JULIO WIZIACK
SÃO PAULO – Alvo da Lava Jato, o projeto do submarino nuclear brasileiro despertou novas suspeitas. A desconfiança agora está na proposta de criação de uma empresa pela Odebrecht e a AMAZUL, companhia de projetos da Marinha.
Batizada de PRÓTON, ela seria controlada pela ODT (Odebrecht Defesa e Tecnologia), braço de defesa da Odebrecht. A estatal AMAZUL ficaria como minoritária. A ideia era dar agilidade nas contratações e evitar que a empresa tivesse milhares de funcionários.
Por outro lado, o contrato prevê que a controlada da Odebrecht fique com parte das patentes caso a parceria seja desfeita.
A proposta, que está para ser definida pelo Comando da Marinha, reproduziu o modelo da Sete Brasil, companhia que construiria e alugaria sondas de exploração de petróleo formada por investidores privados e com a Petrobras como sócia minoritária — e que, pega na Lava Jato, está em recuperação judicial.
Na Próton, o plano era parecido. Além de ser fornecedora exclusiva da AMAZUL, todos os projetos de sistemas ligados ao submarino seriam de propriedade da nova companhia, e não da AMAZUL.
Se a PRÓTON fosse desfeita ou se a ODT vendesse sua parte, levaria consigo a maior parte dessa tecnologia — com exceção do reator, que compete à Marinha — segundo acordo de acionistas e estatuto da companhia, entregue à Amazul em 2014.
MONOPÓLIO
A Odebrecht queria uma empresa robusta de defesa. Seu modelo era a francesa DCNS, parceira na construção dos submarinos.
A PRÓTON venderia para Forças Armadas e atuaria no mercado civil com serviços como controle de plataformas de petróleo. A empresa planejava faturar US$ 1 bilhão ao ano.
Inicialmente, o conselho da estatal concordou com as negociações, mesmo diante dos questionamentos do representante do Ministério do Planejamento e de membros do conselho. As discussões, porém, ficaram mais intensas com o envolvimento da Odebrecht na Lava Jato.
Críticos à proposta solicitaram a retirada de cláusulas que garantiam à Odebrecht o monopólio da área de defesa no Brasil. A empreiteira resistiu; disse que os detalhes já tinham sido acertados e que não faria sentido ter várias empresas no setor.
Os argumentos não convenceram os representantes mais resistentes do conselho. Foram propostas alterações contratuais, retirando a cláusula de exclusividade e a da propriedade intelectual.
A Odebrecht recebia a versão dos contratos e, por três vezes, devolvia assinada a versão original, "pegadinha" que irritou a Amazul e a fez contratar um escritório de advocacia especializado em acordos de acionistas.
Chegou-se a acordo prevendo retirada da cláusula de exclusividade e trava na propriedade intelectual. Mesmo assim, ainda se prevê a partilha das patentes em caso de dissolução da empresa.
A Folha apurou que a francesa DCNS também seria sócia na PRÓTON. Na França, a empresa criou uma tecnologia para o reator nuclear do submarino e se tornou parceira do Brasil após acordo assinado, em 2008 pelos presidentes Nicolas Sarkozy e Luiz Inácio Lula da Silva.
Em 2009, foram assinados os contratos para a construção de quatro submarinos convencionais e um nuclear.
O preço de partida foi de 6,7 bilhões de euros (R$ 25,9 bilhões atualmente), o maior contrato militar da história, para que o Brasil fosse um dos seis no mundo a contar com um equipamento desses.
A DCNS condicionou sua entrada no negócio à contratação da Odebrecht como parceira. Caberia à empreiteira a construção da base naval de Itaguaí (SC) por 1,7 bilhão de euros (R$ 6,6 bilhões).
A Polícia Federal suspeita de irregularidades na execução do programa de submarinos na Marinha.
Não houve licitação, o que provocou críticas à época. Até então, o Brasil vinha desenvolvendo submarinos com tecnologia alemã, vista por especialistas superior à dos franceses.
A DCNS ainda é acusada de propina em negócios envolvendo os mesmos submarinos para Índia e Malásia.
Outro lado
Construtora não terá tecnologia, diz estatal
AMAZUL afirma que proposta de braço da Odebrecht foi alterada para atender interesses da Marinha brasileira
SÃO PAULO – A AMAZUL, companhia de projetos da Marinha, afirmou que o conselho de administração aprovou a parceria com a Odebrecht após discussões que modificaram o acordo de acionista, apedido da estatal, com o qual a empreiteira concordou plenamente. A Marinha não se decidiu sobre o assunto porque ainda depende de parecer de outros ministérios, mas poderá se basear em decisões e sentenças do Poder Judiciário.
A AMAZUL confirmou que a ODT apresentou a minuta inicial do acordo de acionistas, como revelado pela Folha. A reportagem já tinha solicitado o documento via Lei de Acesso à Informação, mas a empresa se recusou a entregá-lo porque o "processo decisório está em curso".
"A proposta da ODT foi reformulada de acordo com os interesses da AMAZUL e da Marinha", disse, em nota.
Também foi confirmada pela Amazul que a proposta inicial previa exclusividade na prestação de serviços para o governo brasileiro.
"Essa pretensão não foi aceita porque viola a Lei de Licitações", disse.
A empresa negou que essas mudanças tenham sido feitas em decorrência da Lava Jato e disse que a demora pela decisão se deve à cautela da Marinha, que está analisando "os aspectos de oportunidade em face da conjuntura atual".
A AMAZUL afirmou que a legislação prevê que a estatal possa participar como acionista minoritária de outras empresas para atuar como "empresa de fomento à Base Industrial de Defesa".
Diferentemente do que pensava o representante do Ministério do Planejamento na AMAZUL, a estatal não considera que a Próton seria uma concorrente. "Muito pelo contrário. Espera-se que ela seja complementar, porque seria uma empresa privada atuando no mercado de defesa de forma ágil e flexível."
A AMAZUL seria um dos sócios, colaborando para o "desenvolvimento de tecnologias e gerenciamento de projetos e processos necessários ao Programa Nuclear Brasileiro, o Programa Nuclear da Marinha e o do Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB)".
A empresa reafirma que as atividades nucleares não serão objeto da Próton, o que é vedado pela Constituição a empresas privadas. "Em nenhum momento, a AMAZUL decidiu abrir mão da posse da tecnologia do submarino nuclear. A Odebrecht foi informada, desde o início, de que não haveria transferência de tecnologia nuclear e nem de propriedade intelectual da tecnologia nuclear da Marinha para a PRÓTON."
A Odebrecht e o Comando da Marinha não comentaram.
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