Há 80 anos era criada a Força Naval do Nordeste (FNNE), pelo Aviso nº.661 de 5 de outubro de 1942. Essa foi uma resposta rápida ao processo de reorganização da Marinha do Brasil (MB) para adequar-se à situação de conflito causado pela Segunda Guerra Mundial. A participação brasileira na guerra foi marcada, inclusive, pelo sacrifício de heróis anônimos que deram suas vidas pela nação.
A então recém-criada Força foi inicialmente composta pelos seguintes navios: Cruzadores “Bahia” e “Rio Grande do Sul”; Navios-Mineiros “Carioca”, “Caravelas”, “Camaquã” e “Cabedelo” (posteriormente reclassificados como corvetas); e os Caça-Submarinos “Guaporé” e “Gurupi”. A FNNE recebeu, ainda, navios que acabavam de ser prontificados pelos estaleiros brasileiros e vários navios-escolta anti-submarino cedidos pelos norte-americanos; constituindo-se na Força-Tarefa 46 da Força do Atlântico Sul, subordinada a 4ª Esquadra Norte-Americana, reunindo a MB com a Marinha dos Estados Unidos da América, que já lutava contra a ameaça submarina desde 1941.
Para ampliar o tema, o Capitão de Mar e Guerra (Intendente da Marinha) João Ferreira Leal Neto concedeu uma entrevista para a Agência Marinha de Notícias sobre a atuação da FNNE, que contribuiu para a livre circulação nas linhas de navegação do Atlântico Sul contra a ação de submarinos e navios inimigos. Ele é autor do livro “Guerra Naval na Costa Nordestina – A participação da Marinha do Brasil no esforço naval de guerra na área de jurisdição do atual 3ª Distrito Naval (Ceará a Alagoas) durante a 2ª Guerra Mundial”, lançado em maio deste ano.
O senhor pode explicar o que motivou a criação da Força Naval do Nordeste?
A história da Força Naval do Nordeste iniciou em janeiro de 1942, quando a Marinha do Brasil resolveu reforçar a defesa da costa brasileira na Região Nordeste, já prevendo que provavelmente haveria incursões inimigas naquela área marítima nos meses seguintes. Nesse sentido, houve a decisão de enviar, para patrulhar a costa nordestina, uma Força Naval, denominada Divisão de Cruzadores, sob o Comando do Contra-Almirante Jorge Dodsworth, composta por navios que pertenciam a Esquadra brasileira que era sediada no Rio de Janeiro.
Passado alguns meses, em setembro de 1942, já sob o Comando do então Capitão de Mar e Guerra Alfredo Carlos Soares Dutra, aquela Força Naval, como resultado de um acordo entre os Governos do Brasil e dos Estados Unidos da América (EUA), passaria a ser operacionalmente subordinada a Esquadra norte-americana em atuação no Atlântico Sul, cujo Comando estava sediado em Recife (PE), recebendo, nessa ocasião, a denominação funcional de “Força-Tarefa 46” da Esquadra do Atlântico Sul.
No mês seguinte, em 5 de outubro de 1942, pelo Aviso nº 1.661/42, a antiga Divisão de Cruzadores passaria a ser oficialmente denominada “Força Naval do Nordeste”, permanecendo com esse nome até a sua extinção, em novembro de 1945.
Foram vários os fatores que motivaram a decisão da Marinha de reforçar a defesa do litoral nordestino, com a criação de uma Força Naval específica para patrulhar a região, além de aceitar participar de uma aliança militar com os EUA, cabendo mencionar os seguintes:
– A entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial, em 7 de dezembro de 1941, após o ataque japonês a Base Naval de Pearl Harbor, impossibilitou o Brasil de permanecer totalmente neutro ao conflito, pois estavam em vigor acordos internacionais relacionados à defesa mútua do continente americano nos casos de agressão externa. Dessa forma, em 28 de fevereiro de 1942, o Brasil romperia relações diplomáticas com os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e, após uma série de afundamentos de navios brasileiros por submarinos alemães e italianos, declararia, em 22 de agosto de 1942, guerra à Alemanha e a Itália;
– A estratégia naval adotada pelos dois países europeus do Eixo (Alemanha e Itália), principalmente a partir de 1942, de atacar a marinha mercante aliada, com o objetivo de interromper o fluxo de suprimentos das Américas para a Inglaterra e a União Soviética, visando enfraquecer o esforço de guerra desses países inimigos, levou ao acirramento das ações navais na área marítima do Atlântico. Esses ataques foram realizados principalmente por submarinos e resultaram no afundamento de centenas de navios de diversas nacionalidades, dentre os quais: um barco de pesca e 31 navios mercantes brasileiros, além de um navio de guerra da nossa Marinha – o Navio-Auxiliar (NA) “Vital de Oliveira”–, com um total de 1082 vidas perdidas.
Cabe observar que, além do NA “Vital de Oliveira”, foram perdidos, durante o conflito, mais 2 navios de guerra: a Corveta “Camaquã” e o Cruzador “Bahia”.
Nesse contexto, era fundamental para a estabilidade da economia brasileira, muito dependente do comércio marítimo internacional, além do abastecimento das cidades litorâneas, realizado principalmente via navegação de cabotagem, que o tráfego marítimo ao longo do litoral fosse mantido seguro contra investidas navais inimigas, daí a necessidade da Marinha do Brasil implementar ações visando a manutenção dessa segurança; e
– Os Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, por estarem situados próximos ao extremo oriental da costa sul-americana e, dessa forma, serem as regiões das Américas mais próximas da costa ocidental africana, tornavam o Nordeste um ponto estratégico muito importante em uma época em que as aeronaves tinham baixa autonomia de voo e estavam ocorrendo batalhas decisivas entre as forças aliadas e do Eixo pelo controle do norte da África. Tanto assim, que os EUA tinham grande interesse militar pela região e já tinham, no início de 1942, com a consonância do Governo brasileiro, estabelecido importantes bases militares no local, tais como: a Base Aérea de Parnamirim (Parnamirim Field), próxima a Natal (RN), e a Base Naval Fox, em Recife, que seria, durante todo o período da guerra, a sede do Comando da Esquadra do Atlântico Sul, depois denominada 4ª Esquadra dos EUA.
Nesse contexto, a Marinha do Brasil, durante a Segunda Guerra Mundial, também precisou dedicar especial atenção à defesa dessa área estratégica do litoral brasileiro, ampliando, por exemplo, o número de organizações militares na região, com a criação do Comando Naval do Nordeste (depois Comando do 3º Distrito Naval); criando a Base Naval de Natal, o Hospital Naval de Natal e a 3º Companhia Regional de Fuzileiros Navais de Natal (depois Grupamento de Fuzileiros Navais de Natal), além do, já citado, envio para o Nordeste de uma Força Naval, que depois de alguns meses ficaria subordinada operacionalmente a Esquadra do Atlântico Sul norte-americana e seria denominada Força Naval do Nordeste.
Qual era a missão da Marinha nesse contexto histórico?
O Brasil na época da Segunda Guerra Mundial ainda era um país pouco desenvolvido, muito carente de estradas, onde as principais cidades estavam situadas, em sua grande maioria, próximas ao litoral e a comunicação entre elas se fazia basicamente por via marítima. Esses centros urbanos eram, então, como ilhas de um arquipélago, onde o principal fluxo, tanto de carga, quanto de pessoas, era feito por meio de navios, nacionais ou estrangeiros, tornando a economia e o abastecimento desses locais totalmente dependentes do tráfego marítimo realizado ao longo da costa brasileira.
Assim, com a intensificação das ações de guerra naval no Atlântico Sul, principalmente a partir de agosto de 1942, quando foram afundados seis navios brasileiros próximos aos litorais de Sergipe e da Bahia, e o Brasil declarou guerra à Alemanha e a Itália, coube a Marinha do Brasil a missão de proteger as rotas marítimas e os navios mercantes e pesqueiros que estivessem navegando ao longo da costa brasileira, impedindo que os fluxos comerciais fossem prejudicados ou interrompidos por razões de segurança.
Para prover essa segurança foi necessário implementar uma série de medidas, tais como: maior controle de acesso às áreas portuárias; diminuição da iluminação urbana nos locais próximos aos portos e fundeadouros para dificultar a visualização de alvos pelos submarinos; e principalmente obrigar que os navios só navegassem em comboios, cabendo aos meios navais da Marinha a realização das escoltas que protegeriam essas embarcações de ataques inimigos.
Nesse sentido, a política externa brasileira, conduzida pelo Presidente Getúlio Vargas, foi decisiva, pois soube defender os objetivos nacionais, utilizando como principal moeda de troca o interesse norte-americano em estabelecer bases militares em território brasileiro, principalmente no Nordeste do país. Essas bases eram fundamentais para o apoio logístico aos meios navais e aéreos que estavam sendo empregados no Hemisfério Sul e a sua existência seria decisiva para a vitória final dos Aliados.
Desta forma a Marinha do Brasil pôde adquirir 24 navios ao longo dos anos de 1942 até 1945 que foram imediatamente empregados nas operações de guerra, além de possibilitar a modernização de diversos meios, com a aquisição de armamento e equipamentos diversos, além do envio de dezenas de militares ao exterior para a realização dos mais diversos tipos de adestramentos.
No entanto, logo no início das operações, consciente que a Marinha do Brasil, devido às deficiências de pessoal e de material, estava incapacitada de cumprir sozinha a enorme missão que lhe havia sido atribuída, houve a decisão de transferir o Comando Operacional das forças navais em atuação na costa brasileira para a Esquadra do Atlântico Sul, depois 4ª Esquadra dos EUA, parcela da Marinha norte-americana que estava atuando no Hemisfério Sul e cuja base principal era a cidade de Recife. Assim, a Divisão de Cruzadores, depois Força Naval do Nordeste, passou a ser funcionalmente conhecida como “Força-Tarefa 46” e a ela foi atribuída como missão principal: prover escolta aos comboios formados pelos navios mercantes que navegassem na costa nordestina em direção a Trinidad e Tobago, no Caribe, e vice-versa.
Cabe ressaltar que a Marinha do Brasil obteve grande sucesso no cumprimento da missão que lhe foi atribuída, tendo os navios da Força Naval do Nordeste navegado mais de 600 mil milhas marítimas e escoltado 3.164 navios mercantes nacionais e estrangeiros, em 575 comboios que transportaram 16 milhões de toneladas de suprimentos para os aliados.
Para concluir, gostaria de fazer menção às palavras de um veterano da Força Naval do Nordeste, Capitão-Tenente Helio Leoncio Martins, que, segundo meu entendimento, resume de forma magistral o que foi a atuação da Marinha do Brasil durante a 2ª Guerra Mundial. “A guerra que travamos no mar contra os submarinos do Eixo não incluiu lances heroicos, nem encontros emocionantes com o inimigo. Caracterizou-a a pertinência com que os navios antissubmarinos se mantinham no mar, na defesa dos mercantes, e a disposição de enfrentar a monotonia das idas e vindas dos comboios”.
Agora sobre o livro que o senhor publicou, o que o inspirou a escrever sobre esse tema?
A motivação para a criação desse livro começou quando iniciei minha graduação em História na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Durante o curso, fiquei bastante incomodado pela falta de interesse e desconhecimento dos professores e colegas pelos temas relacionados a história naval. Nas aulas e rodas de conversas em que eu participava, quando, por exemplo, se falava sobre a Segunda Guerra Mundial, o pouco conhecimento que se tinha era limitado à atuação da FEB na Itália, ou algumas histórias sobre a Base Aérea de Parnamirim (Parnamirim Field), nada sendo dito sobre a atuação da Marinha na defesa do litoral nordestino. Nessas ocasiões, eu surpreendia a todos quando lhes informava que houve mais marinheiros de nossa Marinha de Guerra mortos no conflito que soldados da FEB na Itália.
Assim, desde aquela época, vinha alimentando o interesse pelo tema e a vontade de algum dia publicar um texto que abordasse a participação da Marinha no conflito.
O livro aborda a importância estratégica e o interesse das Forças Armadas norte-americanas pelo Nordeste do Brasil, a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, a situação da Marinha do Brasil no início do conflito e as ações que foram efetuadas para melhorar a situação material e o adestramento do pessoal, a criação das atuais Organizações Militares do 3º Distrito Naval, a criação e atuação da Força Naval do Nordeste, descreve o afundamento dos três navios de guerra ocorridos durante o conflito (o Navio-Auxiliar “Vital de Oliveira”; a Corveta “Camaquã”; e o “Cruzador Bahia”) e relata o sacrifício e os atos de heroísmo vivenciados pelos nossos veteranos que guarneceram os navios de guerra brasileiros nas diversas operações ocorridas no período.
Navio-Museu “Bauru”
O Navio-Museu “Bauru’ é uma das atrações do Espaço Cultural da Marinha, no Boulevard Olímpico, Praça XV, Rio de Janeiro (RJ). A visita ao “Bauru” é voltada para contar sobre a participação da Marinha do Brasil na Segunda Guerra Mundial.