Primeiro-Tenente (RM2-T) Luciana Santos de Almeida
O Brasil possui em sua jurisdição uma área oceânica com cerca de 5,7 milhões de km2, que é fundamental para a economia do País. Esse extenso espaço marítimo dispõe de grande diversidade de recursos naturais, a exemplo de pescados, bem como riquezas minerais e energéticas, incluindo fosfato, hidratos de gás e petróleo.
Geralmente, as pessoas associam o mar a lazer e férias – e de fato, o turismo faz parte –, mas nem todos se dão conta da importância econômica de todas essas atividades que envolvem, ainda, transporte marítimo, pesca e aquicultura, indústria naval e esportes náuticos.
Nesse contexto, surge a necessidade de calcular a contribuição do oceano para a economia do Brasil, ou seja, o “PIB do Mar”. Esse total corresponderia a cerca de 19% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, sendo 2,6% oriundos de atividades diretamente relacionadas ao mar e 16,4% das atividades indiretamente relacionadas, de acordo com a Tese de Doutorado da professora Andréa Bento Carvalho, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, que realizou o primeiro estudo científico sobre o valor da contribuição do mar para a economia do País, propondo uma metodologia para esse fim.
A professora também é uma das organizadoras de um inédito livro acadêmico coordenado pela Diretoria-Geral de Navegação (DGN). Intitulado “Economia Azul como vetor do Desenvolvimento Nacional”, a obra trará discussões sobre conceitos; governança; ciência; tecnologia e inovação; e debates econômicos para uma economia próspera do mar no Brasil.
“O Brasil não possui dados e estatísticas específicas para a contabilização e contribuição econômica dos recursos ofertados pelo mar. Mais simplificadamente, não há nas contas nacionais brasileiras distinção entre indústrias marinhas e não marinhas, de tal forma que a economia do mar, ou ‘PIB do Mar’, como é chamado em alguns países, não é estimada”, afirma a Doutora Andréa Carvalho na tese “Economia do Mar: conceito, valor e importância para o Brasil”.
No País inexiste, até o momento, uma metodologia oficialmente reconhecida para o cálculo do “PIB do Mar”, não sendo possível, assim, quantificar, de forma metódica, uniforme, contínua e perene, o valor gerado pelo somatório das atividades ligadas ao mar. Por isso, foi criado em 2020 o Grupo Técnico “PIB do Mar”, no âmbito da Subcomissão para o Plano Setorial para os Recursos do Mar (PSRM) da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar e coordenado pelo Ministério da Economia, para definir o conceito “Economia do Mar” para o Brasil, e identificar os setores e atividades que integram e/ou contribuem para a Economia Azul.
Além disso, visa elaborar metodologia que permita mensurar o “PIB do Mar”, contribuindo para o acompanhamento estatístico regular de sua evolução e apresentar sugestão para sua institucionalização, no âmbito do Governo Federal.
De acordo com o Subsecretário de Planejamento Governamental do Ministério da Economia e Coordenador do Grupo Técnico “PIB do Mar”, Fernando Sertã Meressi, a equipe do GT está efetivamente trabalhando desde fevereiro de 2021, quando todos os representantes do Grupo foram indicados, inclusive os do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), instituição central para a efetivação desse trabalho.
“O GT está previsto para terminar em julho de 2022, mas muito provavelmente precisaremos de mais prazo, devido à complexidade do trabalho. Nosso objetivo é termos a metodologia pronta em 2022”, afirmou.
O subsecretário explicou que a tese da professora Andréa é uma importante referência para o GT, porém, o Grupo Técnico pretende seguir metodologia diferente. Junto com o IBGE, preferiu não utilizar essa metodologia, pois seria um método mais complexo e que demandaria prazo mais longo, informou Meressi.
Em contrapartida, o método que o GT está utilizando é a computação do valor adicionado calculado pelo IBGE, referente a cada atividade econômica que contribui de forma relevante para o “PIB do Mar”, seja de forma total ou parcial. No caso de a atividade contribuir parcialmente será utilizado um critério de rateio, esclareceu o coordenador do GT. Por exemplo, nem todo o setor hoteleiro do País contribui para o “PIB do Mar”.
Assim, será necessário ter um critério de rateio para considerar apenas a parte referente ao turismo de sol e praia, disse Meressi, que também afirmou que, por enquanto, não há estimativa do número/percentual que resultará do estudo do Grupo Técnico. “Hoje, o que temos são os 19% calculados na pesquisa da professora Andréa, que são válidos, pois resultaram de uma tese de doutorado, mas não são números oficiais. O número oficial será o do IBGE”, acrescentou.
Principais dificuldades de mensuração
De acordo com Meressi, são duas as principais dificuldades de mensurar o “PIB do Mar”. “A primeira se deve ao fato de as contas nacionais não fazerem este recorte, se a produção ocorreu no mar, ou fora dele. É o exemplo da exploração de petróleo e gás natural. Nas contas nacionais não aparece onde o petróleo foi extraído, se na terra ou no mar”, comparou.
O subsecretário também apresentou outros exemplos como a Gestão de Portos e Terminais, cuja contribuição para o “PIB do Mar” é parcial, pois há portos marítimos e fluviais. “Logo, é preciso um critério de rateio. Este é o trabalho que o grupo está fazendo no momento”, esclareceu.
A segunda dificuldade refere-se à ausência de estatística recente sobre o valor da pesca, ou seja, para se ter um valor mais preciso é necessário ter esses registros. A Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP), do Ministério da Agricultura, está realizando um trabalho para apurar a produção de pescado no País. A SAP, inclusive, possui representante no Grupo Técnico.
Desafios da Economia Azul
A importância econômica do espaço marítimo não é uma exclusividade do Brasil. Estudos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicam que, até 2030, é previsto um crescimento anual de 3,5% para as indústrias globais baseadas nos oceanos, com perspectiva de geração de milhões de empregos.
Também segundo projeções da OCDE, a demanda pelo comércio marítimo triplicará entre 2015 e 2050, respondendo os navios por mais de 75% do transporte global de carga.
O Diretor-Geral de Navegação da Marinha do Brasil, Almirante de Esquadra Wladmilson Borges de Aguiar, explica que a Economia Azul surge a partir da necessidade de garantir a sustentabilidade ambiental e ecológica dos oceanos e mares, ao mesmo tempo em que há o crescimento da economia do mar.
“Se por um lado, essa dinâmica instrumenta o uso dos recursos vivos e não vivos em benefício do desenvolvimento, por outro, acarreta crescente preocupação com a saúde dos oceanos, principalmente para assegurar que as futuras gerações também possam usufruir os preciosos recursos neles existentes”, pontuou.
Nesse contexto, um desafio que se apresenta é a implantação de modelos de atividade econômica em arranjos produtivos locais (clusters), os quais podem servir como mecanismos catalisadores do desenvolvimento, complementa o Diretor-Geral. “Formar um cluster marítimo significa agrupar indústrias, empresas, instituições (governo, órgãos de classe, universidades), serviços e atividades ligadas à Economia Azul para fomentar o desenvolvimento da área, preservando o meio ambiente”, explicou.
O Almirante Borges destaca que a Economia Azul vem se mostrando cada vez mais participativa na geração de divisas para o País. “Essa realidade reforça a necessidade de investimento contínuo nesse setor em acordo com as premissas de soberania de um país, no escopo de que tão relevante quanto um Poder Naval pronto é um Poder Marítimo pujante e adequado às ambições econômicas e políticas de um Estado”, afirmou.
Publicação de documento
Esse assunto foi tema de estudo consolidado em uma publicação lançada pela fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em fevereiro deste ano. O trabalho ressalta a importância de mensurar de maneira contínua e sistemática o “PIB do mar” brasileiro, por intermédio de metodologia específica, bem como identificar as motivações para essa iniciativa. Para baixá-lo, basta acessar o site do IPEA.