Ariovaldo Rocha
Presidente do Sindicato Nacional da Indústria da
Construção e Reparação Naval e Offshore (SINAVAL)
Nos últimos tempos, a construção naval vinha transbordando otimismo. Afinal, desde 2003, os estaleiros espantaram as teias de aranha de suas máquinas e voltaram a viver intensamente. Metalúrgicos que tinham se tornado camelôs e engenheiros que se dedicavam a restaurantes foram chamados de volta a suas funções.
As empresas cresceram, evoluíram tecnologicamente, todas tiveram injeção de capital, seja do Brasil ou do exterior. E os metalúrgicos, como se sabe, ganham salários superiores aos de muitas categorias assemelhadas. O respeitado Ipea revelou que, até 2013, o setor cresceu incríveis 19,5% ao ano. Reteve e distribuiu riqueza para milhares de famílias no país.
Da noite para o dia, o ambiente mudou. Até pouco tempo, a expectativa era de obtenção contínua de recordes. Agora, nossa luta é para garantir o mínimo de continuidade, sem que volte o fantasma dos anos 1990. Como sempre repetia o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, àquela época, para afastar o carrapato, acabaram com a boiada. Agora, devido a problemas contratuais, há duas ameaças à saúde da construção naval.
A primeira é financeira.
A Sete Brasil deve R$ 2 bilhões a estaleiros que, obviamente, sofrem com esse atraso e têm capacidade limitada de suportar essa provação. O número de navios-sonda já caiu de 28 para 18 unidades, e esse é o mínimo para garantir a natural continuidade do setor, onde há estaleiros criados especialmente para executar essas obras.
O presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, sabe do problema e procura resolvê-lo da forma certa e sem demora, e espera-se que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, também persiga esse objetivo.
A segunda ameaça é mais filosófica e até ideológica.
Desde que o ex-presidente Lula implantou a política de conteúdo local, gigantes internacionais do petróleo, aliadas a certos grupos midiáticos internos, atuam para enfraquecer o projeto. É natural que os estrangeiros não queiram a criação no Brasil de um centro de produção de navios e plataformas, com alta tecnologia, mas, no caso de empresas brasileiras de comunicação, não se entende a fúria contra o conteúdo local.
Devemos seguir o exemplo de Noruega e Inglaterra, criando bases industriais de plataformas, navios-sonda, barcos de apoio e indústria subsidiária. E não imitar Indonésia, Argentina e Venezuela, que não conseguiram reter riqueza do petróleo, exceção feita à pura e simples extração mineral.
Do mesmo modo que Lula adotou o conteúdo local, a presidente Dilma tem mantido e reforçado essa diretriz. Crise não é momento para se cortar tudo o que está certo, mas de se analisar e avaliar cada decisão. Na crise, a solução é manter o conteúdo local, que gera empregos para milhares de metalúrgicos e para a indústria subsidiária, ao mesmo tempo em que cria empresas altivas e desenvolvidas, que, com seus impostos, ajudam a manter a estrutura governamental e todo o arcabouço da sociedade.
Os números falam por si. O setor terminou 2014 com 82 mil empregos diretos e já caiu para 72 mil. Se tudo correr bem, essa mão-de-obra será mantida e talvez até ampliada. Já se a Sete Brasil não tiver sua solução bem encaminhada, em alguns meses o total de demissões poderá chegar a 40 mil pessoas, gerando crises tanto a nível nacional como em diversas regiões, onde mais se concentra a construção naval, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Espírito Santo e Bahia.
Como temos salientado, os navios da Transpetro – através de Promef I e II – e a encomenda de barcos de apoio – via Prorefam – estão assegurados, com contratos em pleno vigor. Apesar da indefinição gerada pela Sete Brasil, o setor conta com 324 obras em andamento, algo excepcional. Em breve, se terá de pensar em adição de novas encomendas, mas essa questão pode esperar um pouco.
A urgência atual se dá em relação aos navios-sonda – além de estarmos atentos para que certos grupos aproveitem o momento nacional de dificuldades para dinamitar uma política de conteúdo local que trouxe dignidade para centenas de milhares de brasileiros, atraiu capital estrangeiro e propicia desenvolvimento tecnológico a centenas de empresas.
Estamos em contato com deputados e senadores, com diversos segmentos do governo e com líderes trabalhistas que apoiam nossas teses. A construção naval está sofrendo com a crise, mas tem tudo para levantar a cabeça e voltar a levar alegria aos lares dos brasileiros. Nem de longe se quer ver de volta a situação de 2003, com os estaleiros fechados. Até 2030, a Petrobras irá precisar de 72 plataformas de petróleo, um volume capaz de enriquecer ou empobrecer um país, dependendo da manutenção ou não das obras em solo nacional.
E, por último e não menos importante, o apoio aos estaleiros não é unilateral. O setor precisa do suporte do governo e da sociedade, mas também contribui com sua parte. Afinal, o aluguel de navios e plataformas estrangeiras suga, todo ano, em torno de US$ 20 bilhões das riquezas nacionais. Se a produção hoje feita aqui for transferida para a distante Ásia, os empregos e os dólares ficarão por lá.
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