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Pedro Parente – “O destino do mundo depende da China”


JOSÉ FUCS

Ex-chefe da Casa Civil no governo FHC, Pedro Parente é hoje um dos homens mais influentes do agronegócio brasileiro. Como presidente do Grupo Bunge, maior exportador de produtos agrícolas do Brasil e um dos líderes mundiais do setor agroindustrial, Parente diz que a atual crise global poderá ter um impacto significativo nos preços das commodities no mercado externo e na economia nacional. Segundo Parente, tudo vai depender de como a China, maior comprador de soja do país e do mundo, será afetada pela redução do crescimento econômico dos Estados Unidos e da Europa. Nesta entrevista a ÉPOCA, ele diz ainda que a estabilidade das regras do jogo, muitas vezes ameaçada no país, é indispensável para atrair mais investimentos estrangeiros ao campo.

ENTREVISTA – PEDRO PARENTE

ÉPOCA – Qual é o impacto que a atual crise global pode ter nos preços das commodities, em especial dos alimentos?
Pedro Parente
– A ideia de que alguém pode ficar imune a uma situação em que os EUA e a Europa estão em crise é, no mínimo, imprudente. A questão-chave é o que vai acontecer com a demanda chinesa. A diminuição da demanda de produtos chineses nos mercados americano e europeu pode ter repercussão no crescimento econômico da China. Não que a China vá parar de crescer. Mas o crescimento pode sair de 9%, 10% ao ano para 6%, 7% – e isso terá repercussões nos preços das commodities. Mas, num horizonte de mais longo prazo, os preços das commodities serão totalmente determinados pelo crescimento da demanda, porque o que a gente vê é uma procura cada vez maior por alimentos no mundo. As restrições ocorrerão do lado da oferta, hoje limitada pela baixa disponibilidade de recursos para produção, principalmente de terras aráveis. No século passado, os preços só caíram porque foi um século definido pela oferta. Agora, não. Pelo menos na primeira metade deste século quem vai definir os preços é a demanda.

ÉPOCA – Como o Brasil, um dos maiores produtores mundiais de commodities, pode ser afetado se houver uma queda grande nos preços?
Parente –
A crise pode trazer um elemento de preocupação, sim. Se houver uma mudança na demanda chinesa que reduza muito a venda de commodities, especialmente as agrícolas, o impacto em nossas contas externas poderá ser significativo. O deficit na balança de pagamentos, que está acima de 2% do PIB, pode dobrar, dependendo do que acontecer com a China. Isso pode ter um efeito importante no crescimento brasileiro. Mas a gente não pode esquecer que nossas reservas internacionais estão acima de US$ 350 bilhões. Isso nos dará um tempo para adotar medidas de correção para atravessar as turbulências.

ÉPOCA – Qual é sua avaliação da atual política do governo para o agronegócio? O que pode ser feito para melhorar o setor?
Parente –
O maior problema é a logística, especialmente a infraestrutura. Isso pode ser adicionado ao rol de questões que têm impacto negativo nos preços. Quando você olha o estrangulamento dos portos, das ferrovias e das estradas, a situação é preocupante. Isso encarece as exportações brasileiras. O licenciamento ambiental também representa uma restrição importante ao investimento. O que acontece hoje no Brasil não ocorre em nenhum outro lugar do mundo. Muitas vezes, o Executivo até cumpre as regras do jogo. Mas aí surge uma ação no Judiciário ou uma restrição do Ministério Público. O custo ambiental em qualquer tipo de projeto fica incerto. Como brasileiro, acho muito importante olhar isso, porque é um desestímulo ao investimento.

ÉPOCA – Qual seria o impacto de uma eventual restrição às exportações de alguns produtos para beneficiar o mercado interno, que chegou a ser cogitada pelo governo no caso do açúcar, para forçar o aumento da produção de etanol?
Parente
– A manutenção das regras do jogo é uma questão fundamental. A preocupação sempre é de o governo adotar medidas que possam parecer boas no curto prazo, mas que no médio e no longo prazo têm o efeito oposto. Se o governo colocar restrições à exportação de açúcar para estimular a produção de etanol, o efeito de curto prazo pode ser bom. Como o produtor não poderá mais exportar açúcar, ele certamente vai produzir mais etanol. Só que não vai mais investir. E, no caso do etanol, o que a gente precisa hoje é de investimentos. Se o governo tomar medidas que possam desestimulá-los, vai criar um quadro de desconfiança no setor privado. Depois, se quiser reverter isso, não vai conseguir fazê-lo de uma hora para outra. O investidor está disposto a correr riscos, mas riscos do negócio, e não externos a ele, que tiram a previsibilidade de retorno do investimento.

"O produtor de Mato Grosso gasta três vezes mais com logística que um argentino ou um americano para chegar a Hong Kong"

ÉPOCA – Existe hoje certa preocupação com o fato de o país ter se tornado novamente um grande exportador de produtos primários. Muita gente acha isso ruim, porque acredita que o Brasil deveria exportar produtos industriais, de maior valor agregado. O senhor concorda?
Parente –
A gente tem de tomar certo cuidado para não achar que essas coisas são excludentes. A gente não está exportando produtos primários à custa dos produtos industrializados. Colocada dessa forma, é uma discussão equivocada. Ainda bem que a gente está exportando commodities. Imagine se a gente não tivesse commodities para exportar. O que ia acontecer com nossa balança de pagamentos? O país estaria muito pior. Acho importantíssimo para o país ter uma pauta diversificada de exportações de produtos industrializados, de um montante relevante. Agora, a discussão não pode ser ou eu tenho isso ou tenho a exportação de produtos primários. O problema básico do setor industrial brasileiro é a taxa de câmbio, além dos outros fatores relacionados ao custo Brasil. Não tenho a solução mágica. Estive no governo Fernando Henrique e sei que é muito difícil mexer com isso. O governo também está tentando, de um jeito ou de outro, resolver a questão. Agora, dito isso, a realidade é que a gente tem uma perda da competitividade dos produtos industriais feitos no Brasil por causa desse câmbio altamente sobrevalorizado. As commodities só não tiveram o mesmo problema porque houve um aumento de preços provocado pelo aumento da demanda chinesa e de outros países.

ÉPOCA – Não é possível realizar o processamento dos produtos agrícolas no Brasil, em vez de exportá-los in natura? Em vez de exportar a soja, não dá para exportar óleo de soja?
Parente
– O beneficiamento pode ser feito em qualquer lugar. A produção da soja, da matéria-prima, não. Muitos países implementam políticas que estimulam o beneficiamento no próprio país. A questão tributária é muito importante. E muitas vezes o que se observa no Brasil é que há um desestímulo aqui à produção processada. Se eu conseguisse oferecer o farelo ou o óleo de soja a um preço atraente, claro que preferiria fazer o beneficiamento no Brasil. Mas, hoje, a gente tem de montar fábricas em várias regiões do país, em vez de ter uma só. Com maior escala de produção, porque há a cobrança de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), quando os produtos vão de um Estado para o outro.

ÉPOCA – Como o produtor brasileiro consegue ser competitivo globalmente nessas condições?
Parente – As condições naturais do Brasil são excepcionais – o volume de água doce, a luminosidade. O produtor de Mato Grosso gasta três vezes mais com logística do que um produtor argentino ou americano para fazer a soja chegar a Hong Kong. Mas, mesmo com esse custo, ele consegue ser rentável porque pode colher duas safras por ano. E, no intervalo entre uma safra e outra, ele ainda planta milho de safrinha ou algodão. É um negócio extraordinário. É por isso que digo que se ficarmos discutindo se devemos produzir produtos primários ou industrializados estaremos indo pelo caminho errado.

QUEM É
Presidente do Grupo Bunge no Brasil desde janeiro de 2010. Aos 58 anos, é casado e tem quatro filhos de casamentos anteriores


ONDE ESTUDOU
É graduado em engenharia pela Universidade de Brasília (UnB)


O QUE FEZ
Foi vice-presidente executivo do Grupo RBS de 2003 a 2009. Antes, foi ministro da Casa Civil de 1999 a 2003, no governo FHC. Acumulou os cargos de ministro do Planejamento, em 1999, e de Minas e Energia, em 2002

 

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