"Ajuda descoordenada e desorganizada é outro desastre". A frase é do Chefe da Representação Brasileira na Junta Interamericana de Defesa, Brigadeiro do Ar Osmar Lootens Machado. Criada em 1942 para enfrentar a ameaça nazista, a JID é atualmente a organização multinacional mais antiga em atividade no mundo em programas de desminagem e em pronta-reposta para casos de desastres naturais no continente americano. De Washington, nos Estados Unidos, o militar falou à Aerovisão sobre a importância do Brasil para a paz regional.
Qual a importância para o Brasil de participar deste foro permanente no hemisfério americano?
O Brasil está presente na Junta Interamericana de Defesa (JID) desde a sua fundação, em 1942, e tem contribuído de forma decisiva para o sucesso da condução dos trabalhos desta organização multinacional que é a mais antiga em atividade no mundo.
Ela teve sua origem durante a 3ª Reunião de Consulta dos Ministros de Relações Exteriores das Américas, no Rio de Janeiro, Brasil. Sua missão estava voltada para a defesa do continente americano diante da ameaça nazista. Ao longo dos mais de 70 anos, o continente americano passou por diversas transformações políticas e econômicas que evidenciaram a necessidade de uma mudança na estrutura e na missão da Junta.
A maior e mais significativa mudança ocorreu no ano de 2006, quando a JID recebeu um novo Estatuto e passou a incorporar a estrutura da Organização dos Estados Americanos (OEA) com a missão de prestar assessoria técnica, consultiva e educativa em temas relacionados com assuntos militares e de defesa para os Estados-Membros.
Quais os projetos ou linhas de ação pelos quais o Brasil deve trabalhar nos próximos dois anos sob o seu mandato na JID?
O Brasil sempre foi um importante protagonista dentro da JID e os seus posicionamentos respeitados e considerados. Essa imagem consistente, construída ao longo de décadas, é fruto da constante participação brasileira em todos os temas tratados. Estamos presentes em todos os fóruns e dispostos a colaborar efetivamente, seguindo fielmente as orientações e diretrizes do Ministério da Defesa.
Cabe salientar o completo alinhamento das Forças Armadas, que entendem a nossa participação como um reforçador da paz regional. Nessa mesma linha, será bastante pertinente desenvolver ações no sentido de promover a integração dos Estados-Membros, e particularmente de suas Forças Armadas, no enfrentamento dos desastres naturais.
Com as mudanças regimentais em 2006, podemos dizer que a Junta como um todo está na fase final do processo de adaptação a essas mudanças. A Delegação Brasileira auxilia nesse processo de transição, mas também no sentido de consolidar o papel do Brasil como um ator importante para a consecução dos objetivos da JID.
O Peru sediou neste ano o exercício Cooperación III, com o objetivo de integrar as forças aéreas americanas para pronta-resposta em casos de desastres naturais. Como a JID vê a importância de treinar e padronizar ações em cenários de calamidade?
A JID tem acompanhado de perto todas as iniciativas para o incremento da eficiência das ações para a mitigação dos efeitos da ocorrência de desastres naturais. Em praticamente todos os fóruns de discussão é destacada a importância da “coordenação” entre todos os atores como sendo uma condição essencial para o sucesso de uma operação de ajuda humanitária.
Os exercícios de caráter multinacional, como o Cooperación III, são considerados essenciais para o treinamento das equipagens para uso em uma força tarefa internacional em apoio a populações afetadas por grandes calamidades. Podemos dizer que uma ajuda descoordenada e desorganizada é um outro desastre que se abate sobre a população.
E, neste processo, devem estar envolvidos, além de militares, os órgãos civis, instituições privadas e organizações não-governamentais. A JID também participa como organização observadora em exercícios similares da Conferência de Exércitos Americanos (CEA) e da Conferência Naval Interamericana (CNI).
Em 2013, a JID organizou a primeira Conferência Interamericana de Logística. É o surgimento de um fórum orientado para facilitar o intercâmbio e a troca de experiências em operações de ajuda humanitária entre os Países-Membros da Organização dos Estados Americanos, a OEA.
A JID entende que através da identificação dos principais problemas encontrados, da descrição das soluções adotadas e do compartilhamento das lições aprendidas podem surgir sugestões para a otimização da interoperabilidade e da logística em operações dessa natureza. Percebe-se que, a despeito das iniciativas das três Conferências, no que diz respeito ao tema “Desastres Naturais”, ainda não há uma efetiva ação conjunta das mesmas. Dada a sua representatividade e capilaridade, a JID pode, sim, facilitar e ampliar os canais de comunicação entre os Estados-Membros.
Gostaria também de mencionar que a JID mantém um Centro de Análise e Gerenciamento de Informação que é responsável por coletar e acompanhar a ocorrência de desastres naturais em todo o hemisfério e transferir esta informação para os órgãos da OEA e para todos os países interessados.
A JID anunciou recentemente o fim da missão de desminagem na fronteira do Peru com o Equador. Foram dez anos de trabalho para retirar 13 mil minas. Como é esse trabalho?
Em 2010, a América Central foi declarada a primeira região do mundo livre de minas antipessoal, depois de 16 anos de trabalhos de desminagem sob a coordenação da OEA, com a assessoria técnica da Junta Interamericana de Defesa. Na fronteira do Peru e Equador, a missão que prestou assistência técnica ao Programa Ação Integral Contra as Minas Antipessoal da OEA por quase dez anos, encerrou os seus trabalhos em 31 de dezembro de 2013 por falta de financiamento da comunidade internacional para o prosseguimento dos trabalhos.
A crise econômica mundial refletiu na diminuição das contribuições para os programas de desminagem humanitária na América do Sul. A OEA priorizou a manutenção do programa na Colômbia, onde o problema das minas antipessoal é mais amplo e complexo. Este é o segundo país do mundo mais afetado por esse flagelo. Fica atrás apenas do Afeganistão. Peru e Equador prosseguem nos trabalhos de desminagem sob os seus próprios programas nacionais e sob um acordo bilateral de cooperação mútua para varrer, de vez, as minas antipessoal dos seus territórios. Os dois países têm um compromisso com o Tratado de Ottawa de eliminar o problema das minas antipessoal até 2017.
Qual a contribuição do Brasil nos programas de desminagem?
O Brasil é protagonista no apoio à desminagem humanitária no continente americano desde o início do programa em 1991, quando a Nicarágua solicitou apoio para coordenar as ações de desminagem. Ao longo de mais de 20 anos, foram realizadas missões de desminagem na América Central, na fronteira do Equador e Peru e na Colômbia.
Foram empregados 420 militares como monitores e supervisores interamericanos, dos quais 222 do Brasil. Mais de 50% da força de trabalho empregada é de brasileiros. O trabalho produziu números impressionantes: mais de 5 milhões de metros quadrados de área liberada e quase 100 mil artefatos explosivos removidos. O grupo que atua na Colômbia hoje é integrado exclusivamente por militares brasileiros.
Qual a importância deste trabalho para os brasileiros?
O trabalho de militares brasileiros na desminagem permite manter a expertise nesse tipo de atividade. O Brasil, como signatário do Tratado de Ottawa, aboliu o uso, a produção e o armazenamento das minas antipessoal. Na Colômbia, por exemplo, os brasileiros trabalham com "artefatos explosivos improvisados".
Um problema que pode ser entendido como uma das principais ferramentas empregadas pela "nova ameaça" representada pelos grupos terroristas.
Três Oficiais-Generais brasileiros já presidiram a JID (atual presidente é chileno e o anterior foi um canadense, além do Brasil somente os Estados Unidos tiveram três presidentes). De alguma forma conduzir um organismo multilateral como este representa o potencial de liderança do país no hemisfério?
O novo estatuto da JID estabelece, desde 2006, que a Junta é composta por três órgãos: a) O Conselho de Delegados, responsável pela emissão de orientações e pela supervisão dos trabalhos executados; b) A Secretaria, responsável pelo assessoramento técnico-consultivo; e c) O Colégio Interamericano de Defesa (CID), responsável pela formação acadêmica em assuntos de Defesa. Estes três órgãos estão numa mesma linha, embora o Conselho de Delegados seja considerado o órgão máximo da JID.
Outra consequência da mudança ocorrida na estrutura da JID foi a extinção do cargo de "Presidente da JID". Em seu lugar surge a figura do "Presidente do Conselho de Delegados", que tem a função de coordenar as reuniões do Conselho de Delegados, representar a JID em reuniões na OEA e fomentar as articulações políticas da Junta. O Brasil exerceu a Presidência do Conselho de Delegados no período de 2006 a 2011, com três Oficiais-Generais.
Após completar um rodízio completo na Presidência do Conselho de Delegados, o Brasil passou a exercer, de 2011 até o momento, o cargo de Diretor-Geral da Secretaria da JID. O atual mandato do Diretor-Geral encerra-se em meados de 2015 e o Brasil já apresentou candidatura para o período que vai até 2017.Além desses cargos, o Brasil ocupa também o cargo de Vice-Diretor do Colégio Interamericano de Defesa há três mandatos consecutivos, desde 2010.
A partir de novembro, a Vice-direção deste órgão será exercida por Oficial-General da FAB. Creio que os fatos falam por si. A participação do Brasil em cargos de liderança foi fundamental para a implantação da nova estrutura da JID e revela o papel de protagonista exercido pelo país.
A UNASUL anunciou há alguns meses a criação de uma escola para altos estudos de defesa. A JID gerencia o colégio que permite intercâmbio de militares na área acadêmica-operacional. Como esses programas podem contribuir para a construção de uma identidade hemisférica e uma nova arquitetura de segurança da América?
O Colégio Interamericano de Defesa tem por missão a formação de assessores militares ou civis de alto nível, com pensamento crítico e grande capacidade de articulação. Uma boa amostra da qualidade da formação prestada pelo Colégio pode ser observada no fato de que 775 egressos, entre mais de 2.500 formados, alcançaram funções de destaque em seus países de origem tais como o postos de oficiais-generais e até mesmo a presidência do país, como é o caso da Michelle Bachelet, atual Presidente do Chile.
O CID proporciona um ambiente de liberdade acadêmica, onde diversas escolas de pensamento são apresentadas e discutidas exaustivamente para que cada aluno possa desenvolver uma linha de pensamento crítico baseado em um método definido, porém em consonância com sua doutrina de formação e adequada às características de defesa e segurança de seu país.
O ambiente acadêmico do CID contribui efetivamente para a construção de uma identidade hemisférica, porém esta identidade não está baseada na uniformização do pensamento, mas, sim, na heterogeneidade característica da formação do continente americano.
O Brasil trabalha para consolidar uma base industrial de defesa que atenda as demandas das Forças Armadas, com desenvolvimento de tecnologia nacional, e também possa exportar produtos. Um foro como a JID pode ser uma plataforma para negócios?
A principal missão da JID é prestar assessoria técnica, consultiva e educativa aos Estados-Membros da OEA. Todavia, algumas iniciativas desenvolvidas no âmbito da Junta possuem potencial para alavancar negócios.
Em muitos dos eventos realizados, tais como a Conferência Interamericana de Logística, o ambiente de troca de experiências e o nível da audiência (geralmente formada por tomadores de decisão de alto escalão em seus países) podem gerar oportunidades de negócios e acordos comerciais não só entre instituições governamentais, como também entre instituições e empresas privadas fornecedoras de soluções.
O uso das Forças Armadas em ações de segurança pública tem aparecido em diferentes países americanos. Como a JID observa esse tipo de atuação e quais as implicações?
A utilização das Forças Armadas em tarefas não tradicionais tem dominado a pauta de muitas discussões no âmbito da JID. Porém, as discussões não têm como finalidade a adoção de um pensamento único no hemisfério. O continente americano é considerado como sendo um dos mais desiguais e heterogêneos do mundo e esta desigualdade e heterogeneidade está refletida no plenário da JID.
A Junta é composta por países com realidades históricas, políticas, sociais e econômicas muito diferentes. Essa diversidade também é refletida na maneira como cada país define o escopo de atuação de suas Forças Armadas. Há países que não possuem Forças Armadas legalmente constituídas. Esta pluralidade, aliada ao incremento dos impactos dos crimes transnacionais, como o tráfico de drogas, de armas ou de pessoas, gera a necessidade de, no mínimo, um canal de comunicação aberto para discutir o papel que as Forças Armadas de cada país podem exercer neste cenário.
A JID tem procurado contribuir para a discussão do tema e promove anualmente um “Simpósio sobre a Utilização das Forças Armadas em Tarefas não Tradicionais e Desenvolvimento”. Este simpósio é um fórum para a troca de experiências entre os países e colabora para o entendimento das diversas abordagens para o problema. O assunto também é tema de discussão no plenário da Conferência de Ministros de Defesa das Américas.
O combate ao terrorismo é um discurso muito forte na América do Norte, porém, o vizinho Chile viveu em setembro (10/09) o drama da explosão de uma bomba no metrô. Há alguma linha de ação para atuar em conjunto contra o terrorismo?
Dentro da OEA existe um organismo específico para tratar do tema “terrorismo”. É o Comitê Interamericano Contra o Terrorismo, que tem como atribuição a promoção e o desenvolvimento da cooperação entre os Estados-Membros da OEA para prevenir, combater e eliminar o Terrorismo no hemisfério de acordo com os princípios da Carta da OEA e com total respeito à soberania de cada país.
Cumprindo o seu papel de órgão assessor, a JID acompanha atentamente os acontecimentos e procura estar atualizada de modo a poder responder os questionamentos dos Estados-Membros e colaborar para a estabilidade social e a paz no hemisfério.