Luiz Carlos Azedo
Jornalista, colunista do Correio Braziliense
Há três cenários possíveis para a crise política, econômica e ética, mas nenhum garante uma transição tranquila até 2018
— Para onde cavalga o senhor?
— Não o sei. Apenas quero ir-me daqui. Partir sempre,
sair daqui, apenas assim posso alcançar minha meta.
— Conheces então tua meta?
— Sim. Já disse. Sair daqui: essa é minha meta.
Esse diálogo absurdo entre um cavaleiro e seu criado é parte de um pequeno conto de Franz Kafka (1883-1924), escritor tcheco de língua alemã, intitulado A partida. Sua obra retrata as ansiedades e a alienação do homem do século XX. Kafka nasceu em Praga, que então pertencia ao império austro-húngaro, e cresceu sob as influências de três culturas: a judia, a tcheca e a alemã.
Seu estilo é marcado pelas situações absurdas. O processo, de 1925, cujo personagem principal é preso, julgado e executado por um crime que desconhece, A metamorfose (1916) e O castelo (1926) são suas obras mais traduzidas.
A partida serve de analogia para a atual situação política, um ponto sem volta. Ninguém sabe o que vai acontecer com o país até 2018. Essa incerteza é resultado de uma crise tríplice (econômica, ética e política), na qual o velho está morrendo e o novo ainda não nasceu, porém, ainda não é uma situação na qual os “de baixo” não obedecem e os “de cima” já não governam. O primeiro diagnóstico pressupõe uma saída em bases democrática; o segundo, rupturas autoritárias.
Há três cenários possíveis de evolução da crise política, econômica e ética; nenhum garante uma transição tranquila até 2018. Todos exigirão escolhas duras para a crise econômica, um pacto de governabilidade com o Congresso e um desfecho para a Operação Lava-Jato que satisfaça a sociedade. Essas variáveis hoje estão foram do controle dos seus principais atores.
“Impeachment, já!” – O primeiro cenário é a aprovação do impeachment da presidente Dilma Rousseff pelo Congresso. O desembarque anunciado do PMDB do governo aponta nessa direção. Na terça-feira, os caciques da legenda tomarão a decisão. O reposicionamento do ex-governador Sérgio Cabral e do prefeito carioca Eduardo Paes, mesmo com a realização das Olimpíadas do Rio, é resultado dos efeitos da recessão no Rio de Janeiro e da mobilização popular contra Dilma e Lula.
Supondo que vice-presidente Michel Temer assuma o poder, o grande desafio será operar a transição até as eleições de 2018, tendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma como “vítimas” de um suposto golpe e os movimentos sociais ligados ao PT radicalizando suas ações contra o indispensável ajuste fiscal. Temer é um político moderado, hábil articulador, adepto dos grandes acordos e constitucionalista respeitado. Precisará formar um governo de notáveis, conquistar apoio no Congresso e realizar um pacto com os governadores e prefeitos para administrar a crise.
“Não vai ter golpe!” – A permanência de Dilma Rousseff na Presidência é o segundo cenário. Precisa reunir mais de 171 dos 513 votos na Câmara dos Deputados. Seria o mais provável, não fosse a deterioração da situação da economia e o impacto político da Operação Lava-Jato. A radicalização política e a narrativa de que há um golpe de Estado em curso no país adotada por Dilma, porém, aumentam seu isolamento.
O PT não tem revelado capacidade de mobilização para reverter a correlação de forças no Congresso e a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Casa Civil continua sub judice, em razão de liminar do ministro Gilmar Mendes. Mesmo que venha a ser garantida pelo STF, a entrada de Lula no governo terá como consequência levar a Operação Lava-Jato para dentro do Planalto, além de transformar Dilma numa espécie de rainha da Inglaterra. Sua intenção de promover uma guinada populista na economia assusta o mercado com o fantasma da hiperinflação.
“Novas eleições!” – Com a descoberta da contabilidade paralela da Odebrecht, está comprovada a utilização de caixa dois para pagar o marqueteiro João Santana, aqui e no exterior. As informações da Lava-Jato corroboram a tese de abuso de poder econômico na campanha de reeleição de Dilma Rousseff em 2014. Quatro ações da oposição pedem a cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Uma parte da oposição, principalmente Marina Silva, presidente da Rede, defende a convocação de novas eleições, com as eleições municipais. Isso pressupõe uma decisão do TSE ainda neste ano, o que é pouco provável. Do ponto de vista institucional, eleições presidenciais e municipais simultâneas levariam a solução da crise para o leito natural, o debate eleitoral e a decisão final do eleitor. Hoje, é o cenário menos provável.