Al Hussein Briefing especial para o DefesaNet
Muhammad Hussein
hussein@alhusseingroup.com
Consultor de Negócios Internacionais e Analista de Defesa
especializado no Oriente Médio e Norte da África
1. Líbano – Situação Política indefinida
O cenário político libanês, que já se encontrava em situação crítica antes dos acontecimentos do dia 04 de agosto de 2020 – as explosões no Porto de Beirute (que destruíram quase metade da capital e trouxeram danos da ordem de US$ 15 bilhões), continua em uma espiral descendente de fragilidade e desventura.
Hassan Diab, então chefe de governo quando ocorreu a catástrofe, acabou renunciando em 10 de agosto de 2020, mas permanece no cargo, como incumbente, até o presente momento, haja vista que o conturbado equilíbrio de forças políticas extremamente antagônicas não permitiu que a querela fosse superada e designado enfim um novo Primeiro-Ministro para o país.
(Ver o comentário Exclusivo – Líbano – Análise da Pós-tragédia)
Impasse 1: Mustafá Adib foi designado para o cargo de Premier em 31 de agosto de 2020 (poucas horas antes da visita oficial de Emmanuel Macron ao país), mas, em 26 de setembro seguinte, acabou renunciando ante a inabilidade para formar um novo governo que pudesse empreender as reformas políticas e econômicas necessárias para recolocar o Líbano pelo menos como um Estado viável.
A nomeação de Adib, com efeito, veio em ordem da pressão do Palais de l'Élysée para forçar mudanças constitucionais e administrativas no Líbano. Uma tentativa de Macron para obter um sucesso em sua política externa pífia, com vistas a mascarar uma governança incompetente e seguida de crises sucessivas na ordem doméstica francesa.
Impasse 2: Posteriores negociações trouxeram novamente à baila o nome de Saad Hariri para ocupar a chefia de governo do país dos cedros. Em 22 de outubro de 2020, foi oficialmente nominado para o cargo. Todavia, desde então, têm sido infrutíferas todas as tentativas de compor um governo de coalizão. A controvérsia mais evidente é sobre a rusga entre Hariri e o Presidente Michel Aoun. O chefe de estado libanês vem trabalhando nos bastidores para indicar pessoas de sua confiança – na verdade, uma tentativa de minar a agenda política de Hariri e fortalecer os interesses do status quo. Saad Hariri não é necessariamente um reformador, mas goza de apoio e legitimidade internacional, principalmente nos Estados Unidos e União Europeia.
Ressalte-se que realmente existiu um acordo político, mas em 2016, onde firmou-se o apoio do partido de Hariri para apoiar Aoun na presidência do Líbano e, em contrapartida, Hariri seria nomeado Primeiro-Ministro com as bênçãos presidenciais (Saad Hariri foi Chefe de Governo Libanês em dois anteriores mandatos – 2009/2011 e 2016/2020). Contudo, os partidários de Hariri e o seu Future Movement rechaçam quaisquer pretensões presidenciais de se acomodar nomes sugeridos (ou impostos) por Aoun ou seu genro Gebran Bassil no novo gabinete.
É importante evidenciar que a nova designação de Saad Hariri foi rejeitada abertamente pelos grupos Free Patriotic Movement (do próprio Presidente Aoun e Bassil) e o Lebanese Forces (Samir Geagea), ambos grupos cristãos de direita, além do próprio Hezbollah (muçulmano xiita).
Sem uma clara definição de novo governo e a apresentação de propostas de amplas reformas políticas, administrativas, fiscais e de seguridade social, inexiste qualquer via de recompor a economia libanesa. A crise atingiu um patamar de desesperança onde 55% da população vive abaixo da linha de pobreza. Adicione-se ao problema as crises geopolíticas da região, máxime na Síria e a possibilidade de confronto sempre iminente entre o Hezbollah e Israel, que dão o toque de caos aparentemente insuperável.
A máxima pressão de Washington (no governo Trump) contra o Hezbollah tem evidenciado (e punido com pesadas sanções) vários políticos, empresários e rede de financiadores do partido pró-Irã, mas sem contribuições diretas para a melhoria do ambiente político no Líbano.
Inexiste dúvida de que as esperadas mudanças em Beirute virão de dentro. Todas as tentativas de ingerência internacional nos assuntos domésticos libaneses falharam em certo ponto. É preciso que novos interlocutores participem nesse processo. Nesse ponto, o Brasil sempre foi um parceiro de credibilidade, respeito e competência para tratar com os libaneses.
O ex-presidente Michel Temer, quando do episódio do envio de ajuda humanitária ao Líbano logo após as explosões de agosto do ano passado, mostrou-se de uma habilidade política ímpar ao ter trânsito com todos os grupos e segmentos políticos e religiosos libaneses, iniciando uma salutar interlocução para que fossem pelo menos estabelecidas balizas mínimas para o início de tratativas para a formação de um novo governo. Sucesso diplomático de Brasília que foi objeto de descaso pela mídia brasileira. Temer fora nomeado pelo Presidente Bolsonaro para chefiar a missão de ajuda ao Líbano.
Há um sentimento na alma coletiva libanesa de que o Brasil é um país irmão e que age sem pretensões ambiciosas no país – predicativo que alça Brasília como agente imparcial e de confiança na agenda diplomática de Beirute. De fato, Temer mostrou-se um interlocutor mais confiável e de moral mais ilibada do que Macron ou quaisquer enviados de Washington ao país.
2. Líbano – Doação dos EUA
O Governo dos Estados Unidos prometeu que fará uma doação de US$ 120 milhões para as Forças Armadas Libanesas. O anúncio, feito pelo Departamento de Estado em 22/05, segue os parâmetros do Foreign Military Financing Assistance para o Líbano e, de uma certa forma, não deixa de ser um processo condicional, onde Beirute deve seguir estritamente as balizas de Washington nas atividades de inteligência/contraterrorismo, defesa das fronteiras e luta contra grupos extremistas.
As autoridades brasileiras devem observar esse passo dos EUA e envidar esforços para que a ajuda americana não se converta em um empecilho para que os militares libaneses possam adquirir produtos e celebrar acordos de cooperação com terceiros países (inclusive o Brasil).
Nota para a BID e Parlamentares Brasileiros: Acompanhar o trâmite de aprovação do texto do Acordo entre Brasil e Líbano sobre Cooperação em Matéria de Defesa, assinado em Beirute em 14 de dezembro de 2018, atualmente aguardando deliberação da CCJC da Câmara dos Deputados (PDL 770/2019).
3. Sudão – Remoção da Lista de Países que Promovem o Terrorismo
O Departamento de Tesouro Norte-Americano, por meio do OFAC (Office of Foreign Assets Control), tem iniciado os procedimentos, de acordo com a decisão publicada no último dia 20 de maio, para a remoção do Sudão da lista de países que promovem e financiam o terrorismo. De fato, já era esperado que o governo estadunidense removesse o Estado Sudanês e diversos cidadãos e empresas desse país da sua lista negra, haja vista que, doravante, as transações financeiras com o Governo de Khartoum não serão consideradas mais proibidas pelos Regulamentos de Sanções dos EUA.
Essa decisão deve ser levada em conta pelas empresas brasileiras que já podem iniciar prospecções de negócios com esse país árabe, sem receios de eventuais sanções ou punições administrativas por órgãos americanos.
Quanto à BID, é preciso esperar que Washington torne expresso, de forma inequívoca, que o Sudão não esteja mais sob as restrições do Arms Export Control Act de 1976.
4. Iraque – Possível incremento dos negócios de defesa com a Itália
O Governo Iraquiano tem iniciado negociações com Roma para um eventual desbloqueio de 600 milhões de euros (valor a ser corrigido pelos juros) que foram bloqueados desde 1991, quando o então líder Saddam Hussein estava em tratativas com as empresas Leonardo e Fincantieri para a compra e entrega de armamento e outros produtos militares, mas sobreveio o Embargos de Armas contra o Iraque que paralisou toda a operação.
Reunidos no último dia 02/05, o Ministro das Relações Exteriores do Iraque Fuad Hussein e seu análogo italiano Luigi de Maio trataram do assunto, mas ainda sem uma solução definitiva. Vários analistas consideram muito remota a possibilidade de Bagdá recuperar o valor, mas calculam que as relações com Roma continuarão sem maiores desafios.
O Iraque é um potencial comprador de produtos de defesa que deve entrar nos radares das empresas brasileiras, principalmente agora que se encontra em processo de recomposição de sua imagem no cenário internacional.
5. Como as Empresas da BID Brasil devem avaliar os desdobramentos no Oriente Médio e Norte da África
O segmento de defesa brasileiro deve analisar com bastante acuidade a estratégia da Turquia e Rússia na região. Independentemente de eventuais sanções impostas a Moscou e Ancara pelos EUA ou União Europeia, esses dois países têm dado passos largos na consolidação de sua rede de influência.
Os Russos adentraram na Argélia, Líbia, Sudão, Síria, Irã, Chade, República Centro-Africana e outros países da África subsaariana.
A Turquia, que consolidou seu poder e influência com o Governo de Trípoli, goza de grande abertura na Tunísia e Catar, bem como fez esforços para se recompor com o Egito, Arábia Saudita e Israel.
Rival da Rússia, a Ucrânia também fez importantes movimentações, como forma de consolidar sua crescente indústria de defesa junto aos países árabes.
Nos termos supracitados, o Brasil possui excelente qualidade técnica e robusta reputação política, mas resta em uma posição de passividade que apenas minará seus esforços comerciais.
Brasília mostrou, por intermédio do ex-presidente Michel Temer, uma habilidade perfeita nas conversações preliminares políticas no Líbano pós-tragédia. Infelizmente, não foi dado continuidade no processo.
A imparcialidade da política externa brasileira deve ser usada de forma sábia para uma atuação mais contundente. O Presidente Bolsonaro deve nomear empresários de sucesso e negociadores hábeis para chefiar as missões diplomáticas nos países árabes e afastar burocratas e teóricos que ficarão apenas nas atividades protocolares e fotos para a mídia.
O Brasil participa de todas as feiras e eventos internacionais de defesa e segurança, mas não senta tête-à-tête com os tomadores de decisão.
Essa é a percepção geral de Rabat à Bagdá. Ao contrário do Brasil, por exemplo, o Embaixador Norte-Americano em Túnis, Donald Blome, quando aportou na Tunísia, já trazia uma bagagem de vasta experiência no Oriente Médio e uma agenda de compromissos bem definida com políticos e empresários tunisianos, tudo com vistas à defesa dos interesses econômicos e estratégicos dos EUA. Somente no mês de abril/2021, foram fechados acordos bilaterais para o setor de transportes e expansão de portos na Tunísia. E nesse mês de maio, vários exercícios navais e aéreos conjuntos foram realizados com o fito de troca de experiências entre os militares tunisianos e norte-americanos.
E a Embaixada do Brasil na Tunísia, exceto pelos trabalhos internos protocolares, não possui registro de qualquer reunião econômica importante ou interlocução com políticos e empresários do país. E não é por causa da crise da Covid-19. A inércia é algo ínsito aos trabalhos políticos das Missões Brasileiras no Oriente Médio e Norte da África. Não adianta mostrar matérias de jornais e cerimonial, o que se quer ver são resultados econômicos mensuráveis – negócios e contratos firmados tanto para o segmento de defesa, como para os demais setores.
Se a BID nacional não tomar diretamente as rédeas das negociações ou, pelo menos, instar o Presidente da República a nomear embaixadores de alto gabarito para negociar com os governos árabes, pode-se considerar que a participação brasileira nesse mercado não sobreviverá em médio e longo prazos.
Nota DefesaNet
Muhammad Hussein cosultou fontes no Líbano e trouxe e percepção dos operadores sobre o emprego da Viatura Blindada sobre Rodas Guarani, que opera nas forças de segurança do Líbano.
O artigo complementa o artigo do Pesquisador Expedito Bastos