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Após a publicação de recentes dados do SIPRI (World Military Expenditure, 2011) sobre gasto militar mundial, jornais e revistas brasileiros destacaram os volumes de recursos alocados para a área de Defesa no Brasil. Em 2010, o Brasil foi apontado como o 11º maior orçamento militar do mundo e o principal responsável pelo aumento dos gastos em Defesa na América do Sul, região que apresentou a maior taxa de crescimento em nível internacional. Mas, considerando-se apenas os números absolutos sem uma análise mais detalhada, comparada e de longo prazo do Orçamento Geral da União (OGU), essa realidade não é fiel às atuais necessidades das Forças Armadas nem à importância que a Defesa representa na agenda política do País.
Em 2009, o gasto em Defesa no Brasil alcançou R$47,07 bilhões, o que corresponde a 4,4% do total de gastos do Governo Federal e representou o terceiro maior volume de recursos públicos, precedido pelos orçamentos dos Ministérios da Fazenda e da Previdência Social. Numa análise superficial, conclui-se que a Defesa é uma área altamente prioritária no Brasil. Contudo, considerando-se a estrutura dos gastos, observa-se que 83,75% foram destinados para pagamento de Pessoal e Encargos Sociais (37,78% referentes à pessoal ativo e 62,22% para aposentadorias, reformas e pensões); apenas 5,11% destinaram-se a investimentos.
A estrutura da gestão orçamentária, na qual prevalece baixo teor de investimento e elevados custos com pessoal, mantém-se inclusive numa análise do orçamento de Defesa por função, ou seja, as despesas com programas relacionados à Defesa, ainda que não estejam sob responsabilidade do Ministério da Defesa1. A primeira implicação decorrente de tal discrepância é a dificuldade enfrentada pelas Forças Armadas em seus programas de modernização e reaparelhamento, já que, em vista do que é efetivamente aplicado para treinamento, operações de rotina, tecnologia e equipamento, o setor de Defesa ainda é contemplado com recursos insuficientes.
A segunda implicação se refere à distorção que esse desequilíbrio orçamentário causa no posicionamento do Brasil em rankings internacionais sobre gastos em Defesa. Em 2009, a Austrália, por exemplo, ficou na 12ª posição em orçamento militar no mundo (US$ 27,6 bilhões), imediatamente após a posição brasileira (US$ 27,78 bilhões). No entanto, se excluirmos os gastos com pensões, a Austrália gasta 85% a mais que o Brasil em questões relacionadas a Defesa (US$ 24,6 bilhões e US$ 13,3 bilhões respectivamente)2.
É possível ocorrer e propagar essa má interpretação dos dados porque os países utilizam metodologias próprias de cálculo dos gastos em Defesa, não havendo uma unificação dos aspectos relativos às informações orçamentárias nem às entidades que compõem a estrutura nessa área (muitos países incluem as Forças Civis ou a Guarda Nacional, por exemplo). Devido a essa discrepância, que dificulta as comparações em nível mundial e distorce a real importância dada à Defesa, a UNASUL (União das Nações Sul-Americanas) e o CDS (Conselho de Defesa Sul-Americano) estão trabalhando na construção de um modelo de edição dos gastos em Defesa na região com o objetivo de garantir maior transparência.
Em um contexto, como o brasileiro, no qual é difícil justificar o gasto em Defesa, informações e dados mal interpretados podem comprometer a percepção da sociedade em relação à importância de se investir e fortalecer o setor. Iniciativas como a do CDS estimulam o diálogo e o debate, dando visibilidade ao tema e possibilitando a aproximação entre Defesa e Sociedade, e são essenciais na construção de qualquer política pública.
Outro ponto abordado com frequência é o crescimento dos gastos militares na América do Sul e o papel de protagonista desempenhado pelo Brasil nesse sentido. O fato se torna mais surpreendente, na avaliação de organizações e institutos nacionais e internacionais, devido à falta de ameaças militares reais para a maioria dos Estados da região e a existência de demandas sociais mais proeminentes.
Entretanto, o gasto militar na América Latina em geral tende a estar concentrado nos fundos destinados a pagamento de pessoal, o que distorce as comparações em nível global, como comentado3. Em segundo lugar, é fundamental destacar que o aumento dos gastos militares sul-americanos no ano de 2010 não representa a tendência de crescimento nos últimos dez anos. Como podemos ver abaixo, no período de 2000-2010, a taxa de crescimento do gasto militar sul-americano está muito próxima à do mundo (mantendo praticamente estável sua participação no gasto militar global, por volta de 3,5% do total), e inferior ao gasto de regiões como América do Norte, Ásia e Oceania e África. Nesse período, só dois países sul-americanos (Colômbia e Equador – envolvidos em conflito diplomático desde 2008) tiveram seus gastos em Defesa aumentados na proporção de seus próprios PIBs; sete deles diminuíram (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, Peru e Venezuela) e outro país permaneceu estável (Uruguai).
Em 2010, a América do Sul de fato apresentou o maior crescimento mundial nos gastos militares, como se pode ver abaixo. No entanto, esse aumento está relacionado a fatores conjunturais, como a crise financeira mundial de 2008, que afetou com maior intensidade outras regiões, e o bom momento econômico vivido pela maioria dos países sul-americanos, o que possibilitou maiores gastos em Defesa (área defasada tecnologicamente e carente de investimentos na grande maioria dos países). Esse fato pode ser percebido por meio de uma análise simples do PIB regional, cujo crescimento real em 2010 (6%) foi ligeiramente superior ao aumento dos gastos militares (5,85%).
Ainda que o Brasil tenha contribuído com US$ 2,4 bilhões dos US$ 3 bilhões do crescimento real dos gastos militares na América do Sul, no ano de 2010, dado o tamanho e peso de sua economia em termos regionais, isso não significa que o País é o que mais incrementou gastos em Defesa recentemente. Como se pode ver abaixo, nos últimos dez anos quatro países (Equador, Colômbia, Chile e Argentina) aumentaram os gastos militares em patamares superiores ao brasileiro; em 2010, três países (Peru, Paraguai e Equador) aumentaram seus gastos militares em maiores proporções que o Brasil. Os motivos que explicam o aumento dos gastos militares na América do Sul são diversos; vão desde o caráter cíclico dos programas de investimentos até o crescimento dos gastos com pagamento de pessoal.
No caso do Brasil, os recentes programas de reaparelhamento e modernização das Forças Armadas inseridos na Estratégia Nacional de Defesa (2008) são vistos ora como forma do País fortalecer seu poder militar e projetar influência, ora como investimento desnecessário em vista de suas carências sociais. Essa percepção desconsidera a realidade que enfrenta as Forças Armadas e a Base Industrial de Defesa, ambas prejudicadas pela volatilidade e imprevisibilidade dos gastos no setor de Defesa.
Em suma, é difícil conhecer as reais necessidades de Defesa de cada país e definir se os recursos que alocam para a área são suficientes ou não (no caso brasileiro, a economia pujante, a dimensão do território e das fronteiras e a imensa quantidade de recursos naturais são fatores que devem ser considerados).
Cautela e precisão devem ser levadas em conta na divulgação de dados e informações disseminados, pela importância que este têm na percepção, aceitação e opinião da sociedade quanto às políticas de Defesa.
1 MATOS, Patrícia de Oliveira, O Orçamento de Defesa Nacional: Uma análise da participação do setor defesa no orçamento federal de 2000 a 2009. III Seminário de estudos: Poder Aeroespacial e Estudos de Defesa, UNIFA, 2010.
2 The Military Balance, 2010. IISS
3 Apesar dos dados divulgados pelo SIPRI terem problemas metodológicos e comprometerem muitas vezes os exercícios de comparação entre países, são úteis para análises de corte temporal.
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