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A FORMAÇÃO CONJUNTA DE PILOTOS DE ASAS ROTATIVAS NAS FORÇAS ARMADAS: Contribuições de experiências internacionais para o fomento da interoperabilidade brasileira.

A FORMAÇÃO CONJUNTA DE PILOTOS DE ASAS ROTATIVAS NAS  FORÇAS ARMADAS: Contribuições de experiências internacionais

para o fomento da interoperabilidade brasileira.

 

Autor: Mestrando Álvaro de Paiva Junior mestrando

Autor: professor Dr Flávio Neri Hadmann Jasper

Trabalho apresentado na Universidade da Força Aérea

RESUMO

Em um contexto mundial onde as Forças Armadas buscam racionalizar o emprego de seus meios, bem como aumentar a sua interoperabilidade e integração, cresce em importância a adoção de métodos que possam trazer mais eficiência, eficácia e efetividade às Forças Armadas. Desta forma, o presente artigo tem como objetivo apresentar uma análise das melhores práticas usadas por algumas Forças Armadas estrangeiras, no estabelecimento dos seus centros conjuntos de formação de pilotos, a fim de servirem como benchmarking ao Brasil. Para isso, foi realizada uma revisão bibliográfica e como conclusão, observou-se que a gestão de recursos, a padronização de equipamentos e a interoperabilidade foram instâncias presentes e interdependentes para que os países analisados, neste artigo, conseguissem centralizar com sucesso a formação dos seus pilotos em uma mesma escola.

Palavras-chave: Interoperabilidade. Racionalização. Formação de Pilotos Militares.

 

Nota DefesaNet

Para acessar o texto no original em formato PDF clique no link abaixo.

A FORMAÇÃO CONJUNTA DE PILOTOS DE ASAS ROTATIVAS NAS  FORÇAS ARMADAS: Contribuições de experiências internacionais para o fomento da interoperabilidade brasileira.

INTRODUÇÃO

A Austrália, a Bélgica, o Canadá, a Holanda, o Reino Unido e a França são alguns dos países que adotaram um sistema de formação conjunta em muitos campos da atividade militar. Cabe destaque para a unificação de suas Forças Armadas na formação conjunta de pilotos militares de asas rotativas. Na Austrália, essa unificação se deu em 1976; na Bélgica, em 2002, no Canadá, em 1968; na Holanda em 2009; no Reino Unido, em 1999 e na França, em 2001. Diante disso, é possível observar que não houve uma simetria cronológica no tocante à adoção de uma política centralizada na formação de pilotos dos países anteriormente citados. Isso evidencia que as condições de cada país se deram em diferentes momentos históricos. Na Holanda, por exemplo, houve três tentativas de unificar a formação dos pilotos: 1946, 1967 e 1995. Mas, efetivamente, a centralização começou a se tornar realidade a partir de 2009, quando o aeroporto de Gilze-Rijen foi transformado em uma base operacional de helicópteros militares.

Assim como a Holanda, os demais países estudados neste artigo também passaram por momentos de amadurecimento antes de se chegar ao estágio que são hoje no tocante à capacidade de formação conjunta dos seus pilotos de asas rotativas.

Todavia, três pilares em comum parecem ter sido parte do processo de amadurecimento desses países, a saber: a gestão de recursos, a padronização de equipamentos e a interoperabilidade. Todos eles serão pontuados de forma bem particular no transcorrer deste artigo.

No contexto do Brasil, observou-se que houve iniciativas no que diz respeito ao início de um pensamento mais unificado em relação à Defesa e à formação de seus recursos humanos em áreas mais específicas. Cronologicamente, foi demarcado como ponto de partida o ano de 1995, quando o presidente à época, Fernando Henrique Cardoso, disparou o projeto de criação do Ministério da Defesa (MD) como aperfeiçoamento do Sistema de Defesa Nacional, objetivando formalizar uma política de defesa sustentável e integrar as três Forças Armadas (FFAA), racionalizando, assim, as suas diversas atividades, pois devido ao momento econômico vivido pela nação (1998 – 2002), a junção foi a proposta mais viável para uma gestão mais eficiente do orçamento destinado à Defesa (NAIANE COSSUL, 2019). “O meio institucional para esse trabalho unificado será a colaboração entre os Estados-Maiores das Forças com o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, no estabelecimento e definição das linhas de frente de atuação conjunta” (BRASIL, 2012, p. 121).

Essa centralização administrativa das FFAA, em um único Ministério, permitiria, de certa forma, uma unificação das Forças Singulares, podendo ser vislumbrado formações conjuntas como, por exemplo, em um centro formador de militares com qualificações semelhantes, da mesma maneira como se faz no Curso de Estado-Maior Conjunto, em funcionamento na Escola Superior de Guerra 1. Além dessa centralização estrutural, observou-se que a Política Nacional de Defesa (PND) traz orientações no sentido de maior sinergia, eficiência e eficácia no uso dos recursos públicos, mormente nas aquisições.

O objetivo é que a política de compras de produtos de defesa seja capaz de: (a) otimizar o dispêndio de recursos; (…) e (c) garantir, nas decisões de compra, a primazia do compromisso com o desenvolvimento das capacitações tecnológicas nacionais em produtos de defesa (BRASIL, 2012, p. 105).

Com base em uma perspectiva histórica, não se pode deixar de pontuar que, quase duas décadas depois da criação do Ministério da Defesa, as FFAA do Brasil ainda não possuem uma integração de fato na área da aviação de asas rotativas, tanto no que diz respeito à aquisições de equipamentos, vide a questão dos diferentes helicópteros voados pela Marinha do Brasil, que voa o Bell Jet Ranger; pelo Exército, que voa o Esquilo B2 e; pela Força Aérea, que voa o Esquilo B1; quanto no que diz respeito ao treinamento dos pilotos, que é realizado de forma independente.

Todavia, ao se analisar os manuais de manobras estudadas pelos pilotos das três Forças 2, pôde-se constatar que os conteúdos programáticos dos Centros de Formação são similares.

Assim, pode-se constatar que o componente educacional é o lugar para onde convergem quaisquer tendências à centralidade curricular nas instituições de ensino militar. A busca de uma universalidade de padrões curriculares por áreas específicas como, por exemplo, na área da aviação militar de asa rotativa, deve seguir o paralelismo existente entre o que acontece no campo de batalha e as doutrinas ensinadas aos oficiais nos bancos das academias militares. Essa perspectiva parece ter sido um dos pontos de atenção primários nos processos iniciais nos estabelecimentos de centros conjuntos de formação na Austrália, Bélgica, Canadá, Holanda, Reino Unido e França.

O próximo item, por meio de uma pesquisa bibliográfica e documental, tem como objetivo verificar os aspectos conceituais no que se refere à interoperabilidade, gestão de recursos, integração e padronização, tanto de equipamentos quanto de doutrina e procedimentos.

GESTÃO PÚBLICA E INTEROPERABILIDADE

Nos dias atuais, a meta dos órgãos governamentais é sempre buscar a eficiência administrativa em todos os campos (financeiro, logístico e de recursos humanos). “A preocupação com a economicidade e com a eficiência, no âmbito do governo federal, não é algo recente. Na verdade, nos últimos quarenta anos, o fator custo (economicidade), ao longo da evolução do aparato legal, tem sido uma tônica” (MAGNO SILVA, 2008. p. 72).

Com as Forças Armadas (FFAA) não é diferente. Um gasto mais eficiente com formação e adestramento pode contribuir para o aumento do investimento da capacidade operacional. Esse paralelismo entre os órgãos governamentais e as FFAA pode ser verificado na área de gestão dos recursos de Defesa, principalmente durante as etapas de levantamento de custos, aquisição, manutenção, transferências de tecnologias e, até mesmo, na vida útil dos equipamentos e sistemas militares. Em complemento a esse interesse da administração em racionalizar a aplicação dos recursos de Defesa, Ernesto Lopes (2011) afirma que há, também, um crescente movimento de fiscalização, por parte da sociedade civil organizada, no tocante aos gastos institucionais na área da Defesa. Fenômeno este perceptível, segundo o autor, tanto em nível global quanto no Brasil.

Diante desse contexto, vale destacar que a formação do piloto militar de asas rotativas envolve um fator diferenciado, pois trata-se de um piloto com a finalidade de emprego em um conflito armado e em missões que não se resumem apenas à realização de transporte administrativo. “Um piloto competente necessita possuir a capacidade de antecipar mentalmente as consequências de um determinado conjunto de sinais, extremamente variáveis e aleatórias, formais e informais, o que pressupõe uma visão de conjunto do voo” (MICHEL BAUMER, 2003, p. 50). Portanto, a racionalização dos recursos (input), por esse ângulo, precisa ser associada ao aumento de produtividade (output), tendo em vista o fator diferencial dos pilotos militares de asas rotativas, que os levam ao cumprimento de missões, além da atividade fim para o qual eles foram preparados.

Quadro 1: Diagrama do processo organizacional e administrativo para aumentar a produtividade por meio da racionalização.

O diagrama proposto por Henri Dutton, citado por Nogueira de Faria (1982), demonstra o caminho entre a racionalização e o aumento de produtividade existentes na dinâmica de atuação dos pilotos militares e a administração.

Nesse sentido de melhorar cada vez mais a gestão de custos, o Exército Brasileiro implantou um sistema chamado Sistema de Custo Aluno–Curso (SISCAC), que trouxe uma série de novos conhecimentos e requisitos. O SISCAC foi implantado com as seguintes finalidades, segundo o Boletim do Exército nº 32 de 2010:

Art. 1º Esta Diretriz tem por finalidades:

I – Padronizar os critérios de levantamento das despesas ocorridas por ocasião da realização dos cursos ou estágios realizados no âmbito do Comando do Exército sob responsabilidade do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx) e do Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT); e

II – Orientar os Estabelecimento de Ensino (Estb Ens) e organizações militares vinculadas à área de ensino (OM/Ens), quanto ao procedimento dos lançamentos dos valores levantados na planilha. (BRASIL, 2010, p. 16).Fonte: (NOGUEIRA DE FARIA, 1982, p. 13).

 

Diante do exposto, pode-se inferir que o SISCAC, enquanto meio voltado para os aspectos internos no tocante aos custos dos cursos e estágios no âmbito do Exército, precisa considerar a necessidade da existência de uma pré-gestão orçamentária tão eficiente quanto os critérios estabelecidos para a eficácia na consecução dos objetivos propostos nos projetos e programas de formação centralizada dos pilotos que porventura venham a fazer parte de uma agenda de formação unificada. Seguindo essa linha de raciocínio, deve-se entender o seguinte:

 

Eficácia é uma medida normativa do alcance dos resultados, enquanto eficiência é uma medida normativa da utilização dos recursos nesse  processo.

(…) A eficiência é uma relação entre custos e benefícios. Assim, a eficiência está voltada para a melhor maneira pela qual as coisas devem ser feitas ou executadas (métodos), a fim de que os recursos sejam aplicados da forma mais racional possível (…) (CHIAVENATO, 1994, p. 70).

No campo do ensino, Antonio Botelho (1999) destaca que a criação do Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA) seria uma prova do pensamento conjunto das Forças e da união de esforços em prol da criação de uma instituição integrada. Além de todos os benefícios que trouxe para o país, a criação do ITA pode ter sido pioneira na interoperabilidade das Forças, pois juntou todos os pensamentos militares relativos à aviação (ANGELICA CALABRIA, 2012).

Ao relacionar o tema da formação centralizada dos pilotos com as novas diretrizes e práticas existentes no campo de domínio da administração pública, principalmente no tocante à questão da auto sustentabilidade, que “requer que um programa ou projeto busque caminhos que o tornem independente (financeiramente) ao longo dos anos e atinja os objetivos propostos, distante de interesses individuais” (SABRINA BARANCCHINI, 2002, p. 107), tem-se a intenção, incipiente, de postular um modelo de aquisições e investimentos, para a aviação, tendo como benchmarking os casos das Forças Armadas de alguns países da Europa, que podem, em certa medida, serem adotados pelo Exército Brasileiro com a finalidade de racionalizar e trazer maior eficiência para o emprego da Força (BRASIL, 2014). Sobre benchmarking:

É uma abordagem de gestão organizacional que conduz a tão desejada excelência, utilizando-se de procedimentos de investigação que pretendem reunir e adaptar as respostas encontradas por outras organizações. Longe de se igualar à mera cópia, revela alternativas valiosas de incrementos dos níveis de eficácia e eficiência (ARAÚJO, 2006, p.235).

Atualmente, uma das principais preocupações das Forças Armadas é com o aprimoramento na formação e aperfeiçoamento dos seus quadros, principalmente os dos militares de carreira. Por isso, no caso da aviação, a busca pela consonância nas aquisições de aeronaves e suprimentos, por parte da gestão, torna-se uma das condições essenciais para que, por exemplo, os primeiros passos à almejada centralização e unificação dos processos relativos à aviação de asas rotativas se tornem efetivas. Para a gestão atender essas duas frentes, a da centralidade na formação de pilotos e da unicidade na aquisição de equipamentos, seria sugestível, como ponto de partida, que pelo menos três dos dez mandamentos propostos por David Osborne e Ted Gaebler (1992) para uma gestão racional e eficaz, fossem postos em prática. A saber:

Governo catalisador — os governos não devem assumir o papel de implementador de políticas públicas sozinhos, mas sim harmonizar a ação de diferentes agentes sociais na solução de problemas coletivos.

Governo de resultados — os governos devem substituir o foco no controle de inputs para o controle de outputs e impactos de suas ações, e para isso adotar a administração por objetivos. Governo orientado ao cliente — os governos devem substituir a autorreferencialidade pela lógica de atenção às necessidades dos clientes/cidadãos (OSBONE e GAEBLER Apud LEONARDO SECCHI, 2009, p. 356).

Na citação acima, quando se fala de governo catalisador e se cita “diferentes agentes sociais”, entenda-se as três Forças Armadas do Brasil, ou seja, Marinha, Exército e Força Aérea. Quando se fala de governo de resultados e se cita “substituir o foco no controle de inputs para o controle de outputs”, entenda-se que é preciso que a gestão tire o foco do quanto se vai gastar para colocar o foco no quanto se vai economizar com tal investimento e, por fim, quando se fala de governo orientado para o cliente e se cita “substituir a autoreferencialidade pela lógica da atenção às necessidades dos clientes”, ou seja a sociedade que provê os recursos por meio dos impostos.

Essa busca pela melhor gestão dos recursos pode ser exemplificada por meio da Portaria Normativa nº 2.386/MD, de 5 de setembro de 2012, que tratou dos Requisitos Operacionais Conjuntos (ROC) para que as FFAA possuíssem, por exemplo, um único modelo de helicóptero de instrução básica (BRASIL, 2012).

Pelos requisitos previstos na Portaria, o helicóptero deveria ter como principais características:

a) ser monomotor turbo eixo;

b) trem de pouso tipo “esqui”;

c) capacidade para transportar dois pilotos; e

d) acomodar na parte traseira, no mínimo, 4 tripulantes.

Em relação ao seu desempenho, ele deveria possuir autonomia de, no mínimo, 3 horas de voo, com velocidade de cruzeiro de, no mínimo, 100 KT (180 Km/h) (BRASIL, 2012).

Esses requisitos foram obtidos a partir da consolidação das características operacionais e técnicas comuns de emprego das FFAA, constantes em suas documentações orientadoras e normativas, após reuniões coordenadas pela Comissão de Logística Militar (COMLOG), realizadas no Ministério da Defesa, durante o ano de 20123. Sendo assim, essa busca pela padronização demonstra que é possível atingir a eficiência dos gastos com aeronaves de instrução ao se adotar um modelo padrão para as três Forças.

Atualmente, a ausência dessa padronização se reflete no quadro abaixo, ou seja, cada Força tem um custo:

Na questão interoperabilidade, ela parece ser um conceito simplificado, pois pode ser vista como o grau que algumas organizações ou indivíduos conseguem operar ou trabalhar juntos para alcançar um objetivo comum, ou seja, olhando apenas desta forma, a interoperabilidade pode ser considerada uma dinâmica que conota padronização, integração, cooperação e sinergia. O conceito de interoperabilidade da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) é:

[…] a capacidade de operar em sinergia na execução das tarefas atribuídas (AAP-6, 2008: 2-I-8), o que quer dizer que “o resultado de uma força integrada é superior ao da soma das suas partes (JUAN MORENO, 2008: 4).

É importante não deixar de pontuar que o entendimento sobre interoperabilidade, inicialmente, estava entrelaçado por uma concepção técnica, relacionada a sistemas de comunicação e de armamentos. Em um segundo momento, o conceito leva mais em consideração as interações humanas e seus elementos. Já atualmente, é possível enxergá-la de uma maneira mais ampla, abarcando aspectos como “comando e controle, a doutrina, os procedimentos, os equipamentos, a logística, a cultura organizacional, a educação e a formação, o treino operacional e mesmo a interação das forças militares com outros intervenientes (…)” (CARLOS SANTOS, 2009, p. 29). Ademais, Marco Hübner (2015) resume de forma precisa:

A interoperabilidade é a alternativa para potencializar os recursos públicos e evitar o desperdício de energia com tarefas sobrepostas ou retrabalhos. Essa modalidade conjunta de todos os órgãos vocacionados para atender as demandas de fronteiras é extremamente essencial, porém apesar de ser a integração um fato, o diálogo entre todos esses atores carece de uma maior aproximação (Hubner, 2015, p. 54).

No âmbito do Ministério da Defesa, o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN) (BRASIL, 2012b) aponta também o papel do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) no planejamento das operações e exercícios com ênfase na interoperabilidade. O referido documento reforça a percepção da interoperabilidade como sendo uma das capacidades prioritárias dentro do escopo de atuação das FFAA brasileiras, no qual demanda um Comando único capaz de coordenar as ações na esfera dessas operações “evitando a duplicação de esforços e favorecendo a redução de perdas”, (…) “isso implica conhecimento mútuo das forças empregadas e dos procedimentos comuns, padronização de planejamentos e documentos, e emprego de equipamentos que possibilitem intercambiar informações e serviços” (BRASIL, 2012b, p. 157-158).

INTEROPERABILIDADE – 1. Capacidade de forças militares nacionais ou aliadas operarem, efetivamente, de acordo com a estrutura de comando estabelecida, na execução de uma missão de natureza estratégica ou tática, de combate ou logística, em adestramento ou instrução. O desenvolvimento da interoperabilidade busca otimizar o emprego dos recursos humanos e materiais, assim como aprimorar a doutrina de emprego das Forças Armadas.

A consecução de um alto grau de interoperabilidade está ligada diretamente ao maior ou menor nível de padronização de doutrinas, procedimentos, documentação e de material das Forças Armadas (…). 2. Capacidade dos sistemas, unidades ou forças de intercambiarem serviços ou informações ou aceitá-los de outros sistemas, unidades ou forças e, também, de empregar esses serviços ou informações, sem o comprometimento de suas funcionalidades (BRASIL, 2015, p. 151).

Para ilustrar essa questão da interoperabilidade exposta anteriormente, vale a pena citar uma padronização, a STANAG 4586, com protocolos documentados em 250 páginas, que está sendo buscada pela OTAN, no tocante a coleta e ao compartilhamento de informações entre Veículos Aéreos Não Tripulados (VANTS) e bases terrestres instaladas em diferentes regiões. Alcançando essa padronização de forma plena, os

Comandantes das nações aliadas e da OTAN terão aumentado o nível de interoperabilidade das Forças conjuntas, tendo em vista que terão maior controle sobre as VANTS em operações militares. Essa padronização envolve cinco etapas, a saber:

1) Transferência de dados filtrados das VANTS para terceiros;

2) transferência direta de dados das VANTS, em tempo real, por meio de uma estação terrestre, para um sistema de comando remoto;

3) controle dos sistemas de bordo pelos comandantes do sistema de comando remoto;

4) controle de bordo pelo sistema de comando; e 5) controle total de voo pelo sistema de comando, incluindo decolagem e pouso (OTAN, 2006, p. 3, tradução nossa)4.

O Departamento de Defesa dos Estados Unidos (DOD), em sua visão estratégica para o Exército norte-americano, descreve a importância da interoperabilidade em operações da seguinte maneira:

Não é suficiente ser conjunto ao conduzir operações futuras. Precisamos encontrar os métodos mais eficazes para integrar e melhorar a interoperabilidade com parceiros aliados e da coalizão. Embora nossas Forças

Armadas mantenham uma força unilateral decisiva, esperamos trabalhar em conjunto com as forças aliadas e da coalizão em quase todas as nossas operações futuras e, cada vez mais, nossos procedimentos, programas e planejamento devem reconhecer essa realidade (JOINT CHIEFSS OF STAFF, 1996, p.9).

 

Valendo-se desse pensamento, fica evidente que, independentemente de os EUA serem a nação mais poderosa do planeta, militar e economicamente, ela também se preocupa com a economia de meios por meio de um aperfeiçoamento de gestão e interoperabilidade no campo da defesa e no que se refere a programas conjuntos.

Trazendo para a realidade do Brasil, o Ministério da Defesa, por meio da portaria nº 316, de 07 de fevereiro de 2012, publicada no diário Oficial da União, em 08 de fevereiro de 2012, estabeleceu em seu artigo 1º e parágrafo único o seguinte:

Art.1º Instituir no âmbito do Ministério da Defesa, a Comissão Interescolar de Doutrina de Operações Conjuntas (CIDOC), com a finalidade de uniformizar o ensino da doutrina de operações conjuntas nos Estabelecimentos de Ensino (EE) de Altos Estudos Militares das Forças Armadas e da Escola Superior de Guerra. Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, conceituar-se-á a uniformização do ensino da doutrina de operações conjuntas no nível de altos estudos militares, como a tarefa ou o conjunto de atividades de ensino que, em estrita conformidade com a doutrina de operações conjuntas emanada do Ministério da Defesa, busca estabelecer a aplicação de técnicas e procedimentos didáticos que propiciem a transmissão dos referidos conhecimentos nas escolas de altos estudos militares, a fim de garantir interpretação única no aprendizado dessa temática (BRASIL, 2002).

Ao verificar o teor da portaria, pode-se concluir que a busca por uma uniformização do ensino já era algo pretendido pelo Ministério da Defesa, haja visto os casos de sucesso de muitos países que aderiram a essa mentalidade, desenvolvida com foco na busca por maior eficiência e eficácia na gestão do orçamento público de Defesa e, consequentemente, com o incremento da interoperabilidade.

As operações Ágata 1 e 2, que aconteceram no ano de 2011, em toda a porção oeste da faixa de fronteira do Brasil, ou seja, aproximadamente 16 mil quilômetros, foi a primeira vez que as Forças Armadas do Brasil atuaram conjuntamente na coordenação de uma operação militar5. Ao todo, em 7 anos, foram realizadas 12 Operações Ágata no modelo conjunto.

Portanto, já é sólida a perspectiva de que o Brasil tem condições de iniciar os trabalhos rumo à sua centralização. Nesse sentido, serão expostos, a seguir, algumas práticas utilizadas na implementação dos centros conjuntos de formação de pilotos no Canadá, na Bélgica, na Holanda, na Austrália, na França e no Reino Unido.

O objetivo deste item a seguir é verificar, em termos de Europa, Canadá e

Austrália, países que já deram os primeiros passos na direção da interoperabilidade e melhor gestão dos recursos públicos, os principais fatores que possam ser absorvidos pelo Brasil nesse campo com vistas à uma possível integração na formação de pilotos de asas rotativas.

ANÁLISE DAS MELHORES PRÁTICAS USADAS NO ESTABELECIMENTO DE CENTROS DE FORMAÇÃO CONJUNTO

Quando se pensa na unificação da formação de pilotos de asa rotativas, por meio da criação de um centro conjunto nos países que serão analisados, é preciso abrir um parêntese e pontuar a importância do Processo de Bolonha nesse contexto. O surgimento do Processo de Bolonha, projetado para unificar a educação superior na Europa, foi marcado pela multilateralidade dos interessados, o que de antemão demonstra que as separações acadêmicas existentes até então seriam substituídas em nome de um sistema educacional forte, globalizado e conjunto. Segundo Pavel Zgaga (2006), o Processo de Bolonha teve suas raízes em uma articulação estratégica. Após uma reunião em Paris, em 1988, o ministro francês de Educação, Claude Allegre, obteve o acordo dos ministros de Educação da Alemanha, Itália e do Reino Unido, para comprometer seus países com uma nova arquitetura para a educação superior.

Em muitas partes do mundo, a educação superior é vista como um motor para o desenvolvimento de uma economia baseada no conhecimento; as políticas, os programas e as práticas da educação superior são cada vez mais cooptados e dimensionados por interesses Políticos e econômicos geoestratégicos mais amplos. (OCDE, 2004).

O Processo de Bolonha, acoplado pela agenda de Lisboa 2005, tinha claro sua associação às bases econômica do neoliberalismo. Essa estratégia, de concentrar os meios anulando as separações acadêmicas, foi a força contributiva para que a Europa pudesse fazer frente à afirmação do status de potência dos Estados Unidos contemplando, simetricamente, a academia à economia.

O que se seguiu a partir desse momento, foi a adesão de muitos países ao Processo de Bolonha, principalmente, por três motivos que a implantação do processo gerava:

 

1) o aumento da qualidade das pesquisas científicas,

2) a racionalização dos custos e

3) a eficácia dos resultados.

Portanto, neste item, será apresentada uma síntese dos fatores resultantes em cada país que que adotou o Processo de Bolonha contribuiu para a unificação do sistema de formação de pilotos e que podem servir de benchmarking para futuras ações do Brasil nesse sentido.

Austrália

Até o ano de 2018, a Marinha Real e o Exército Australianos formavam seus pilotos em locais diferentes. A partir de então, e como parte do Sistema de Treinamento de Tripulantes Aéreos de Helicópteros, uma nova escola conjunta de helicópteros surgiu com o objetivo de treinar equipes de asas rotativas. A escola é calcada em um sistema de treinamento integrado para todas as tripulações da asa rotativa da Força de Defesa Australiana. Um ponto que vale a pena destacar é que a escola conjunta fornece um treinamento inicial otimizado aos pilotos em um ambiente altamente realista antes da conversão para as aeronaves em operação. Portanto, percebe-se que a Austrália tem como ponto forte a ênfase no treinamento em simuladores como forma de economizar o custo com horas de voo, bem como, evitar exposição desnecessária das aeronaves.

Conforme o relatório6 para implantação do centro, foi padronizada uma aeronave e a mesma seria fornecida por um fabricante, ressaltando a importância de um mesmo modelo de aeronave ou pelo menos de mesmo fabricante para facilitar a parceria, bem como a Logística.

Bélgica

A primeira Academia europeia a implementar o “Processo de Bolonha” foi a Royal Military Academy (RMA), Escola Superior Militar comum aos três Ramos das Forças Armadas Belgas. Nela, os pilotos iniciam a instrução de voo e os marinheiros começam a ter contato com a realidade naval ainda durante o curso. Segundo Alberto Oliveira (2009), a formação dos futuros Oficiais na RMA é caracterizada por intensos exercícios de campo, que se dividem em dois momentos diferentes durante o ano e com período de duração de aproximadamente quatro semanas. Essa Formação conjunta alcançada pela Bélgica foi aderida por outros países, com algumas mudanças ou adequações, mas em um momento de pensamento de interoperabilidade em todos os níveis buscado pela OTAM. Esse modelo tem sido adotado pela European Defence Agency (EDA) com a intenção de fazer dos Centros de Treinamento de Helicópteros da Bélgica uma referência internacional na formação de pilotos. Desde 2009, com o objetivo de elevar o nível da associação entre uma formação conjunta e a . interoperabilidade, a Bélgica tem realizado o Helicopter Training Exercice (HEP) 7. Em tempo, vale pontuar que a formação básica dos pilotos Belgas acontece na França. Por isso, pode-se inferir que a Bélgica já tem uma sólida consciência dos benefícios da atuação conjunta desde a formação inicial até as operações.

Canadá

Após a segunda Grande Guerra Mundial, o Canadá mergulhou em uma grande crise econômica que de alguma forma influenciou a pasta de Defesa daquele país a criar novas políticas como, por exemplo, a de autorizar o ingresso de alguns técnicos civis nas Forças Armadas com o objetivo de racionalizar os assuntos de Defesa. Segundo Franklin Oliveira (2004), esse processo de racionalização fez com que, em 1968, houvesse a integração para a unificação da Forças com a substituição dos nomes Exército, Marinha e Força Aérea pela denominação única de Forças Armadas Canadenses. Todavia, essa movimentação não gerou resultados satisfatório e ainda deixou em evidência que muitas das decisões tomadas estavam sendo fortemente influenciadas por lobby político e não por um controle formal das demandas. Esse fato fez retroceder a proposta inicial, ou seja, cada Força voltou a ter sua identidade institucional, mas com a preservação da integração anterior à unificação no que diz respeito à formação de pilotos, que continuou a mesma para todas as três armas (de mar, de terra e de ar).

Os Comandantes de cada Força continuaram reunidos em um mesmo Quartel-General, o que facilitava os treinamentos comuns e as decisões com os gastos na área de logística (OLIVEIRA, 2004). O que se pode tomar como lição do Canadá é que a junção de algumas atividades permite uma melhor gestão e eficiência, mas talvez seja oportuno rever a questão da inserção de profissionais civis em campos de ação estritamente ocupado por militares.

Holanda

O sistema de formação de pilotos na Holanda engloba uma educação dual, ou seja, científico-militar, com destacado foco no desenvolvimento das esferas pessoal e coletiva (espírito de grupo). Após a formação, o piloto da Força Aérea e do Exército é direcionado para o Comando de Helicóptero de Defesa da Holanda, na Base Aérea de 7Disponível em: <https://www.eda.europa.eu/webzine/issue12/in-the-field/black-blade-helicoptertraining-exercise> Acesso em: 19 Jan. 2020.

Gilze-Rijen, onde ficam concentrados todos os helicópteros do país. A Holanda, dessa forma, demonstra que a implementação de centros conjuntos para a formação de pilotos de helicópteros torna os passos para o desenvolvimento da aviação de asa rotativa mais largo. Dois exemplos claros dessa política estão na inauguração de um centro de treinamento conjunto para a aeronave NH90, em Den Helder8, e na ampliação da capacidade de defesa do nível nacional para o nível internacional, concomitantemente.

Reino Unido

O caso do Reino Unido é emblemático para o contexto desse estudo, pois nesse país os alunos são mesclados das três Forças9 em um mesmo centro de formação, há mais de 20 anos. Da mesma forma é o Comando Conjunto de Helicópteros, que centraliza a subordinação a um mesmo Comandante. A razão para toda esta centralização está presente no The Strategic Defence Review White Paper (O Livro Branco de Revisão Estratégica da Defesa), publicado em 1997. A orientação teórica sugerida pelo respectivo livro é a de promover melhores práticas, aumentar a eficácia operacional e fazer economia em custos de suporte. A Estratégia Nacional de Defesa também comtemplou a perspectiva de centralização ao sugerir a unificação logística de todos os helicópteros em um único local, conhecido como Agência de Reparação da Aviação de Defesa. O legado que as Forças Armadas do Reino Unido deixam vai além do que já foi exposto, ou seja, de nada adiantaria centralizar os meios se não houvesse um constante acompanhamento dos centros conjuntos de treinamento através de auditorias, para verificar se os helicópteros estão sendo empregados eficientemente com base nas decisões tomadas pela gestão interna do Comando Conjunto.

França

A França, guardando as devidas proporções, seguiu os passos do Reino Unido adotando uma forte centralização na formação de seus pilotos de helicópteros na escola geral de Navelet. Além de fornecer treinamento inicial para pilotos de helicóptero das três Forças, a escola também é responsável pelo treinamento dos instrutores de voo do Exército francês, formação dos Oficiais de Segurança de voo e treinamento para instrutores de simuladores de voo. Esse leque de possibilidades de formação na França demonstra uma integração maior do que a simples formação dos pilotos de asas rotativas. Sete anos após essa unificação, ou seja, em 2008, o senado francês orientou que a uniformização na formação dos recursos humanos da Escola Geral de Navelet fosse estendida à frota de aeronaves, pois essa postura simplificaria a manutenção e reduziria custos, facilitando o treinamento10. Dessa forma, o treinamento de pilotos de asas rotativas passou a ser em um helicóptero civil, o EC120-Calliopé, fornecido pela empresa Helidax. A fim de concretizar essa inédita orientação, o Ministério da Defesa da França constituiu a primeira Parceria Público Privada (PPP) no contexto da aviação militar daquele país. Essa postura se demonstrou eficaz e a França passou a ser considerada um verdadeiro laboratório de integração e um modelo escolar exclusivo a serviço da Defesa Europeia.

O Exército Brasileiro tem mantido um Oficial de ligação11 junto a Escola de Aviação do Exército Francês desde o ano de 1986, como forma de aprimorar conhecimentos. Dessa maneira, o trabalho realizado pelo Oficial de Ligação permite o intercâmbio de experiências teóricas e práticas, incluindo o voo, que são extremamente importantes e proporcionam incremento na segurança de voo, na doutrina e na evolução técnica e do material da Força Terrestre.

RESULTADOS

Os países que obtiveram algum sucesso ao fomentar uma formação conjunta dos seus pilotos, a saber: Austrália, Bélgica, Canadá, Holanda, Reino Unido e França, podem, de alguma forma e em alguns aspectos, servirem de benchmarking ao Brasil no seu processo rumo à mesma centralização.

Da Austrália, o Brasil poderia importar, do modelo da escola conjunta de helicópteros daquele país, a ênfase na formação em simuladores, pois assim o Brasil economizaria o custo com horas de voo, como também, evitaria a exposição desnecessária das aeronaves.

Da Bélgica, o Brasil poderia importar o modelo de associação entre uma formação conjunta e a interoperabilidade, o que fez da Bélgica uma referência internacional na formação de pilotos. Nesse sentido, o Brasil poderia aplicar a mesma dinâmica buscando uma aproximação com os países vizinhos da América Latina na posição de líder na formação de pilotos na região. Do Canadá, o Brasil poderia se espelhar na junção de algumas atividades que possam ter reflexo positivo na gestão como, por exemplo, o fato de os comandantes de cada Força poderem exercer suas funções a partir de um mesmo Quartel-General, fazendo, assim, melhorar a eficácia na área da logística e nas decisões. Adotando essa prática de forma permanente, o Brasil alcançaria a interoperabilidade plena de suas Forças Armadas no campo da aviação de asas rotativas.

Da Holanda, poderia ser importado o equilíbrio entra a formação científica do piloto e a sua esfera pessoal enquanto ser humano. Assim, o Brasil que desenvolveria o espírito de corpo tão necessário à interoperabilidade. O legado das Forças Armadas do Reino Unido, que pode ser acoplado ao processo brasileiro seria a questão das auditorias. Os ingleses também optaram por uma base única como na Bélgica, onde toda logística da aviação de asas rotativas está concentrada.

No Reino Unido, constantes auditorias são realizadas, para verificar se os helicópteros estão realmente sendo empregados eficientemente com base nas decisões tomadas pela gestão interna do Comando Conjunto. No Brasil, a adoção de práticas perenes de auditoria como os ingleses, tornaria viável o investimento em uma estrutura de centralização logística e de formação de pilotos, pois não se trata de uma formação e ação conjuntas para um determinado fim e sim para todas a finalidades.

Na França, o que houve de diferente em relação aos países já mencionados foi a questão da parceria público privado (PPP) na aviação militar de asas rotativas. Se daria certo ou não importar esse modelo para a realidade brasileira é uma questão que demanda profundas análises e estudos. Enquanto isso, o Brasil já mantém significativa aproximação com a França, realizando um intercâmbio de experiências teóricas e práticas na segurança de voo, na doutrina e na evolução técnica e de materiais.

No tocante aos fatores observados, verificou-se que há três pilares que bem sintetizam o como “deveria ser” a gestão que sustentaria, do início ao fim, a eficácia na formação de militares das Forças Armadas brasileiras na área de aviação, de forma centralizada. O primeiro é a racionalização de recursos, o segundo é a padronização de equipamentos e doutrina, o terceiro é a interoperabilidade.

No que diz respeito à racionalização, a gestão de recursos precisa reconhecer que a atividade de piloto, no Brasil, é diferenciada. O piloto brasileiro, na prática, é levado naturalmente à condição de aumento de sua produtividade, pois ele não voa apenas em função de combate, mas em outras situações, também significativas, como, por exemplo, transporte administrativo, transporte de suprimentos, resgate civil em situações de calamidade pública (enchentes na Amazônia) e evacuação aeromédica, transporte de urnas eletrônicas para as localidades isoladas do país, dentre outras. A racionalização de recurso para a formação conjunta de pilotos e aquisição de equipamentos deve ter como foco a eficiência dos gastos e não o corte de recursos de uma área específica para suprir outra. A aviação não pode fazer mais com menos recursos, pois trata-se de uma área sensível, tanto para a manutenção da presença do Estado brasileiro nas fronteiras amazônicas, quanto para a vida de quem depende de uma vacina ou atendimento médico no interior da Amazônia, pois isso só se torna possível devido à presença da aviação militar de asas rotativas na região. Como proposta de coibição desses gargalos, sugeriu-se a Lei de Responsabilidade Fiscal, no sentido de um acompanhamento constante da gestão financeira, e uma pré-gestão orçamentária em programas e projetos conjuntos na formação dos pilotos. O aperfeiçoamento do Sistema de Custo Aluno-Curso (SISCAC), do Exército Brasileiro, pode ser um caminho no suporte às soluções sugeridas para que a racionalização tenha o foco na eficiência dos gastos ao invés de cortes com argumentos simplesmente numéricos.

No quesito padronização, após revisão de literatura, pode-se sugerir uma ação em duas frentes, ou seja, a dos meios (helicópteros) e a da doutrina. Na frente dos meios, houve uma iniciativa em 2012, a partir da Portaria nº 2386, do Ministério da Defesa, que tentou estabelecer os Requisitos Operacionais Conjuntos (ROC). Dentre esses requisitos, constava a padronização de helicópteros para a instrução militar. Esse ponto tinha como argumento o fato já reconhecido pelas autoridades militares brasileiras de que a ausência de padronização dos meios acarreta um aumento no custo da formação dos pilotos. Hoje, gasta-se o dobro para se formar um piloto, de 90 horas, no Exército Brasileiro se comparado a mesma formação, de 90 horas, de um piloto na Marinha do Brasil. Enquanto no Exército, esse custo chega a R$ 108.000,00 (cento e oito mil reais), na Marinha se gasta R$ 54.000,00 (cinquenta e quatro mil reais). Essa assimetria pode ser anulada se a política de padronização for retomada. Em paralelo, é preciso ocorrer uma padronização da doutrina, do contrário não fará sentido pleno em padronizar os meios.

Na questão da interoperabilidade, pôde-se constatar que há um consenso, entre vários países, em adotá-la como uma forma de potencializar os recursos públicos na formação do piloto de asas rotativa. No Brasil, o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) tem um papel fundamental nesse processo, no sentido de anular a duplicação de esforções e de capitais investidos, tanto por meio de um planejamento conjunto, o que acarretaria no aprimoramento da doutrina de emprego da aviação de asas rotativas através do intercâmbio de informações entre as três Forças, quanto por meio de um comando único, o que ampliaria a capacidade de coordenação das ações na esfera das operações.

CONCLUSÃO

Ao avaliar os resultados do presente estudo, é possível afirmar que a criação de um centro de formação conjunto para os pilotos militares de asas rotativas no Brasil é uma boa opção se for considerado alguns aspectos como: a racionalização de recursos, buscando o foco na eficiência dos gastos na formação conjunta de pilotos e na aquisição de equipamentos; a padronização de equipamentos e doutrina, fatos já reconhecidos por autoridades militares estrangeiras e brasileiras como ponto crucial na diminuição dos custos e no aumento de ganho de tempo na formação dos pilotos, doutrina e equipamentos são grandezas diretamente proporcionais no quesito padronização; e a interoperabilidade satisfatória, indo além da doutrina, da uniformidade das aeronaves e da formação dos pilotos, ou seja, concretizando a sinergia entre eficiência, eficácia e efetividade.

O Brasil pode, ainda, usar referências internacionais para o desenvolvimento de sua própria dinâmica de formação conjunta. Ao expor o caso da Austrália, percebe-se que o ponto forte foi a ênfase no treinamento em simuladores como forma de economizar o custo com horas de voo, bem como, evitar exposição desnecessária das aeronaves.

No caso do Canadá, os Comandantes de cada Força foram reunidos em um mesmo Quartel-General e isso facilitou os treinamentos comuns e as decisões com os gastos na área de logística. Na Bélgica, a formação dos futuros Oficiais se caracteriza por intensos exercícios de campo divididos em dois momentos diferentes durante o ano e com período de duração de aproximadamente quatro semanas. Esse modelo inspirou outras escolas da Europa. No caso da Holanda, o sistema de formação de pilotos atende a uma educação dual, ou seja, científico-militar. Dessa forma, a Holanda conseguiu evidenciar o desenvolvimento das esferas pessoal e coletiva dos pilotos, ou seja, espírito de grupo e de sentimento de pertencimento. No caso do Reino Unido, destaca-se que os aspirantes a oficiais são mesclados das três Forças desde o início do curso. O Comando Conjunto de Helicópteros e sua logística estão unificados em um único local, onde acontecem constantes auditorias, para verificar se os helicópteros estão sendo empregados eficientemente. Por fim, no caso da França, a opção, assim como no Reino Unido, foi a forte centralização na formação de seus pilotos de helicópteros sendo a escola também responsável pelo treinamento dos instrutores de voo do Exército francês, pela formação dos Oficiais de Segurança de voo e pelo treinamento para instrutores de simuladores de voo. Esse leque de possibilidades de formação na França demonstra que aquele país foi além de uma simples integração na formação dos pilotos de asas rotativas.

De fato, as realidades do Brasil e a da Europa são bem diferentes, mas adaptando as políticas de investimentos ao contexto latino americano, as experiências internacionais são uma opção para tornar possível a criação de um centro conjunto de formação de pilotos de helicópteros no Brasil.

1 A estrutura curricular do curso de Estado-Maior conjunto da Escola Superior de Guerra é composta por assuntos de planejamento e emprego de forças em um contexto de Comando Conjunto. O curso tem duração de 16 semanas e conta com uma carga horária de 560 horas. Disponível em:  https://www.esg.br/cursos-regulares> Acesso em: 27 Jun. 2020.

2 Ordem de Instrução (OI) 018 de 2018 do Centro de Instrução de Aviação do Exército, OI do 1º/11º Grupo de Aviação e Norma de Instrução de Voo (NIV) 2019 do Centro de Instrução Aeronaval

3 Diário Oficial da União Nº 176, de 11 de setembro de 2012, Seção 1, página 9 e 10 Disponível em: <http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=1&data=11/09/2012&totalAr

quivos=156 > Acesso em: 27 Jun. 2020.

Fonte: o autor.

4 Excerto original: “transfer of filtered UAV data to a third party; direct transfer of live UAV data via a ground station to a remote command system; control of the onboard systems by commanders in the command system; in-flight control by the command system; and full flight control by the command system, including take-off and landing” (OTAN, 2006, p. 3). planejamento devem reconhecer essa realidade (JOINT CHIEFSS OF STAFF, 1996, p.9)

5Outras informações sobre as Operações Ágata 1 e 2 vide sítio:

http://www.defesanet.com.br/fronteiras/noticia/2806/PEF—Operacao-Agata-2-/. Acesso em: 09/06/2020.

6 Disponível em: <https://www.australiandefence.com.au/defence-suppliers-news/joint-helicopter-schoolstarts-training-at-albatross> Acesso em: 14 Set. 2019

8 Disponível em: <https://www.defensie.nl/onderwerpen/defensieacademie/leiderschap> Acesso em: 05 Nov. 2019.

9 Disponível em: <https://www.raf.mod.uk> Acesso em: 19 Jan. 2020.

10 Disponível em: <https://www.senat.fr/rap/r01-350/r01-350_mono.html#toc113> Acesso em: 13 Mar.2020.

11 Disponível em: <http://www.cdoutex.eb.mil.br/index.php/2020-noticias/431-passagem-de-funcao-dooficial-de-ligacao-do-exercito-brasileiro-junto-a-aviacao-do-exercito-frances> Acesso em: 15 Mar. 2020

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