José Maria Tomazela
O protótipo em terra do submarino nuclear brasileiro projetado pela Marinha ficará pronto em pouco mais de três anos. As obras do prédio onde o modelo em tamanho natural está sendo montado foram apresentadas nesta quarta-feira, 16, a jornalistas pelo Almirante André Luis Ferreira Marques, diretor de Desenvolvimento Nuclear da Marinha, em Iperó, no interior de São Paulo.
O projeto consumiu US$ 2,5 bilhões (cerca de R$ 10 bilhões) nos últimos 40 anos. Outros R$ 2,2 bilhões serão investidos até dezembro de 2021, quando o submarino “terrestre”, equipado com o reator nuclear, entra em funcionamento a 200 quilômetros do mar. A versão definitiva, que vai para o oceano, no Rio de Janeiro, só ficará pronta entre 2028 e 2030.
Na avaliação do almirante, as crises econômicas vividas pelo País afetaram mais o projeto do que a Operação Lava Jato, que levou à prisão um dos idealizadores do programa, o ex-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, por denúncia de corrupção na Eletronuclear, que ele dirigiu após passar para a reserva na Marinha, em 2005. Othon, que sempre negou as acusações, foi libertado em 2017, graças a um habeas corpus.
“O TCU (Tribunal de Contas da União) acompanha o projeto desde o início e nunca tivemos problema desse tipo aqui. Quando vimos algo errado, abrimos sindicância e até inquérito militar, mas não deixamos avançar”, afirmou Marques.
As obras do estaleiro da Marinha em Itaguaí (RJ) também têm participação da Odebrecht, uma das empresas que foram alvo da Lava Jato. A empreiteira, no entanto, não realizou obras em Iperó.
De acordo com Marques, o programa sofreu grande contingenciamento financeiro entre 1997 e 2007, mas nunca parou. Na época, houve redução de 50% no número de funcionários. No ano passado, o projeto foi afetado indiretamente pela crise, que levou à insolvência muitas empresas fornecedoras de equipamentos e insumos.
Avanço. A conclusão do modelo em terra do submarino equipado com reator nuclear construído no Brasil será o segundo grande avanço do programa nuclear da Marinha. O primeiro ocorreu na década de 1980, com o domínio do enriquecimento de urânio – o combustível do submarino.
O marco foi a inauguração, em abril de 1988, da Usina Almirante Álvaro Alberto, pelo então presidente José Sarney, na presença do presidente da Argentina na época, Raúl Alfonsín. Os 30 anos da inauguração da usina de enriquecimento de urânio serão lembrados no dia 8 de junho, com uma visita dos presidentes atuais dos dois países, Michel Temer e Mauricio Macri, ao Centro Tecnológico da Marinha, em Iperó.
Os chefes de governo irão conhecer as obras do Laboratório de Geração de Energia Núcleo Elétrica (Labgene), onde o modelo padrão do submarino está sendo montado em ritmo acelerado. “Estamos tocando ao mesmo tempo as obras civis e a montagem do protótipo com o reator. O Labgene tem de ficar pronto primeiro, para que possamos qualificar o projeto do submarino que será construído no complexo naval de Itaguaí ”, disse o almirante.
O prédio tem paredes com 33 metros de altura e já abriga parte do casco do submarino – um cilindro de aço com 10 metros de diâmetro que terá cerca de 70 metros de comprimento. A escala do protótipo é de um metro por um, ou seja, o modelo em terra será similar ao que vai navegar.
O compartimento que abrigará o reator é considerado instalação nuclear e segue normas para licenciamento pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). O conjunto de turbinas e o freio dinamométrico já estão instalados. A base para o motor elétrico de propulsão, de 7,4 megawatts, também está pronta. O próprio equipamento está em testes em laboratório vizinho.
Conforme o almirante, todos os componentes do reator nuclear já foram testados individualmente. O início da montagem está previsto para este ano. “É similar ao que vai equipar o submarino e será testado aqui antes.”
ANÁLISE: Meta do programa nuclear brasileiro é expandir conhecimento
Roberto Godoy
O programa nuclear da Marinha do Brasil é mais antigo que os 30 anos comemorados a partir da inauguração oficial do Centro Aramar, em Iperó, interior de São Paulo. O projeto começa bem antes, nos anos 70, ainda na sombra dos selos de “paralelo” e “secreto”, sob os quais se abrigava a pesquisa, ainda de viés estritamente militar.
Alternativa ao caro e ineficiente acordo bilateral firmado em 1975 com o governo da Alemanha pelo então presidente Ernesto Geisel, o empreendimento, feito oficial e público pelo ex-presidente José Sarney, tem sido bem-sucedido.
A rigor, acumula conhecimento sensível suficiente para dar ao País a capacidade de produzir armas nucleares – das quais o Estado brasileiro abdicou na Constituição de 1988 por meio de uma cláusula pétrea (artigo 21, inciso XXIII) – em tempo relativamente curto, coisa de um ou dois anos a contar de um eventual sinal verde.
As tecnologias que o Brasil adota permitiram o controle de todo o complexo ciclo do enriquecimento de urânio, uma forma de separar partículas atômicas usando máquinas de ultracentrifugação avançadas, criadas por especialistas da Marinha.
A meta do programa, além de suprir a demanda dos futuros submarinos de propulsão nuclear da frota naval, é expandir a investigação científica independente nesse campo, facilitando o fornecimento de isótopos para uso em medicina e a construção das ultracentrífugas empregadas na produção de combustível para os reatores das usinas geradoras de energia.
O projeto, talvez, seja a única iniciativa do gênero no mundo operada por uma organização militar que é submetida às inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), de Viena, e da Comissão Nacional de Energia Atômica (CNEN), ambas entidades civis.