Tahiane Stochero
Elas não são grandes nem fortes. São pequenas, discretas e delicadas. Não se esquecem do batom e, com unhas caprichosamente pintadas de vermelho, seguram com mãos firmes um Boeing de até 79 toneladas.
Números da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) mostram o crescimento do número de mulheres que procuram o mercado aéreo. Em 2009, foram expedidas 44 licenças para pilotos do sexo feminino: 35 delas conseguiram licença de piloto privado e outras 8 de comercial. Apenas uma obteve a habilitação para comandante de uma linha aérea.
O número duplicou em 2010, quando foram expedidas 86 licenças para mulheres: 56 novas de piloto privado, 24 de comercial e 6 de linha aérea, para a qual são necessárias 1.500 horas de voo. Em relação ao ano anterior, a tendência é que 2011 termine com um novo recorde.
A comandante Joana Moojen, de 30 anos, recém-promovida ao posto e com mais de 3 mil horas de voo, decolou de São Paulo com destino a Brasília na tarde de quarta-feira (19) tendo a seu lado a copiloto Juliana Campos, de 30 anos, em uma das raras vezes em que duas mulheres estiveram à frente de um voo comercial no país.
O G1 acompanhou com exclusividade o voo de ida e volta do aeroporto de Congonhas, na zona sul da capital paulista, para o Aeroporto Presidente Juscelino Kubitschek, em Brasília, realizado pela Gol com um tripulação totalmente composta por mulheres: além das duas pilotos, a três comissárias também eram do sexo feminino. A chefe de cabine Priscila Heimy acabou de voltar da licença maternidade. Sua filha tem apenas 8 meses e sente sua falta durante as viagens.
“Como é um voo feminino, a papo aqui dentro é de mulher. E do que mulher fala quando está sozinha?”, brincou a comandante, quando questionada pela reportagem sobre o que conversaria nas alturas com a companheira. “Agora que tenho uma filha, só falo de fraldas, cuidados com criança, mamadeiras. Mães fazem voos mais curtos, como ponte-aérea, para pode voltar para o lar mais rápido”, diz Priscila.
Joana foi promovida a posição de comandante há cerca de quatro meses após ter atuado por seis anos como copiloto.
A escolha da profissão surgiu por acaso: “Me perguntaram o que eu ia fazer para o vestibular, escolhi ciências aeronáuticas. Sempre gostei”, diz. Ela e a Juliana são gaúchas e se conheciam da faculdade – fizeram o mesmo curso, em anos diferentes, na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Porto Alegre. Mudaram-se para São Paulo e foram parar na mesma companhia aérea. Mas nunca antes tinham voado juntas.
“Para mim, foi um prazer voar com ela. Este voo ficará para a história das nossas vidas”, diz Juliana. As duas, que não se viam há algum tempo, são casadas com pilotos de outras companhias. “Mas em casa somos nós que mandamos, assim como aqui na cabine”, brinca a comandante.
Preparação
Na cabine, Joana, que tem 1,68m, e Juliana, de 1,63m, são cuidadosas e cautelosas. Após receber a rota de navegação do voo, a comandante começa a verificar a situação da aeronave.
“A primeira coisa que eu faço é pegar o livro de bordo e ver as anotações que o comandante do voo anterior fez, se houve algum problema, se ele fez algum apontamento. Em seguida, eu ligo todas as luzes do painel. São as luzes que nos avisam de qualquer pane. Se uma delas está queimada, não somos alertados do problema”, explica Joana. Ela checa também o alarme de incêndio na turbina. “Este é maior e além da luz, ele também grita, tem um alarme sonoro, pois é bem importante”, diz.
Em seguida, a comandante coloca no computador de bordo todas as informações necessárias para que o Boeing calcule a rota para o piloto automático, como quantidade de combustível, peso, velocidade desejada, altitude, etc. “Qualquer mudança que eu fizer na rota depois eu tenho que fazer contato com o centro de controle do espaço aéreo. Eu não posso mudar de rota ou altitude sem pedir autorização”, afirma Joana.
Foi a comandante que fez os pousos em Congonhas e em Brasília porque a Anac exige que o copiloto só pode assumir o pouso caso o comandante tenha mais de um ano na função, diz Joana, que assumiu a função de comandante com 3 mil horas de voo em Boeing.
“Nunca sofri preconceito. Os comandantes apenas estranham, olha com uma cara diferente”, diz Joana. “O fato de estranharem é algo normal, já acostumamos. Mas vamos conquistando nosso espaço. No cabine, comandantes mais experientes sempre nos ensinam, ajudam”, diz Juliana que, além de ser casada com um piloto, tem um pai e dois primos também na profissão.
Além da comandante, a copiloto e a chefe de cabine, os voos da Gol 1336 e 1967, realizados na quarta-feira, levavam também as comissárias Priscila Pereira,Monique Bonacio e Anelise Hugentobler. Já em terra, em Congonhas, Joana comemorou. “Foi um voo muito bom para nós, deu tudo certo. Ficará para a história”.
História
A primeira mulher no mundo a receber licença para pilotar um avião foi Raymond de Laroche, em 1910. Ela também foi a primeira mulher a fazer um voo solo, em Paris, no mesmo ano. Desde então, mulheres apaixonadas por aviação passaram a ingressar no mercado.
Na Gol, a primeira mulher a chegar ao posto de comandante foi Elisa Rossi, em 2007. Em agosto, a companhia promoveu mais duas copilotos ao comando de jatos, entre elas Joana.
Na Força Aérea Brasileira, a primeira oficial aviadora só se formou em 2006. Hoje, a FAB conta com 22 mulheres no comando de suas aeronaves pelo Brasil, grande parte tem nas mãos aeronaves de grande porte que atuam no transporte de tropas e na busca e salvamento.