Matéria Clube de Engenharia RJ
Em um encontro considerado histórico, tanto para os organizadores — o Clube de Engenharia e a Academia Nacional de Engenharia — quanto para um auditório lotado de convidados, com expressiva representação da Marinha do Brasil, o Almirante de Esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Jr., realizou, na noite de terça-feira, 24 de abril, a palestra “O Programa Nuclear da Marinha e o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB)”.
Na apresentação foram confirmadas importantes conquistas. Apesar das dificuldades, incluindo significativos cortes de verbas, a Marinha, “saindo do zero”, comemora entre os avanços a construção de um novo estaleiro e a capacitação do pessoal. Considera, ainda, que "o atraso de seis meses no lançamento de um submarino em um programa da magnitude do Prosub é irrisório", como afirmou o Alm Esq Bento Albuquerque, que chefia a Diretoria Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha (DGDNTM).
O Almirante de Esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Jr. iniciou a palestra afirmando "o lugar do Brasil na economia mundial e a importância do mar no desenvolvimento nacional".
O primeiro modelo S-BR baseado no projeto francês "Scorpene" está sendo montado desde fevereiro, no Complexo Naval de Itaguaí, no Rio de Janeiro, desenvolvido com transferência de tecnologia francesa do Naval Group (ex-DCNS), em parceria com a Marinha do Brasil. A previsão para os quatro modelos da classe Riachuelo é que sejam lançados um a cada 18 meses até 2023. Para o submarino nuclear, a previsão é que esteja concluído em 2028
Desenvolvimento e soberania
Além do histórico do desenvolvimento nuclear no Brasil, o palestrante destacou as oportunidades que o país vem buscando na área, em especial no desenvolvimento tecnológico e na afirmação do conteúdo local e da soberania nacional. Em meio às boas notícias, importante depoimento que constrói a história do país foi registrado pelo ex-Ministro da Marinha (1995-1998), Almirante de Esquadra Mauro César Pereira: "Eu estava deixando o Ministério da Marinha, em 1998, quando o projeto das Indústrias Nucleares Brasileiras (INB) para a fabricação de combustível para as nossas usinas nucleares estava em franco andamento. Estava previsto utilizarmos urânio enriquecido importado, e eu disse que aquilo era um absurdo total. A parte crucial de independência do Brasil é exatamente isso, e nós já dominávamos essa tecnologia. Levei cerca de seis a oito meses em briga dentro do governo, até que finalmente conseguiu-se [utilizar urânio enriquecido nacional], o que só foi concretizado no ano seguinte", revelou com orgulho o ex-Ministro.
Na abertura do evento, o presidente do Clube de Engenharia, Pedro Celestino, saudou a plateia e o palestrante, salientando, além da presença do ex-Ministro Mauro César Pereira, o comparecimento do ex-Comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Júlio Soares de Moura Neto, do presidente da Academia Nacional de Engenharia e ex-presidente do Clube de Engenharia, Francis Bogossian, e do Almirante de Esquadra Gilberto Max Roffé Hirschfeld.
"A Marinha tem tradição de encarar desafios tecnológicos e de trabalhar com nossa engenharia, tradição anterior à instalação dos cursos de engenharia no Brasil. Mais recentemente, ao longo do século XX, após a 2ª Guerra Mundial, demos com o Almirante Álvaro Alberto os primeiros passos no sentido de dominar a tecnologia nuclear. Posteriormente, a partir do trabalho dos Almirantes Arnaldo Januzzi, Maximiano da Fonseca e Othon Pinheiro da Silva, começamos a trabalhar continuamente em torno do domínio do ciclo do combustível nuclear, e tivemos êxito em pouco tempo, graças à tenacidade e ao patriotismo de uma plêiade de profissionais da nossa Marinha de Guerra. Esse trabalho teve continuidade em todos os regimes e governos, e deve ser motivo de orgulho de todos os brasileiros", ressaltou o presidente do Clube de Engenharia.
Energia, tecnologia e defesa
À frente do Prosub, o Almirante Bento Albuquerque iniciou a palestra reafirmando o lugar do Brasil na economia mundial e a importância do mar no desenvolvimento nacional. "Nossa economia é totalmente dependente do comércio, e 95% dele é feito pelo mar", apontou, apresentando outros dados: 93% da produção de petróleo e 75% da produção de gás natural, por exemplo, passam pelo mar; além disso, o país conta com 100 portos estatais e 128 portos privados. "Nossa segurança depende da segurança no mar", resumiu.
"Além disso, fazemos parte de um seleto grupo de países que tem uma das dez maiores populações, dez maiores territórios e dez maiores economias do mundo: EUA, Brasil, Rússia, Índia, China e, se considerarmos a União Europeia como conjunto de países, ela também. O Brasil é o único desses países que se utiliza da energia nuclear apenas para fins pacíficos", observou.
A Marinha considera que seu Programa Nuclear contribui ativamente para o país em três vertentes: energia, tecnologia e defesa. "Nós temos um paradoxo: o país que tem a sétima reserva mundial de urânio utiliza apenas 2,2% de energia nuclear em sua matriz energética. Se nossa matriz toda fosse nuclear poderíamos prover energia para o país por 100 anos", afirmou o Almirante. "Nós entendemos que investimento em tecnologia nuclear é um compromisso com as gerações futuras, e a diversificação da nossa matriz energética significa segurança também".
"No que diz respeito à tecnologia, acreditamos que nossos programas trazem inovação, competitividade e desenvolvimento". Segundo afirmou o Almirante, o impacto tecnológico do Programa Nuclear da Marinha e do Prosub nos últimos dez anos movimentou 700 empresas civis nacionais, 18 universidades e institutos de pesquisa, 4.800 empregos diretos e 12.500 empregos indiretos. Já no que tangencia a defesa nacional, Albuquerque lembrou que, além da Amazônia Verde, com 5,2 milhões de quilômetros quadrados, a Marinha batizou de "Amazônia Azul" a faixa de oceano de 4,5 milhões de quilômetros quadrados que se estende a partir da costa em direção ao oceano Atlântico.
"Essa área é vital para o futuro do país, pelas suas riquezas e pelas linhas de comunicação marítimas. Trata-se de uma área imediata de interesse para o país", afirmou, citando, ainda, dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que apontam crescimento de 380% do comércio marítimo até 2030, com protagonismo crescente do Atlântico Sul.
Programa nuclear: capacitação nacional e fins pacíficos
O Almirante trouxe no seu retrospecto o advento da propulsão nuclear pelos EUA, que otimizou consideravelmente o uso de submarinos como armas de guerra. O Brasil, que opera submarinos desde 1914, viu crescer o interesse sobre o tema ao longo do século XX, firmando parcerias com países como Itália, EUA, Reino Unido, Alemanha e, mais recentemente, França. As origens do atual Prosub se encontram, segundo Bento Albuquerque, no Programa Estratégico da Marinha de 1970, passando por contrato firmado com a Alemanha na década de 1980 e 1990 para a construção de cinco submarinos e transferência de tecnologia. Em 2008, acordo de parceria estratégica com a França deu início à construção do Prosub, cujo projeto básico foi finalizado em 2017.
Atualmente, dois submarinos estão em construção na Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas inaugurada no Complexo Naval de Itaguaí em 2013. Ao todo, foram investidos cerca de 5 bilhões de reais em capacitação de técnicos e engenheiros no exterior, além de 480 milhões de reais na Nuclep (Nuclebrás Equipamentos Pesados S/A), indústria de base vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
Investimentos estimados no Complexo Naval de Itaguaí. Imagem: Marinha do Brasil
Bento Albuquerque lembrou que a Constituição Federal preconiza, em seu artigo 21, que toda atividade nuclear em território nacional será para fins pacíficos. Além disso, o Brasil é sócio-fundador da Agência Internacional de Energia Atômica (1957) e signatário dos tratados de Tlatelolco, da Antártica e da Zopacas, que garantem que a América Latina e o Caribe, a Antártica e o Atlântico Sul são zonas livres de armas nucleares. "Outro aspecto importante no que diz respeito a salvaguardas nucleares foi a criação da nossa Agência de Segurança Nuclear e Qualidade, em fevereiro passado, composta de professores de notório saber que estão contribuindo para o licenciamento de nossas instalações nucleares", observou.
Programa de Estado
"Procuramos mostrar que nossos programas são programas de Estado, que passam por governos e por décadas tendo em vista o longo prazo de execução", salientou o palestrante. "A transferência de tecnologia é notável e o índice de nacionalização também é expressivo. Nossos programas são transparentes e têm viés muito grande no que diz respeito à segurança energética, tecnológica e de defesa do país. Além dos benefícios que trazem para a aplicação pacífica da energia nuclear", afirmou, citando as diferentes áreas com impacto tecnológico correlacionado, como turbinas a vapor e usinagem de componentes para usinas hidrelétricas.
Áreas de impacto tecnológico colateral ao Programa Nuclear brasileiro. Imagem: Marinha do Brasil
Ao final da apresentação, o Almirante Bento Albuquerque deixou mensagem que, para ele, condensa a visão da Marinha sobre o desenvolvimento nuclear brasileiro: "Buscamos Desenvolvimento! Buscamos um Brasil melhor para as gerações futuras, bem como contribuir para a paz mundial dentro das nossas responsabilidades perante a comunidade internacional".
"Evidentemente que essa palestra nos deixa entusiasmados com o trabalho que a nossa Marinha desenvolve para que possamos dominar em escala industrial a tecnologia nuclear, a energia deste século", parabenizou Pedro Celestino, dando ênfase à discussão sobre soberania. "Assim como o carvão foi a energia do século XIX e o petróleo do século XX, a energia deste século será a nuclear. E, por isso, ela é objeto de tanta tensão no mundo, porque o clube atômico não quer novos integrantes. E o Brasil, pelo que mostrou aqui o Almirante Bento Albuquerque, já é um membro do clube", afirmou Celestino.
Assista ao vídeo abaixo com a integra da apresentação do Almirante Bento
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