Roberto Maltchik
Publicado em O Globo 11 Maio 2019
No setor espacial, a nova prioridade é o chamado "new space", o mercado de microssatélites lançados em órbita baixa. E, depois de sucessivos fracassos, a Agência Espacial Brasileira (AEB) se dedica ao desafios de construir um novo foguete que atenda a essa demanda. A garantia é do presidente da AEB, Carlos Moura, que assumiu em janeiro disposto a racionalizar recursos e a revisar projetos sem capacidade de mobilizar a indústria.
Em entrevista ao GLOBO, ele afirma que a agência vem "elencando projetos que estejam atualizados tecnologicamente e que permitam que a indústria tenha um papel mais proeminente". Ele ainda fala sobre encerramento do programa de satélites Cbers, uma parceria entre Brasil e China, e as possibilidades que surgem com a assinatura do acordo de salvaguardas tecnológicas com os Estados Unidos.
Qual deve ser o enfoque dos investimentos no programa espacial?
Vivemos um momento interessante. Estamos discutindo o plano para os próximos quatro anos e queremos dar uma virada no que a gente fazia. Estamos estudando os programas, o cenário tecnológico mudou muito. Muitas coisas já podemos fazer com satélites menores. O nicho de pequenos lançadores para órbitas baixas é o preferencial. Vamos precisar de muitos recursos, mas não dá para imaginar que teremos todos os recursos necessários. Ainda não podemos falar em valores. Neste momento, estamos fazendo uma revisão das missões e identificando quais estão em linha com o novo cenário. Estamos elencando projetos que caibam no bolso, que estejam atualizados tecnologicamente e que permitam que a indústria tenha um papel mais proeminente.
O que já estava sendo feito, pretendemos concluir. O satélite CBERS-4A será concluído. O satélite Amazônia-1 também é importante para que possamos testar em condições de órbita a plataforma multimissão (um equipamento de suporte técnico que serviria para diferentes satélites). No setor de lançamentos, nós temos o programa do VLM (Veículo Lançador de Microssatélites), que está calcado em um motor inovador, que é o S-50, um motor de material composto. A Avibrás deve realizar teste com tiro em banco ainda este ano para verificar a capacidade propulsiva deste motor. Esses projetos devem prosseguir. No ano passado, foi estudado o que seriam os projetos mobilizadores da indústria. O objetivo é viabilizar os recursos para os projetos mobilizadores.
Até que ponto o projeto do VLM, que tem problemas na parceria com a Alemanha, é viável?
Realmente, enfrentamos dificuldades com os alemães. Eles têm certas limitações que talvez não os permitam investir da forma como nós gostaríamos. É um projeto que foi estabelecido há alguns anos, e ele vai nos servir como demonstrador de conceito para avaliar se o motor S-50 terá o desempenho que a gente espera. Tudo indica que ele vai ter um desempenho muito bom. Estamos trabalhando no projeto do veículo lançador de microssatélites, que é o programa Aquila, baseado no motor S-50. O que é um passo essencial, isso sim, é desenvolver o motor S-50. Tudo está focado nisso.
É possível alcançar o Áquila sem passar pelo VLM?
Seria muito bom se a gente conseguisse o VLM rapidamente e, com base na experiência, atacar o Áquila. Mas isso vai demorar, e é difícil recuperar o atraso. Fazer todos os ensaios em solo e voar este motor são dois gargalos importantíssimos que devem ser vencidos o mais rapidamente possível. Com essas informações, nós já temos mais confiança no que será o projeto do Áquila. Até o VS-50 (voo experimental do motor S-50) , o Aquila e o VLM estão agregados. A partir do VS-50, você tem o VLM e o Aquila, que ou desenvolveremos sozinhos ou vamos agregar alguma parceria para transformá-lo em um veículo competitivo. O VLM, do jeito que está hoje, os estudos mostram que ele tem uma baixa capacidade de satelitização. Precisamos de mais energia para colocar satélites em órbita.
Quando será possível ter confiança no motor S-50? Há recursos para este programa prioritário?
O nosso desejo é conseguir fazer o primeiro voo do VS-50 no final do ano que vem. Para a primeira contratação da Avibrás, os recursos estão garantidos. Agora, para o desenvolvimento do programa serão necessários novos recursos. O mais importante hoje não são os recursos, mas sim os gargalos tecnológicos que precisam ser vencidos. Esse é um projeto prioritário. Além de recursos, precisamos de pessoas e superar os obstáculos da governança do projeto, especialmente para a realização de despesas. O motor S-50 é essencial. Em ordem de grandeza, para voar o Aquila, a gente precisa de até US$ 150 milhões. Não é muito para um programa espacial.
Qual é o plano para não repetir insucessos, como foi o caso do VLS e do programa Cyclone 4?
Queremos um veículo que, além do bom desempenho, ele tenha um custo satisfatório, que a gente possa usar não só em lançamentos governamentais como também em lançamentos comerciais. Quase todos os programas espaciais hoje contam, de uma forma ou outra, com operações internacionais. Fazer sozinho, às vezes, demora demais. No nosso caso, ao longo do tempo, a gente acabou dispersando demais ou esforços e as equipes. A ideia é que a gente tenha um lançador que possa permitir a derivação de outros produtos (novos foguetes).
Por que o Brasil continua a perseguir um lançador de satélites próprio?
Caso contrário, a gente só vai conseguir desenvolver satélites para fins acadêmicos. Posso dar o exemplo do ITAsat, que ficou dois anos aguardando um lançamento. Sem um lançador próprio, você não consegue lançar quando você quer, nem necessariamente na órbita que você deseja. Por isso, acreditamos que vale a pena explorar o filão de lançadores mais dedicados a pequenos satélites ou a microssatélites. Não apenas para aplicações nacionais, mas também aplicações no exterior. Tudo leva a crer que vão crescer projetos de constelações de satélites (vários satélites que atuam em conjunto). E, para manter a constelação, são necessários lançamentos de reposição. Lançadores de pequeno porte são adequados para este tipo de atuação.
O que o Brasil ganha de perspectiva com o chamado "new space"?
Ele nos dá um novo livro para o programa espacial brasileiro. Nós perdemos oportunidades grandes nos anos 80 e 90 de fincarmos o pé no mercado espacial, como fizeram China, Índia e Coreia. Agora, o "new space" é um avanço tecnológico que veio a nosso favor. É um mundo de possibilidades para vários tipos de empresas. É um desafio nosso é não atrapalhar. Criar ambiente de negócios que acompanhem o "new space". A gente vai se favorecer muito com essa nova tendência. Agora, o lançador de pequeno porte não é mais uma escola. Ele é utilizável e vai ser demandado.
Qual é a utilidade dos microssatélites?
Se nós investirmos bem em aplicações de pequenos satélites ou de cubsat podemos usar melhor a indústria nacional e atender uma série de demandas que são estagnados por falta de oportunidade. Segurança, meio ambiente, monitoramento dos mares. Demandas não faltam, o que falta é capacidade. Como podemos trabalhar com satélites de pequeno porte ou constelações de satélites, nós certamente vamos ter mais órgãos de governo ou agregados ao governo somando-se a nós. Há uma série de usurários fortes no mercado governamental e na esfera privada. Acredito que vamos conseguir desenvolver uma indústria de pequenos satélites e de aplicações baseadas nesses produtos.
Como superar o descrédito que o programa espacial passou a ter com a sucessão de fracassos? O que aprendemos com os fracassos?
Dos programas que não evoluíram adequadamente, como o VLS e o próprio Cyclone 4, tivemos planejamentos que talvez não tenham sido os mais adequados, que não foram readequados a tempo, sofrendo ainda com a falta de recursos. Cria-se uma pecha de descrédito com a sociedade muito grande. O programa espacial sofre com o descrédito. Não é bem assim. Cada vez que você faz um projeto, você aprende muita coisa. O problema é que acaba-se dispersando esforços. Mas, de fato, é muito frustrante você fazer um projeto, investir recursos e o projeto não ir adiante. Mas acreditamos que, agora, com projetos com escopo mais adequado, em um cenário de "new space", até com menos recursos, a gente consiga botar Alcântara para funcionar de forma mais contínua e com qualidade para, daí sim, virar a página dos projetos que acabaram não vingando.
Quando o texto do Acordo de Salvaguarda Tecnológica com os Estados Unidos deve chegar ao Congresso?
O texto do acordo de salvaguarda deve chegar ao Congresso na próxima semana. Ele já está na Casa Civil para ajustes finais e será levado ao Congresso nos próximos dias. Isso é uma boa notícia. Agora, a gente tem que convencer os nosso representantes que isso é realmente importante. Esse acordo nos abre a possibilidade de apagar parte de nossos insucessos e entrar de vez no mercado espacial. A expectativa no Congresso é positiva. Pelo menos nas comissões temáticas, a grande maioria entende que é uma condição necessária para ambicionar um mercado maior. Ele sozinho não garante nada, mas remove obstáculos que abrem a possibilidade ambicionar um mercado maior.
E quando o senhor espera vê-lo aprovado?
Sobre prazo de aprovação, é difícil estipular datas com o Congresso, ainda mais com a agenda relevante para o país que está sendo discutida. Mas percebemos que é bem possível que o Congresso possa fazer a análise desse acordo de forma rápida, em poucos meses. Nós já estamos sendo consultados sobre o depois. Empresas e instituições que estão se preparando para o dia seguinte à aprovação do acordo.
Quais são os primeiros passos, após a aprovação do acordo?
Do ponto de vista da agencia espacial, temos as questões de certificações da empresas e do próprio centro para assegurar questões segurança espacial. Temos ainda as questões relativas ao ambiente de negócios. A situação jurídica de lançamentos também está sendo discutida. Temos que introduzir as regulamentações que dizem respeito à participação da iniciativa privada. Para isso, temos que ter um arcabouço jurídico para os lançamentos. As empresas estão ávidas para serem inseridas nesse processo, mas elas têm muitas dúvidas. Queremos discutir como utilizar o marco legal da Inovação para o desenvolvimento da área espacial e como fazer efetivamente negócios nessa área. Agora, para fazer os primeiro lançamentos, nós já temos uma infraestrutura disponível. Isso será importante para virar a página e dizer que temos um centro de lançamento de satélites.
Para dar a partida no centro de Alcântara, qual é o investimento mínimo necessário? O governo federal deverá investir mais?
O governo federal deverá, sim, ser o indutor desses investimentos. Para começar, a gente precisaria de muita pouca coisa. A gente acredita que com R$ 100 milhões consiga implementar as principais coisas para ter uma operação de lançamento mais confiável. Para o VLM voar hoje no Centro de Lançamento de Alcântara seriam necessários R$ 100 milhões. Agora, isso é melhoria básica do que já existe. Para implantação de coisas novas, cada projeto tem um volume razoável. A implantação do aeroporto são R$ 70 milhões. Se for pensar em serviço de hotelaria, os valores são mais altos. Se for falar no porto, são mais altos ainda.
O satélite CBERS 4-A será o último da série?
Nós temos reuniões já no segundo semestre para verificar como avançaremos nessa cooperação. Ao que nos parece, esse modelo de cooperação já foi muito frutífero, mas talvez hoje ele não tenha a melhor relação custo-benefício. O nosso diretor do INPE esteve na China recentemente. O nosso grupo voltou de lá com algumas propostas interessantes em termos de compartilhamento de informações. Eles têm diversos satélites em órbita e nos propuseram compartilhar informações para a gente investir no processamento de informações. Uma coisa é ter o satélite. A outra é saber tirar o melhor proveito das informações que são captadas. Queremos continuar essa parceria.
Como seria essa nova parceria?
Nós temos poucos recursos para investir em satélites de médio ou grande porte. então, Nós temos queremos investir em nanossatélites. Nós precisamos fazer adequações na nossa plataforma multimissão. A gente quer discutir com os chineses propostas que estejam adequadas à tendência no "new space". Dentro do escopo de discutir possibilidades com a China, eles nos ofereceram a possibilidade de utilizar informações que eles já recebem de outros satélites para serem usadas pelo INPE e outras instituições em proveito dos nossos estudos ambientais. O leque de possibilidades está aberto. O importante é que a China é um grande parceiro. Eles têm algumas demandas parecidas com as nossas. Já cooperamos. A parceria tem que caber no nosso bolso e deve ser a mais interessante possível para os dois lados.