não está contratado.
CONTRATO ANTERIOR ENCERRADO
O planejamento da missão previa que, três meses depois do lançamento, o ajuste dos parâmetros das quatro câmeras a bordo, duas delas de fabricação brasileira (a MUX, mais complexa e de melhor resolução espacial, e a WFI), estaria concluído. Com isso, um novo acervo de imagens do satélite entraria em operação para garantir ao Brasil autonomia no monitoramento do desmatamento da floresta amazônica; da crise hídrica do Sudeste; do crescimento urbano; e das áreas agrícolas país afora.
— Isso significa que a missão está 70% completa, com o desenvolvimento e o lançamento do satélite. Mas os 30% mais importantes, a utilização dos dados pelo usuário, não estão completos. Chineses e brasileiros estão se omitindo em relação a este ponto — afirma o geólogo do Inpe Paulo Roberto Martini, que atua na área de sensoriamento remoto desde 1974.
Atualmente, o INPE já processa imagens de outros satélites, como o indiano Resourcesat 2, e utiliza sua estação de Cuiabá para atender a demandas externas, como a gravação de imagens coletadas pelos satélites da família Landsat, a pedido do Serviço Geológico dos EUA. A estação de Cuiabá também grava os dados do CBERS 4, mas, como não há processamento, o satélite sino-brasileiro não alimenta o catálogo público de imagens, seu caminho natural e obrigatório.
O processamento das imagens dos já aposentados satélites CBERS 2 e 2b era feito por uma empresa brasileira, a AMS Kepler, em contrato já encerrado. O proprietário, Antônio Machado e Silva, um ex-servidor do Inpe, explicou que o contrato terminou em dezembro de 2011, e sua participação efetiva no processamento dos dados, em dezembro de 2013. De acordo com o empresário, há duas semanas, ele foi informado de que o Inpe estaria preparando uma licitação para a contratação do serviço.
— Se fôssemos contratados agora para fazer o serviço, precisaríamos de cerca de dois meses para conhecer os parâmetros dos novos sensores. O software que desenvolvemos não atende à atual configuração do satélite — explica Machado.
Técnicos do instituto acreditam que as imagens processadas, especialmente da câmera MUX, só devem estar disponíveis no último trimestre de 2015. Com isso, o Inpe perderia o melhor período do ano para a captação de imagens de satélite, que ocorre entre maio e setembro, quando a ocorrência de chuvas é menor na Amazônia, no Sudeste e no Centro-Oeste do Brasil.
— Há uma perda de informações com valor científico incrível. Perdemos um período que permite maior coleta de dados ambientais, como a medição da transferência de gás de efeito estufa ou do nível de verde da floresta com maior precisão — explica Martini, do Inpe.
Sobre a razão da demora para a disponibilidade das imagens, a direção do Inpe informou que “as câmeras brasileiras a bordo do CBERS-4 estão sendo operadas em órbita pela primeira vez e, portanto, é necessário aperfeiçoar e adequar procedimentos para o efetivo processamento em solo das imagens geradas pelos novos instrumentos”. Questionado se já houve a contratação de uma empresa para processar as imagens e sobre os prazos para a entrega das imagens ao catálogo público, o instituto limitou-se a informar que “o serviço de processamento de imagens é feito pelo Inpe e, para isso, é utilizado um software que faz a interface entre o satélite e o segmento solo. Software que é desenvolvido com a indústria nacional”.