Cláudia Trevisan
CORRESPONDENTE / WASHINGTON
Os danos provocados pela reação dos Estados Unidos aos ataques de 11 de setembro de 2001 são maiores do que os ocasionados pelos próprios atentados, nos quais quase 3 mil pessoas morreram. Além disso, o país está perdendo a guerra ao terror iniciada há 13 anos com a invasão do Afeganistão, o que se revela no aumento do número de organizações, ataques e vítimas do terrorismo.
As reflexões são de David Rothkopf, CEO e editor do FP Group, que publica a Foreign Policy, uma das mais influentes revistas sobre relações internacionais dos EUA. Em seu mais recente livro, National Insecurity: American Leadership in an Age of Fear (Insegurança Nacional: a Liderança Americana na Era do Medo), Rothkopf defende que os EUA deixem para trás a obsessão com o combate ao terrorismo e mantenham o foco em questões “mais importantes”. Para o especialista, os EUA não dão a importância devida à relação com o Brasil.
Em parte, isso reflete uma visão “alérgica a governos de esquerda”, que ainda domina a comunidade em Washington responsável por pensar políticas para a América Latina. “A realidade é que os EUA têm dificuldade em aceitar que a esquerda na América Latina é tanto legítima quanto construtiva – e é o momento de acordarmos para isso.” A seguir, os principais trechos da entrevista.
O sr. espera mudanças com a saída de Chuck Hagel do Departamento de Defesa e sua substituição por Ashton Carter?
As políticas são definidas na Casa Branca. Esse não é umgoverno que opera de maneira colaborativa e isso não vai mudar. Ashton Carter vai enfrentar as mesmas pressões que Hagel enfrentou. A Casa Branca quer que ele comande uma guerra, mas não vá muito longe. Os militares não gostam de lutar guerras pela metade e ele acabará sendo um amortecedor entre militares frustrados e uma Casa Branca ambivalente, quase sempre intransigente e difícil.
O sr. se refere à guerra contra o Estado Islâmico (EI)?
Sim, a guerra no Iraque e na Síria vai dominar sua atenção. Ele também terá de cuidar da retirada do Afeganistão enquanto o Taleban realiza incursões importantes em cinco ou seis províncias. Não é um momento fácil para ser secretário de Defesa.
Com o avanço do Taleban no Afeganistão e a emergência do EI no Iraque os EUA podem dizer que ganharam as guerras iniciadas há 13 anos?
Certamente, não. Nós iniciamos uma guerra ao terror no governo (George W.) Bush e hoje temos mais grupos terroristas, mais ataques e mais vítimas do que nunca, segundo o Departamento de Estado. Não estamos ganhando.
É por isso que o sr. diz em seu mais recente livro que a reação ao ataque de 11 de Setembro provocou mais danos do que o ataque em si?
Sim, nos custou US$ 3 trilhões, alienou nossos aliados e desestabilizou uma região importante, o que aumenta a probabilidade de que os custos sejam ainda maiores no futuro. E não estou nem falando das consequências morais ou políticas de Guantánamo, Abu Ghraib e a tortura. Porque todas essas coisas negativas aconteceram, (Barack) Obama reluta em agir e se envolver, o que piora a situação. Quando olharem para esse período da história, as pessoas dirão: “O pós-11 de Setembro foi um período em que os EUA foram malsucedidos na maioria das frentes de sua política externa”.
O sr. afirma que é o momento de os EUA deixarem a “Era do Medo” para trás. É possível fazer isso com a emergência do EI?
Sim, se nosso objetivo for reordenar nossas prioridades. Isso não significa que eliminaremos nossa atenção ao terrorismo. Significa que reconheceremos que as questões mais importantes estão relacionadas à emergência de novos poderes, como China, Índia e Brasil, ao clima, a como tornar a economia mais competitiva e como enfrentar novas ameaças, como ataques cibernéticos.
A atuação do presidente Obama na política externa contribuiu para a derrota sofrida pelo Partido Democrata nas eleições de meio de mandado?
O importante era o baixo índice de aprovação do presidente. E muito da percepção de que ele não é um presidente forte está relacionado a como ele administra a política externa. De maneira indireta, a política externa, como medida da confiança no presidente, foi extremamente importante para moldar o debate.
Existe a percepção de que Obama é fraco?
Esse é o sentimento generalizado em uma série de questões, seja (Vladimir) Putin entrando na Crimeia ou a declaração de que (Obama) iria atacar a Síria e o recuo posterior ou a relação com o Egito, onde nós tomamos uma posição e depois outra. E na Líbia, onde entramos e saímos rapidamente, deixando o país em completa desordem. Todas tiveram efeito negativo sobre o presidente.
Qual é a percepção nos EUA em relação ao Brasil?
Os EUA têm uma relação comercial boa com o Brasil. Os inimigos de uma melhor relação incluem a ausência de capacidade institucional, a falta de novas ideias e o desinteresse em ter essa discussão. Uma das coisas que os EUA têm de fazer na medida em que se movem de uma mentalidade G-7 para uma mentalidade G-20, de uma mentalidade que lida com os poderes estabelecidos para uma que lida com poderes emergentes, é repensar a relação com o Brasil e se engajar com o Brasil.
Qual o grau de desconforto nos EUA em relação a posições do Brasil que divergem das de Washington em temas internacionais como Síria e Ucrânia?
Há desconforto, mas as complicações não são nada se comparadas às complicações da relação entre EUA e China – e os EUA estão se desdobrando para fazer com que essa relação seja bem-sucedida, ainda que seja umpaís comunista, autoritário, com recorde negativo em direitos humanos e interesses totalmente diferentes dos nossos na região Ásia-Pacífico. Nós reconhecemos que quando se trata de grandes potências, a coisa madura a fazer é identificar áreas de cooperação, focar nelas e lidar com as questões em relação às quais há diferença. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o melhor exemplo, mas também há Michelle Bachelet, no Chile, (Rafael) Correa, no Equador e o Uruguai. A realidade é que os EUA têm dificuldade em aceitar que a esquerda na América Latina é tão legítima quanto construtiva e é o momento de acordarmos para isso.
O BRICS avançou neste ano com a criação de seu banco de desenvolvimento. O grupo pode representar um contraponto à influência americana?
Poderia ser. O conceito do BRICS é frouxo. A China não tem boa relação com a Índia, a Rússia não se dá bem com ninguém, o Brasil tem interesses muito diferentes dos demais e agora temos a África do Sul, que não é um grande país. Mas o banco do BRICS teve uma mensagem importante. Era inevitável o surgimento de novas instituições no mundo emergente. A estrutura de poder do mundo está mudando. No fim, as alianças e as instituições vão mudar para se adaptar a isso. Estamos em um divisor de águas em que instituições têm de ser redesenhadas tanto em termos de quem tem poder quanto em qual é a nova geração de questões a serem discutidas e quem está em melhor posição para tratar delas.