Sabe-se que a indústria de aviação é cíclica e se vê periodicamente diante de números vermelhos, sem que isso signifique a entrada de empresas aéreas numa rota irreversível em direção à derrocada.
Não há motivos para pânico, mas o tamanho do cemitério em que estão enterradas companhias brasileiras e estrangeiras com passado glorioso reforça a necessidade de atenção redobrada ao rombo observado em 2011, nos balanços da TAM e da Gol. Juntas, as duas detêm participação de 73,5% nas rotas domésticas e tiveram prejuízo de R$ 1,086 bilhão no ano passado.
A Gol, que registrou prejuízo de R$ 751 milhões, apressou-se em anunciar uma redução de 8% a 10% de sua malha de voos, ou entre 80 e 100 frequências por dia de um total de até 1.150 voos diários que opera, principalmente em horários de baixa demanda. Na semana passada, sem ter atingido o nível de adesão desejado no programa de licença não remunerada, demitiu mais 131 tripulantes.
A surpresa causada por esse desempenho aumenta quando se leva em conta a expansão do setor nos últimos nove anos, que triplica a média internacional e beira o patamar de 150%. Na verdade, após a estabilização da economia brasileira e a ascensão de uma nova classe média ao mercado consumidor, poucos segmentos ganharam tanto impulso – graças a mudanças estruturais, que foram além da conjuntura. Enquanto a paralisia nos investimentos em infraestrutura expunha a necessidade de privatização dos aeroportos e o motim de militares denunciava a saturação do controle de tráfego aéreo, a indústria vivia uma exitosa transformação.
Por mais que as folclóricas barrinhas de cereais tenham irritado passageiros acostumados a talheres e a espaços amplos para esticar as pernas, o ganho em eficiência foi notável e injetou rentabilidade na veia das empresas aéreas. A formação de "hubs", como são conhecidos os grandes aeroportos que concentram voos para distribuir passageiros, deu racionalidade à malha aérea nacional.
A Gol, que surgiu em 2001, introduziu no mercado doméstico conceitos que mexeram com as concorrentes: homogeneização da frota, uso das aeronaves por até 14 horas ao dia e vendas concentradas na internet. A TAM reagiu na mesma linha e já havia desbancado a liderança do setor antes mesmo de 2006, quando a agonia da Varig se acentuou. Depois, conseguiu assumir com competência o papel de companhia de bandeira nos céus internacionais. Uma terceira empresa, a Azul, diluiu o duopólio que ameaçava se consolidar. Concorrentes menores, como a Avianca e a Trip, souberam ocupar com êxito nichos específicos.
Mas nem tudo foi vantajoso às finanças das companhias aéreas. Em uma guerra tarifária desencadeada para ganhar fatia de mercado, o preço médio dos bilhetes caiu 9,3% em 2011 e 44,9% nos últimos dez anos, segundo a Anac. Promoções baratearam as passagens em um contexto de aumento da inflação, o que gerou custos maiores com mão de obra.
A Petrobras, que evita repassar a alta do petróleo no mercado internacional aos preços domésticos da gasolina e do óleo diesel, reajusta quinzenalmente o querosene de aviação. O combustível, que representa R$ 32 de cada R$ 100 de despesas operacionais das empresas, subiu 33% em 2011. As tarifas aeronáuticas, que não mudavam desde 1997, foram descongeladas e quase triplicaram.
A teoria sugere que, em um ambiente como esse, a oferta das empresas aéreas encolheria para se ajustar à situação desfavorável. Em fevereiro, a TAM anunciou que a frota para voos nacionais diminuirá em sete, e não mais em quatro aeronaves, neste ano. Junto com a Webjet, que comprou a Gol há nove meses, espera reduzir a frota dos atuais 145 aviões para 141 no fim do ano. Mas outras empresas veem, na cautela da concorrência, oportunidade para avançar. A Azul pretende receber 20 aeronaves (12 turboélices ATR e oito jatos Embraer), uma expansão de 40% em relação a 2011. A Avianca, que tem 26 aeronaves, deverá acrescentar cinco A-318 à frota.
De ajustes na tributação a mudanças no preço dos combustíveis, o governo pode ajudar o setor aéreo, como fez com a desoneração da folha de pagamentos e sua substituição por uma alíquota de 1% do faturamento bruto das empresas. Mas as contribuições do setor público devem se resumir a isso – ajustes -, cabendo à responsabilidade dos próprios empresários a repetição de fracassos como o da Varig, da Vasp e da Transbrasil. Se houver concorrência forte e regulação ativa, é improvável que os passageiros se tornem reféns de estratégias equivocadas.