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Voo sem sustos

Paloma Oliveto

Ela é o terror dos passageiros. E nem adianta dizer que turbulência não derruba avião: basta as primeiras chacoalhadas para que boa parte dos viajantes comece a meditar, rezar ou perseguir os comissários com os olhos, na esperança de que tudo esteja bem. Apesar de, no geral, os riscos serem mínimos, esse é um problema sério. Além do desconforto aos ocupantes da aeronave, há o prejuízo financeiro. Avarias, gastos com combustível e desvios de rota, por exemplo, consomem, anualmente, US$ 150 milhões das companhias aéreas, de acordo com um estudo da Universidade de East Anglia, no Reino Unido.

Munidos de boletins meteorológicos e com a informação dos radares que identificam a presença de gelo, água e granizo, representadas na tela por pontinhos de diferentes cores, os pilotos costumam evitar as turbulências. Uma delas, porém, é imperceptível, por não depender da formação de nuvens. Trata-se da turbulência de céu claro, considerada a mais perigosa, justamente porque, como o nome sugere, não há nada que indique sua presença. Um estudo desenvolvido pelo piloto e meteorologista brasiliense Ivan Bitar, porém, pode dar origem a uma ferramenta para detectá-la.

Aos 15 anos, Ivan viajava de Brasília para Belém, quando, ao sobrevoar Palmas, o avião sofreu uma turbulência de céu claro. O comissário de bordo caiu em cima do jovem. “As bebidas foram todas para o chão. Foi o maior susto que tive em um voo”, conta. Naquele momento, surgiu a curiosidade de entender por que, mesmo em condições aparentemente favoráveis, a aeronave havia se desestabilizado. Antes de se formar piloto, Ivan se graduou em meteorologia, ciência que respondeu suas dúvidas sobre fenômenos como as turbulências. Mas ele queria se aprofundar nesse tema e decidiu pesquisá-lo no mestrado, cursado no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos (SP).

O ineditismo do tema chamou a atenção da orientadora de Bitar, a professora Maria Paulete Pereira Martins. “Foi uma proposta bem original. A turbulência decorrente de uma tempestade pode ser prevista, mas, no caso de céu claro, não. A aviação civil tem crescido muito e, por questões de segurança, é importante tentar desenvolver um modelo de previsão desse tipo de turbulência”, avalia a pesquisadora do Inpe. O trabalho Climatologia e estudo de caso da turbulência de céu claro a partir de registros de aeronaves: análise de dados observacionais e de modelagem é, de fato, o primeiro sobre o tema produzido no Brasil. No resto do mundo, existem estudos em curso, para se chegar a métodos de detecção.

Levantamento

Na tentativa de compreender melhor o fenômeno e avaliar meios de prevê-lo, o meteorologista foi atrás de um banco de dados contendo mais de 5,3 mil informações produzidas nos últimos 10 anos por pilotos que sobrevoaram o Centro-Sul do país. Quando enfrentam uma turbulência, os comandantes devem informar o pessoal de terra sobre o incidente. O conjunto de relatos, armazenados no Centro Nacional de Meteorologia Aeronáutica, forneceu um quadro detalhado das ocorrências, incluindo localização geográfica, horário, altitude, período do ano, sazonalidade e intensidade das turbulências de céu claro.

O mapeamento revelou que maio, junho e julho são os meses com maior frequência, enquanto janeiro, fevereiro e março têm as menores ocorrências do tipo. “Na análise sazonal, no inverno é quando mais acontecem as turbulências de céu claro, seguido-se o outono. Nessa estação, há mais frentes frias e, atrás delas, sempre vêm as correntes de jato”, explica Bitar.

Para o alívio dos passageiros, o estudo mostrou que, em 43,6% das vezes, a turbulência foi leve. Apenas 2,7% foram consideradas severas, e nenhuma entrou na categoria extrema. Essa última é basicamente hipotética: seria a única capaz de derrubar um avião comercial. Contudo, não há registros históricos desse tipo de turbulência.

As severas são aquelas em que os passageiros e tripulantes podem morrer. Não pela queda do avião, mas por serem deslocados com tanta violência que chegam a colidir com o teto. A faixa de horário em que elas mais aconteceram foi das 9h às 21h, o que não surpreende, por ser o período em que há mais voos comerciais. Regiões montanhosas, como o sul de Minas e as serras de Rio, São Paulo e Paraná foram as que registraram mais ocorrências, assim como localizações acidentadas do Centro-Oeste.

Estudo de caso

Em 3 de junho de 2013, viajantes de três voos distintos passaram por um forte susto quase simultaneamente: às 17h12, 17h26 e 17h36. Quando os aviões em que embarcaram sobrevoavam o espaço entre São Paulo e Curitiba, eles foram surpreendidos por uma turbulência severa. O dia estava claro e não havia sinal de nuvens no céu. Essa ocorrência foi um prato cheio para a pesquisa de Ivan Bitar, que, a partir dela, fez um estudo de caso, na segunda parte da dissertação de mestrado.

Munido de mapas, imagens de satélite, cartas de vento e de altitude, entre outros dados, o meteorologista e piloto investigou quais dos três índices de turbulência existentes teria conseguido prever essa forte turbulência de céu claro. “Esses índices são equações físicas e matemáticas que descrevem a dinâmica de funcionamento da turbulência. Elas possuem diversos parâmetros físicos que descrevem matematicamente o comportamento da turbulência numa determinada região da atmosfera”, explica Bitar. Ele embutiu os dados em um programa de computador, que fez os cálculos e concluiu que um desses índices, o Ellrod II, foi mais preciso, conseguindo detectar a turbulência do estudo de caso escolhido pelo pesquisador.

O resultado da pesquisa mostra que o desenvolvimento de um sistema capaz de utilizar o Ellrod II para processar informações climatológicas poderia fornecer uma previsão precisa das temidas turbulências de céu claro. “O estudo é o primeiro no Brasil a dar uma visão geral do mecanismo de formação dessa turbulência e a fornecer uma ferramenta para detectá-la”, diz Bitar.

Tranquilizar

Apesar de ter deixado as bases científicas para quem, por exemplo, quer se aventurar na criação de um programa que informe os comandantes com antecedência sobre as temidas turbulências invisíveis, esse não é o foco atual do brasiliense, que pretende se dedicar à aviação comercial. Bitar também dá cursos de turbulência para companhias aéreas, com o objetivo de esclarecer os pilotos sobre esse fenômeno. Uma crítica que ele faz aos colegas é o fato de não tranquilizarem os viajantes no momento em que o avião começa a balançar. “Quando eu for piloto comercial, vou fazer questão de explicar aos passageiros o que é uma turbulência quando enfrentar uma”, promete.

À medida que estudos preveem um aumento na incidência de turbulências associado às mudanças climáticas, nos Estados Unidos, no Japão e na Europa pesquisadores também investigam o desenvolvimento de ferramentas e radares capazes de prever as turbulências de céu claro. Uma dessas tecnologias está sendo testada pelo Centro Aeroespacial Alemão e consiste em um equipamento a laser que pode ser instalado na aeronave. O aparelho emite radiação ultravioleta de onda curta e captura flutuações na densidade das moléculas que compõem o ar.

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