Novo ‘primo rico’, Brasil acumula pedidos de ajuda
Roberto Lopes
Especial para DefesNet
Nos últimos três anos, o Ministério da Defesa brasileiro viu crescer, de forma exponencial, as solicitações de cooperação militar apresentadas por governos de países banhados pelo Oceano Atlântico, ou que possuem algum forte traço de identidade com o país, como o idioma.
Os motivos para tal prestígio são cinco:
1 – a percepção de que a Marinha do Brasil se expande, de maneira gradual mas firme, no sentido de se tornar uma força de projeção regional;
2 – a disposição das escolas militares brasileiras para aceitar alunos estrangeiros;
3 – as oportunidades de mercado oferecidas pela produção da Base Industrial de Defesa;
4 – a ausência de restrições de ordem político-ideológica para o uso dos equipamentos fabricados no Brasil; e,
5 – as graves dificuldades econômicas da Argentina, que, até mesmo para Uruguai e Paraguai, deixou de ser referência em aprestamento militar na América do Sul.
A recente prioridade conferida pelo governo de Montevidéu à negociação da Força Aérea local que visa adquirir dez caças F-5E Tiger dos estoques da aviação militar da Suíça, deve-se, entre outros importantes motivos – preço (US$ 100 milhões), células pouco voadas (2.000 horas), disponibilidade de entrega imediata –, ao fato de a Aeronáutica brasileira ter essa aeronave em uso.
Os aviadores uruguaios estimam que seus colegas do Brasil poderão ajudá-los na ambientação com o sistema F-5 ou, especificamente, em envelopes de voo, tática de interceptação, recursos para o dog fight, e procedimentos adequados a missões de reconhecimento (voo a baixa altitude). E também calculam que as diferentes necessidades de manutenção e/ou modernização poderão encontrar amparo no PAMA-SP e na Embraer.
A expectativa é de que, no caso de Montevidéu arranjar os US$ 20 milhões exigidos pelos suíços como sinal para a transação comercial, os primeiros caças possam pousar em solo uruguaio dentro de um ano, o que permitiria aos pilotos orientais ter dois ou três dos seus F-5 no exercício multinacional Cruzex de novembro de 2015.
No caso da Marinha as demandas uruguaias não são menores.
Recentemente, a cúpula da Armada do Uruguai fez, diretamente ao comandante da Força Naval do Brasil, um pedido para que os brasileiros a assessorem – e aos especialistas do Ministério das Relações Exteriores uruguaio – no correto levantamento da plataforma continental do país platino. A cooperação entre as duas corporações é estreita. O Brasil doou um helicóptero Esquilo navalisado ao Uruguai, e quando a aeronave precisou de reforma o trabalho foi feito em solo brasileiro – de graça.
Os uruguaios também manifestaram interesse em estreitar a cooperação da sua indústria naval com a indústria naval brasileira, muito mais sofisticada.
No norte da América do Sul, os governos do Suriname e da Guiana solicitaram a assistência da Marinha brasileira para o treinamento de pessoal e trabalhos de manutenção em embarcações.
Ano passado, ao precisarem reparar um navio-patrulha costeiro que se acidentara no litoral do Ceará, os almirantes venezuelanos, entre várias alternativas, selecionaram a oferta de conserto feita pela Emgepron do Brasil, em associação com o Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro. A predileção pela proposta nacional suplantou até uma outra, apresentada pelo estaleiro espanhol Navantia, fabricante da embarcação ( ainda que, mais tarde, a própria Emgepron tenha recorrido à assessoria dos especialistas da Navantia).
Do outro lado do Atlântico, governantes e chefes militares de Senegal, Mauritânia, Libéria, Serra Leoa, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné, Nigéria, Angola e Namíbia, têm estreitado os laços com o Ministério da Defesa do Brasil. Essas nações africanas procuram, basicamente, vagas para seus jovens oficiais em academias militares brasileiras. Algumas avaliam a possibilidade de comprar aeronaves de ataque A-29 Tucano. Autoridades angolanas garantem ter interesse no Sistemas Astros, de veículos lançadores de foguetes de artilharia. A Guarda Costeira de São Tomé e Príncipe recebeu, há poucas semanas, uma lancha classe Marlin, do tipo usado, no Brasil, pela Polícia Naval das Capitanias dos Portos.
Outrora aguerridos rivais das Forças Armadas brasileiras, oficiais argentinos de todos os níveis hierárquicos agora chamam o Brasil de “primo rico”. O que é explicável pela distância (tecnológica e financeira) entre os programas do Ministério da Defesa, em Brasília, e a modéstia de que se revestem as iniciativas de modernização do aparato militar argentino.
Não há termo de comparação possível.
Atualmente a Marinha do Brasil constrói, em dependências próprias, dois submarinos convencionais da classe Scorpène – além de navios-patrulha costeiros de projeto francês (como o Scorpène) –, e se prepara para iniciar a fabricação de um sub nuclear e de uma nova categoria de corvetas porta-mísseis, a CV03, derivada da classe Barroso. Necessitados de patrulheiros oceânicos, os argentinos discutem há mais de uma década (!) a melhor forma de produzir os navios.
Os almirantes platinos gostariam de observar, em alguma medida, a fabricação, na cidade fluminense de Itaguaí, do submarino nuclear “Álvaro Alberto”, mas a disposição da Força Naval brasileira em permitir esse acompanhamento ainda é incerta. Os argentinos também manifestaram interesse em partilhar com os brasileiros a construção do porta-aviões que, no final da década de 2020, irá substituir o navio-aeródromo “A-12 São Paulo”. Os colegas brasileiros preferem deixar o assunto para o futuro.
De qualquer forma, a posição de inferioridade das Forças Armadas argentinas vem criando na indústria de material de Defesa do Brasil expectativas de faturamento que, apesar de modestas, são sempre bem-vindas.
O Exército argentino já assegurou que irá comprar uma pequena partida de viaturas blindadas Guarani, fabricadas em Minas Gerais com tecnologia italiana Iveco, e a Força Aérea Argentina entrou como co-produtora do jato de transporte KC-390, que também planeja comprar. Não existe grande esperança acerca de importações vultosas por parte dos argentinos – até porque, como é sabido, eles não possuem divisas para isso –, mas há poucas dúvidas de que o governo de Buenos Aires estará, daqui para frente, cada vez mais próximo dos programas militares brasileiros.
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