69ª Reunião Anual SBPC
Universidade Federal de Minas Gerais
Centro de Comunicação
Para garantir a soberania nacional, é imprescindível que o Brasil desenvolva o seu primeiro submarino de propulsão nuclear – mesmo levando-se em conta os inéditos investimentos demandados por um empreendimento desse porte.
A defesa do projeto foi feita em conferência, na manhã desta segunda-feira, 17, pelo comandante José Augusto Abreu de Moura, capitão de mar e guerra reformado da Marinha do Brasil, no segundo dia da Reunião Anual da SBPC.
Na conferência Submarino nuclear e desafios estratégicos do Brasil, sediada na Faculdade de Ciências Econômicas e mediada por Regina Pekelmann Markus, professora da USP, o comandante alertou: para um país com as fronteiras marítimas do Brasil, um submarino nuclear não é luxo, e sim necessidade. “Um país como o Brasil não pode ter uma Marinha barata”, disse.
O comandante – que também é instrutor da Escola de Guerra Naval (EGN) – explicou as particularidades brasileiras que embasam a sua afirmação.
“O Brasil não tem uma geografia litorânea que favoreça a defesa militar. Aqui, um atacante tem várias opções de objetivo e várias direções de aproximação”, disse, comparando a nossa situação com a China.
Apesar de também deter grande território, a China tem um litoral permeado por ilhas e por outras configurações geográficas que favorecem a defesa apenas por meio de submarinos tradicionais e de outras modalidades de embarcações.
Isso não ocorre no litoral brasileiro, que é amplo e completamente livre para o Atlântico. Doutor em Ciências Políticas pela Universidade Federal Fluminense, o comandante detalhou as diferenças entre o submarino convencional e o submarino nuclear que tornam o segundo, apesar de seu custo mais elevado em relação ao primeiro, estratégico e necessário para o Brasil.
“Um submarino convencional atua como uma espécie de ‘campo minado móvel’, que precisa saber onde seus possíveis alvos vão estar – e estar perto – para servir de ameaça. Já o submarino nuclear atua como navio invisível muito poderoso, que pode causar ameaça em praticamente todo o Atlântico”, disse.
Isso é possível porque submarinos nucleares têm plena autonomia. Diferentemente dos convencionais, nunca precisam emergir para recarregar e podem navegar o tempo todo à máxima potência.
Em razão disso, explicou o comandante, os nucleares são bem mais difíceis de serem detectados, sendo estratégicos para a “guerra de movimento” que uma costa ampla como a brasileira pressupõe.
Riscos reais
Em sua conferência, o comandante José Augusto Abreu de Moura lembrou que não é preciso estar em guerra para ser necessário ostentar um mínimo poder bélico de defesa nacional.
O principal indicativo disso são as plataformas de petróleo brasileiras, que, apesar de extremamente estratégicas para a soberania e para a economia nacional, são por natureza vulneráveis, já que estão localizadas em alguns casos a mais de 300 quilômetros da costa.
“As plataformas de petróleo são objetivos claros de destruição em um cenário de conflito aberto, mas são também objetivos convidativos para coerção: em contextos de crise, pode-se plantar uma força naval em seu entorno para tentar obrigar o Brasil a fazer algo que o país não quer, como assinar algum acordo desfavorável”, afirmou o comandante.
Ele ilustrou sua argumentação com o exemplo da “Guerra da Lagosta”, encenada por Brasil e França nos anos 1960. “Naquela ocasião, os pesqueiros franceses vinham pescar lagostas na costa brasileira. O Brasil protestou, depois aceitou e posteriormente negou outra vez, em atendimento ao protesto dos pescadores brasileiros, especialmente os do Nordeste.
A Marinha Francesa enviou um navio de guerra para escoltar os pescadores franceses”, lembrou o comandante, citando o acirramento de ânimos deflagrado pelo imbróglio.
“A Marinha Brasileira também precisou mandar seus navios, e quase se chegou a um cenário de enfrentamento – mesmo em se tratando da França, um país amigo, que agora mesmo está nos ajudando com o submarino nuclear.”
“A defesa ideal [de uma costa como a brasileira] seria o controle de toda a área marítima, ou seja, manter navios patrulhando toda a costa, mas isso nem mesmo a maior marinha do mundo teria como fazer”, ponderou.
Nesse sentido, explica o comandante, a solução é promover a negação do uso do mar em grande área, por meio do emprego associado de submarino nuclear e submarinos convencionais – além de outros tipos de embarcação.
“Se tivermos um submarino nuclear, ele pode ameaçar alguma força naval estrangeira – mesmo que seja uma força naval poderosa – e contrabalançar a situação.”
No momento, a construção de um submarino nuclear de ataque (SNA) brasileiro está na etapa de projeto executivo, mas encontra resistência, segundo o comandante, tanto no governo quanto na sociedade, que ainda não tomaram plena ciência da necessidade estratégica do empreendimento.
Fotos: Carol Prado / UFMG