ANÁLISE COMDEFESA
OFFSET: CONCEITO, ENTRAVES E POSSIBILIDADES
Há algumas décadas o offset se apresenta como uma das questões mais presentes e polêmicas nas discussões relacionadas ao mercado de Defesa internacional: mais de cem países aderem à prática, negociando compensações que movimentam em torno de US$10 bilhões anuais. Se no Brasil já é utilizado há pelo menos meio século, foi a partir do começo deste milênio que o tema voltou à tona, efervescido pelo panorama de reaparelhamento de nossas Forças Armadas. Neste contexto, a análise que segue tratará do conceito, das definições, das alternativas e dos prós e contras desta prática, estudada sob o prisma da Base Industrial de Defesa e com ênfase no desenvolvimento nacional.
Com os projetos de reaparelhamento das Forças Armadas em destaque, o termo offset voltou a figurar nos debates da área. Por ser um tema controverso, faz-se necessário iniciar o presente estudo abordando o próprio conceito de offset, geralmente entendido como “compensação”.
Segundo o documento oficial mais recente sobre o assunto (Decreto 7.546 de 2011), offset é “qualquer prática compensatória estabelecida como condição para o fortalecimento da produção de bens, do desenvolvimento tecnológico ou da prestação de serviços, com a intenção de gerar benefícios de natureza industrial, tecnológica ou comercial, praticado entre outras formas como: a) co-produção; b)produção licenciada; c) produção subcontratada; d) investimento financeiro em capacitação industrial e tecnológica; e) transferência de tecnologia; f) obtenção de materiais e meios auxiliares de instrução; g) treinamento de recursos humanos; e, h)contrapartida comercial ou industrial” [1].
Se há diferenças nas definições – a agência da ONU para o comércio, UNCITRAL, por exemplo, postula que “offset é um elemento, agente ou bem que contrabalancearia um contrato ou acordo qualquer” [2] -, a ideia mais ampla de offset é a da obrigação do exportador de empreender investimento no país comprador como condição para vencer um contrato ou licitação.
Inicialmente, é necessário entender a relevância desta discussão para o país e para a BID. A frase expressa na Estratégia Nacional de Defesa é bastante elucidativa:
"No esforço de reorganizar a indústria nacional de material de defesa, buscar-se-á parcerias com outros países, com o objetivo de desenvolver a capacitação tecnológica nacional, de modo a reduzir progressivamente a compra de serviços e de produtos acabados no exterior.
A esses interlocutores estrangeiros, o Brasil deixará sempre claro que pretende ser parceiro, não cliente ou comprador. O País está mais interessado em parcerias que fortaleçam suas capacitações independentes do que na compra de produtos e serviços acabados. Tais parcerias devem contemplar, em princípio, que parte substancial da pesquisa e da fabricação seja desenvolvida no Brasil e ganharão relevo maior quando forem expressão de associações estratégicas abrangentes" [3].
Mesmo planejando em longo prazo, é visível que num primeiro momento o foco do País não é “comprar com offset”, mas sim realizar parcerias e desenvolver produtos sobre os quais tenhamos domínio tecnológico e produtivo. Entretanto, embora isto seja o “ideal”, atualmente o mercado de defesa e nossa situação interna tornam imperativo o bom aproveitamento dos offsets pelo país.
Por entender que nosso desenvolvimento tecnológico-industrial deverá tornar o offset obsoleto, esta análise versará sobre o conceito, as possibilidades e os entraves do tema visando apenas maximizar os possíveis ganhos da Nação e da BID em nosso atual contexto.
Historicamente tendo início nos EUA nos anos 1940, em negociações civis (troca agrícolas por minerais estratégicos), a prática foi impulsionada na década seguinte pelo início da Guerra Fria – quando se tornou de utilidade tanto para a conquista de áreas de influência, por parte dos exportadores, como para resistir às restrições econômicas do período pós Guerra por parte dos compradores.
No período de 1960 seguiu-se a tendência de intensificação do uso deste mecanismo, motivada principalmente pelos importadores que queriam expandir e qualificar sua BID e por exportadores que visavam criar dependência destes compradores em relação a eles, fidelizando-os comercial e politicamente.
No decênio seguinte, quando a crise do petróleo [4] reduziu a disponibilidade monetária, as compensações comerciais permitiram a manutenção das compras e vendas por criarem alternativas de pagamento. Nos anos 1980, o offset voltou a marcar presença em outras áreas além da militar, especialmente na aviação civil, na indústria nuclear e na aquisição de bens de produção e outros itens de alto valor agregado.
Com o fim da Guerra Fria, houve novo aumento da complexidade e escopo dos offsets: mais requerimentos, valor e abrangência; a expansão da Europa no mercado de Defesa e o decorrente declínio da hegemonia americana no setor também estimularam o surgimento de novas tendências e opiniões sobre a prática. Entre 1993 e 2010, apenas empresas dos EUA fizeram 763 contratos de vendas com offsets, representando 70% do total dos acordos (US$78 bilhões dos US$111 bilhões) [5].
Segundo Ronan C. Ivo [6], “o cenário mundial aponta para uma tendência maior da presença do offset em acordos cada vez mais complexos e sofisticados e os países que possuírem as informações necessárias e estiverem preparados para as utilizarem ativamente na direção de seu desenvolvimento tecnológico poderão obter maiores benefícios” [7].
Analisando este histórico nota-se que, embora praticado a mais de meio século e adotado por entre 100 e 150 países, alguns setores ainda carecem de maior conhecimento sobre os ganhos que o offset pode propiciar. Se de um modo geral o principal objetivo do offset é “a transferência e/ou licenciamento e/ou desenvolvimento de tecnologia em suas variadas formas (material, documentada e imaterial), incluindo as assistências técnica e gerencial continuada” [8], as compensações ainda podem assumir diversos outros formatos, como podemos ver no quadro [9] em destaque.
Possíveis benefícios do OFFSET Há uma série de possibilidades e benefícios para os acordos compensatórios: |
Das formas citadas, cabe detalhar as principais que figuram nos contratos atuais da área de Defesa, que são normalmente classificadas como diretas (quando se relacionam a produtos da própria venda) ou indiretas (quando envolvem compensações fora do âmbito da compra).
Produção sob licença: Licenciamento parcial ou total para que o comprador ou suas indústrias produzam e comercializem partes ou conjuntos do bem negociado, geralmente incluindo transferência de tecnologia. É o caso da HELIBRÁS na produção dos helicópteros de tecnologia francesa.
Co-produção: Acordo semelhante, mas celebrado entre os governos para realizar conjuntamente a produção do bem negociado. Não necessariamente inclui transferência de tecnologia e não inclui licença comercial para a comercialização da produção em questão.
Produção subcontratada: A empresa exportadora contrata empresas no país importador para produzir partes do bem negociado, substituindo fornecedores de outras partes do mundo. Não costuma envolver transferência tecnológica nem licença de produção e se dá diretamente entre as empresas. Caso atualmente visto no programa PROSUB junto à DCNS.
Investimentos: O fornecedor estrangeiro investe no país comprador, seja na forma de capital para estabelecer ou expandir uma empresa nacional por intermédio de uma joint-venture ou de um investimento direto – ou mesmo em novos centros de pesquisa e desenvolvimento. A HELIBRÁS ou a TURBOMECA são exemplos, devido aos investimentos nelas realizados pelos consórcios estrangeiros de quem importamos.
Transferência de tecnologia: Ocorre através de investimentos específicos, como P&D, assistência técnica, treinamento e mesmo formação de centro de P&D científico. São acordos feitos pelo Governo comprador diretamente com os fornecedores estrangeiros, e tem como objetivo aumentar qualitativamente o nível tecnológico do País. Também acontece quando há licença de produção, visto que para fabricar um produto é necessário ter o completo domínio dos dados e das técnicas envolvidas no processo, e é uma forma atraente para países que objetivam aumentar sua base tecnológica sem arcar com todos os custos, estruturas e tempo necessário do processo natural de P&D.
Countertrade:
a) Troca (Barter): Troca de mercadorias ou produtos que substituem o pagamento em dinheiro;
b) Buy-Back: A exportadora se compromete a adquirir produtos fabricados a partir do produto negociado e
c) Contra-Compra: Acordo entre Estado e fornecedor, que se compromete a comprar uma porcentagem do contrato em produtos do país e revendê-los a terceiros.
Há de se destacar o papel essencial desempenhado pelo Estado, que assume posição de negociador e de facilitador dos negócios tanto ao comprar quanto ao exportar, e a necessidade de uma legislação sólida para embasar estas práticas.
O Governo reconhece oficialmente que “a aprendizagem, a capacitação e a inovação tecnológica, exatamente por envolverem cooperação de longa duração entre firmas e instituições, tende a ocorrer mais fluentemente se sustentada por políticas industriais promovidas pelo setor público” [10] e que “só terá eficácia se for orientada para perseguir os padrões de competitividade internacional e se estiver fortemente ligada ao aumento da capacidade de inovação das empresas” [11].
Analisando o caso nacional, o primeiro registro do uso de compensações data do início dos anos 1950, quando o pagamento da aquisição das aeronaves Gloster Meteor TF-7 e F-8 junto à Inglaterra foi feito em algodão [12]. Mas, embora mais de meio século tenha se passado desde o primeiro uso deste recurso, perdemos diversas chances de utilizá-lo em momentos oportunos – e como resultado há poucas indústrias no País que se beneficiaram concretamente dele.
Talvez a maior exceção histórica esteja na FAB, que durante os anos 1970 e 1980 negociou alguns offsets e trouxe ganhos consideráveis ao setor, com casos de sucesso em empresas como a EMBRAER.
Provável resultado deste fomento, atualmente diversos contratos em negociação, execução ou recente conclusão incluem cláusulas compensatórias, como o PROSUB, a modernização das aeronaves (F-5M e A-1M), a aquisição dos caças (FX), das aeronaves de transportes e de patrulhamento marítimo e mesmo a aquisições de sensores – envolvendo mais de 30 empresas da BID nas compensações.
Voltando à legislação, o principal documento de referência é a Portaria nº. 764, de Novembro de 2002, que estabelece a “Política e Diretrizes de Compensação Comercial, Industrial e Tecnológica do Ministério da Defesa”.
Entre seus principais objetivos estão: o aperfeiçoamento da BID, a promoção do crescimento de seu nível tecnológico e qualitativo com a aquisição de novas tecnologias e o aumento de sua carga, de seu mercado de trabalho e de sua competitividade internacional, além da obtenção de recursos externos e do incremento na nacionalização da produção estratégica ao País, para obter independência do mercado externo.
E se “a legislação não é suficiente para que se cumpra a política de offsets, fornece elementos para que interesses dos diversos atores sejam satisfeitos. Incumbe a estes conhecer suas necessidades e potencialidades e garantir os meios […] para estar em condições de receber o que será transferido” [13].
Cabe também lembrar que a importação de material estratégico torna o País vulnerável sob o ponto de vista militar, prejudica-o economicamente e mina os esforços de pesquisa e desenvolvimento, sendo pertinente estabelecer em quaisquer contratos de aquisição com empresas estrangeiras parâmetros que exijam a presença de cláusulas de offset destinadas a serem cumpridas com prioridade pela BID.
Ressalta-se o caráter “público-privado” dos acordos de compensação, que podem reduzir o custo financeiro das transações e ainda beneficiar o desenvolvimento econômico do Estado – caracterizando o offset como possível ferramenta de políticas públicas tecnológico-industriais desenvolvimentistas.
Por ser uma questão de velocidade empresarial com tratativas estatais (naturalmente mais burocráticas), há necessidade de adaptação de ambas as partes envolvidas aos ritmos e expectativas do outro.
Embora offset seja dinâmico, como vimos em sua evolução ao longo das décadas, exigindo resposta igualmente dinâmica por parte do governo e da legislação, ele intrinsicamente tem um tempo de execução mais demorado para que seja completamente “compensado” aos compradores, demandando paciência e visão em longo prazo por parte da Indústria.
Em relação à prioridade da BID e do governo nos offsets – a transferência de tecnologia -, há diversas questões a serem observadas; e talvez a mais importante seja a dificuldade de definir “o quê” é proveitoso como compensação tecnológica, visto que precisa existir um mínimo de estrutura e conhecimento prévios para que se possa absorver adequadamente o que é ensinado e que, ao mesmo tempo, tecnologias de ponta raramente são transferidas – até porque só é possível transferir tecnologias que já estão estáveis e sedimentadas, quase sempre distantes do “estado da arte”.
CASE: EXÉRCITO BRASILEIRO A compra de 52 helicópteros (36 do modelo Pantera e 16 do modelo Esquilo) junto a um consórcio franco-brasileiro, em 1988, num valor de US$246 milhões, foi a primeira realizada pelo Exército Brasileiro com offset. A compensação, negociada pela União, atingiu quase 100% do valor do contrato e realizou-se em várias modalidades, entre as quais as citadas abaixo: Exportação de 50 aviões Tucano da Embraer para a França, em valor superior a US$100 milhões, exportação de máquinas agrícolas, transporte das aeronaves por empresas brasileiras (recebendo financeiramente por isso e adquirindo know-how), investimentos para reestruturar e modernizar a HELIBRÁS e para instalar o centro TURBOMECA de reparo de motores (empresa importantíssima para a manutenção da nossa frota), além da realização de cursos de formação e especialização de pilotos, instrutores, mecânicos de voo, de elétrica, de aviônica, de estruturas, de motores, de hidráulica e de inspetores, da capacitação da BID para absorver as transferências, da formação de mão-de-obra e de outros itens. |
É preciso lembrar que quem efetivamente faz a transmissão de conhecimento não é o contrato mas sim as pessoas envolvidas – e que nem sempre há total disponibilidade ou mesmo disposição destas para transferir “de graça” algo que foi extremamente difícil e custoso desenvolver -, de modo que o estabelecimento de uma relação de confiança e reciprocidade com os pares estrangeiros é essencial.
Do mesmo modo, quem negocia o offset não é quem vai receber a transferência de tecnologia (governo x BID x técnicos) e quem passa o conhecimento também não é quem fez as tratativas na exportadora (técnicos x direção da empresa), tornando importante o alinhamento e convencimento de todos de que o negócio é realmente proveitoso para ambas as partes.
E, se só ocorre a transferência de tecnologias distantes do “estado da arte”, este tipo de offset só pode servir para reduzir gaps muito significativos, de modo que os casos ideais para aplicar esta modalidade são aqueles nos quais já há conhecimento, estrutura e pesquisa na área em questão mas que ainda estamos muito distantes da tecnologia de outros países.
Para setores onde já temos níveis avançados de conhecimento ou que tratam de tecnologias de ponta muito sensíveis e diferenciais para o mercado, ou mesmo para inovações, dificilmente offsets pontuais serão de grande valia para a BID. O melhor caminho nestes casos é estabelecer parcerias de longo prazo, que resultam em maior confiança recíproca e mais disposição para a cooperação [14].
Isto vem se mostrando especialmente importante diante do atual contexto internacional, no qual as principais potências exportadoras do setor começam a defender posições contrárias a offsets.
É o caso, por exemplo, da França, que em documento oficial de governo [15] afirma que “é a favor do desaparecimento das compensações” [16], da União Europeia como um todo (que criou Código de Conduta para “gradualmente reduzir o uso dos offsets” [17]) e principalmente dos EUA que desde o final da Guerra Fria vêm se posicionando fortemente contra o uso destes mecanismos.
O entendimento americano é de que embora as exportações de produtos de defesa ajudem a custear sua BID, seu P&D e a promover a interoperabilidade de sistemas, os acordos de offset anulam parte dos benefícios econômicos obtidos na venda, principalmente se algum trabalho interno passar a ser feito no país comprador ou se ajudar, através dos investimentos realizados, a criar um potencial concorrente em longo prazo.
Além disso, os EUA identificam que em alguns casos nos quais há subcontratação pontual, as importadoras se tornam fornecedoras de suas firmas por longos prazos, diminuindo a demanda nacional e gerando dependência externa. Assim, consideram que “diversos offsets do setor militar são economicamente ineficientes e distorcem o mercado (…), e nenhuma agência governamental deve encorajar ou se comprometer com estes acordos de compensação” [18].
Este posicionamento, vindo do país mais desenvolvido e experiente em Defesa em todo o mundo, mostra que os offsets, quando bem utilizados, realmente podem ajudar as BIDs a absorver novas técnicas, diversificar os seus mercados e, em longo prazo e através de investimentos, evoluir a ponto de se tornar um player de relevância no mercado global.
Contrapondo-se à postura “anti-offset” de alguns países, há empresas que, ao buscar novos mercados, desenvolvem políticas compensatórias agressivas para conquistar contratos pontuais e, através deles, desenvolver tanto parcerias quanto clientes de longo prazo, somando assim conhecimento, força de trabalho e recursos de diversos países para obter frutos tecnológicos, aproximação política e fidelização comercial do cliente com a sua tecnologia e seu modo de operação [19].
FORÇA AÉREA – OFFSET
Quando o assunto é offset ou acordos de cooperação, a FAB é a mais experiente das três Forças. Em 1974, na aquisição das aeronaves F5E, recebemos tecnologia de materiais compostos (honeycomb bonding), de tratamentos térmicos e de usinagens especiais, saberes que foram posteriormente usados nos projetos BEM-Xingu e BEM-120 (spinoff). Pela aquisição do CINDACTA I, vendemos 41 aeronaves Xingu para a França, que até hoje utiliza algumas destas máquinas. Outro caso interessante está ligado à compra de aviões MD-11, quando a Embraer forneceu os flaps em fibra de carbono e, também face à sua experiência nos flaps do avião Brasília, desenvolveu e certificou seu modelo próprio. ACORDO DE COOPERAÇÃO Vale notar também a importantíssima experiência obtida com o projeto AMX, feito pela Embraer em parceria com empresas italianas, no qual se absorveu sabedorias como a de aviônica eletrônica (hoje em dia embarcada, por exemplo, no modelo 145 da EMBRAER). Arcando com apenas 30% dos custos do projeto temos total domínio tecnológico dos processos envolvidos na produção, demonstrando as maiores possibilidades e benefícios concretos do desenvolvimento conjunto sobre o offset. Estes exemplos demonstram que o maior player do setor de Defesa do País, a EMBRAER, aprendeu e se beneficiou da absorção de conhecimento, que possibilitou a ela atingir o tamanho e o nível de competitividade mundial que possui hoje. |
Isto também evidencia que não é apenas necessário saber requisitar compensações, como também desenvolver políticas de oferta de offset que aumentem a atratividade internacional e tragam benefícios à BID, principalmente no contexto regional da América do Sul.
Também se destaca a importância de analisar o contexto político, estratégico e econômico internacional na hora de buscar ou ofertar offsets já que, como vimos, o caráter oligopolista do mercado tecnológico e as mudanças nas estruturas de poder influem diretamente nas possibilidades de compensações.
Atualmente, entende-se que a redução nos gastos militares americanos (principalmente em P&D) e a reorientação do foco militar deste país para a região do Pacífico resultarão na disposição deste em fornecer offsets, visto que inegavelmente cresce a necessidade deste país de buscar recursos para manter os programas. Adicionalmente, conforme os EUA já admitiram, eles estão em busca de novas alianças com países que possam contar e cooperar [20] neste novo cenário.
De acordo com o respeitado site EPICOS, as perspectivas para o mercado de offsets – que hoje movimenta em torno de US$10 bilhões de dólares por ano e que vê constante incremento nos valores negociados ao longo das duas últimas décadas –, são de manutenção do crescimento, com aumento expressivo de demanda na Ásia e também um pouco maior na América do Sul – possível oportunidade para conquistar mercados vizinhos [21].
A frase de VILALVA (2004) elenca as possibilidades do offset num Estado como o nosso: “Os benefícios são consideráveis, especialmente para países em desenvolvimento: novos investimentos, geração de empregos, aumento dos fluxos de comércio, oportunidades para pequenas e médias empresas e sobretudo a transferência de tecnologia capaz de tornar possível, no país receptor, o desenvolvimento de novas industrias de ponta” [22].
Sendo um dos principais pontos para o aproveitamento dos offsets a necessidade de condições prévias para o aprendizado dos conhecimentos transferidos, não há como não reforçar a gravidade de um dos principais problemas enfrentados pela nossa BID: a falta de mão de obra especializada em nosso País, sem a qual a absorção dificilmente será eficaz.
O caso da China, que vem obtendo seguidos avanços através da engenharia reversa, nos mostra a possibilidade de se beneficiar das atuais tecnologias quando há gente capacitada para compreendê-las e reaplicá-las.
Ainda segundo o site EPICOS, há também outras questões que devem ser consideradas: a experiência internacional demonstra que entre os principais motivos que limitam o aproveitamento das compensações estão o pouco poder de barganha na negociação e as faltas de planejamento estratégico e de paciência para aguardar o tempo de cumprimento dos acordos; do outro lado, os países com diretrizes de offset coerentes e bem adaptadas à sua condição interna e ao contexto internacional são os que colhem os melhores benefícios da prática [23].
Não há, hoje, gestores de offset que tenham visão objetiva das necessidades da BID, de modo que é necessário desenvolver aptidões e pessoal especializado na prática, assegurando que a BID e seus interesses estejam representados, que a estrutura interna implicada na compensação seja compatível e que se consiga absorver o que for transferido, principalmente no tocante a tecnologias que não dominamos. Não sendo raros, ainda, os casos de créditos de compensação não cobrados ou direcionados para empresas estrangeiras instaladas em solo nacional, identifica-se que além da questão do conceito ou principio, há também um déficit de gestão.
Ademais, sabendo que nenhum Estado transfere tecnologias estratégicas e que aprender o que já existe não é inovar, a política nacional para a Indústria e tecnologia não pode se resumir ou basear apenas no offset: há de se investir em educação, formação técnica especializada e na promoção da inovação.
Se a boa utilização do offset – ainda inerente ao mercado internacional contemporâneo e às nossas condições – inegavelmente pode trazer ganhos ao País, de nada servirá sem o real envolvimento da BID em todas as suas fases e, mais importante ainda, sem medidas para que ela possa os absorver no momento e no futuro se desenvolver por forças próprias [24].
Porque apesar de imperativo atualmente e mesmo que bem executado, offset não basta para solucionar nossa defasagem industrial e tecnológica. É crucial traçar outras alternativas e estratégias para tal objetivo.
Pensando no futuro de nosso País, vale sempre ter em mente o conteúdo da Estratégia Nacional de Defesa: ao mesmo tempo em que há o reconhecimento da importância atual dos offsets (e que estes deveriam ter sido melhor negociados e executados em diversos contratos de compra que fizemos) e o condicionamento de futuras compras no exterior à transferência substancial de tecnologia, o texto se posiciona contra a dependência do país (e da BID) em relação às compras e às suas compensações.
O documento apresenta preferência por, como primeiro passo, realizar “parcerias com outros países com o propósito de desenvolver a capacitação tecnológica e a fabricação de produtos de defesa nacionais, de modo a eliminar, progressivamente, a compra de serviços e produtos importados”, envolvendo “iniciativa de concepção e fabricação no Brasil”.
O offset, às vezes, se opõe a estes princípios também por servir à legitimação tecnológica e política das importações ao invés de fomentar a BID e fortalecer tanto a economia quanto a soberania nacional. E não podemos nos enganar: offset também é dependência e não há política industrial desenvolvimentista mais eficiente do que aumentar a demanda e a produção da IND. Para desenvolver nosso parque industrial precisamos de mudanças significativas que extrapolam a esfera do offset.
É apenas com ajustes que adequem a estrutura legal às necessidades da BID, com medidas práticas para incentivar o crescimento da Indústria [25], com melhoras na educação e na formação técnica, com crédito a taxas razoáveis, com políticas significativas de fomento a inovação (e não apenas a absorção de conhecimentos já produzidos por outros), com capital disponível a taxas razoáveis e com a diminuição do “custo Brasil” que a nossa BID terá as condições para evoluir, obter a tão desejada autonomia tecnológica em matéria de Defesa e para contribuir significativamente para o desenvolvimento econômico da Nação.
A título de conclusão e agregando os principais pontos tratados ao longo desta análise: se é possível afirmar que o offset é uma poderosa ferramenta e possível instrumento dinamizador de acesso ao conhecimento, a tecnologias e a capitais, podendo ser benéfico no atual contexto de reaparelhamento das Forças Armadas brasileiras por transformar o poder de compra do Estado em mais benefícios para a nação e por gerar oportunidades, decerto podemos afirmar que jamais será suficiente e que deve ser utilizado apenas pelo período de tempo e nas ocasiões nas quais as condições não permitam outras formas de ação (como firmar parcerias para desenvolvimento conjunto ou incentivar a produção totalmente nacional).
Ao tratar deste assunto, há de se refletir: se existem dois tipos de países no mercado de Defesa – os que oferecem offset para vender seus produtos e os que se limitam a receber offset ao comprá-los -, até quando pretendemos nos relegar ao segundo grupo?
DEPARTAMENTO DA INDÚSTRIA DE DEFESA -COMDEFESA
Informações:
E-mail: comdefesa@fiesp.org.br
Referências
1 – Brasil. Decreto Presidencial nº. 7.546. 2011.
2 LASOTA, Lucas A. Costa. OFFSET: conceito, modalidades e políticas de aplicação.
3 BRASIL. Estratégia Nacional de Defesa. 2008.
4 Referente à “Segunda Fase” da Crise do Petróleo, na qual a OPEP, em protesto pelo apoio dos Estados Unidos a Israel durante a Guerra do Yom Kippur, atuou para elevar o preço dos barris para mais de 300% de seu valor à época
5 Department of Defense of the United States. OFFSETS IN DEFENSE TRADE: Sixteenth Study. 2012.
6 O economista Ronan Coura Ivo dissertou sobre offset em seu mestrado na UnB, tendo também participado em grupos temáticos do MRE – CGECon sobre o assunto.
7 IVO, Ronan. A prática do OFFSET como instrumento dinamizador do desenvolvimento industrial e tecnológico. UNB. 2004.
8 “CARVALHO DE FREITAS E ASSOCIADOS. A implantação da TV Digital no Brasil e as negociações de contrapartidas. Produto 1” apud “LASOTA, Lucas A. Costa. OFFSET: conceito, modalidades e políticas de aplicação”.
10 BRASIL. Política Industrial, Tecnológica, Comercial e de Comercio Exterior. 2005.
11 BRASIL. Política Industrial, Tecnológica, Comercial e de Comercio Exterior. 2005.
12 IVO, Ronan. A prática do OFFSET como instrumento dinamizador do desenvolvimento industrial e tecnológico. UNB. 2004.
13 IVO, Ronan. A prática do OFFSET como instrumento dinamizador do desenvolvimento industrial e tecnológico. UNB. 2004.
14 CAPITÃO-DE-MAR-E-GUERRA COSTA, Ralph D. S. Transferência de tecnologia em acordos internacionais: uma utopia?
15 FRANÇA. Rapport au parlement sur les exportations d’armements de la France en 2010. 2010.
16 Tradução livre de «La France est favorable à la disparation des compensations».
17 EDA. Code of conduct on offsets agreed by the EU member states participating in the European Defence Agency. versão de 03 de Maio de 2011.
18 Estados Unidos da América. Defense Production Act Amendments. 1991.
19 O caso da recente cooperação entre Rússia e China, englobando de um lado a técnica e o know-why e de outro os recursos e vontade de desenvolvimento, para cooperação no setor aeroespacial é de extrema relevância, inclusive devido aos desdobramentos de aproximação política das duas potências geograficamente próximas e ao contexto dos BRIC.
20 A título de referência: somente em 2010, mesmo antes da oficialização desta política, empresas dos EUA se engajaram em acordos de compensação que totalizam US$2.04 bilhões. FONTE: Department of Defense of the United States. OFFSETS IN DEFENSE TRADE: Sixteenth Study. 2012.
21 EPICOS – The offset Environment. In www.epicos.com
22 “VILALVA, Mário. Prefácio. In: BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Panorama da prática do offset no Brasil. 2004.” apud LASOTA, Lucas A. Costa. OFFSET: conceito, modalidades e políticas de aplicação”.
23 EPICOS – The Offset Environment. In www.epicos.com
24 Para mais considerações sobre o tema, recomenda-se a leitura de CHUTANDO A ESCADA – A estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica, de Ha-Joon CHANG.
25 Como exemplo de importante medida para incentivar a Indústria, a FIESP sugere a prorrogação dos prazos de recolhimento dos impostos para as empresas, como pode ser visto no link http://www.fiesp.com.br/competitividade/