Nestor Antunes de Magalhães
ulissess18@yahoo.com.br
Talvez a lembrança mais remota que ainda perdura vacilante em minha memória, é a história sobre o encouraçado-de-bolso Admiral Graf Spee, contada à exaustão pela minha mãe. Ela costumava até a cantarolar para mim uma marchinha de rima forçada, do Carnaval de 1940, da qual guardei somente o seu refrão: “Sooou marinheiro do Graf Spêêê” e ela tinha vivido aquele tempo. Eu era muito pequeno e ali começava o gosto pela história militar. Depois apareceu a série na televisão, Aventura Submarina, onde o ator Lloyd Bridges personificava o herói mergulhador Mike Nelson, isto no início dos anos 60, bem antes de Cousteau. Pronto, bala na mosca, toda a gurizada queria ser mergulhador!
Foi por esta época que comecei então a desenvolver especial interesse pela Batalha do Atlântico e a ação dos U Boats, os submarinos alemães, nesta que é considerada a mais longa batalha da II Guerra Mundial. Tão longa que alguns autores a consideram como campanha. Estes, os U Boats, foram a mais mortal arma da Alemanha e por muito pouco não derrotaram a Inglaterra e modificaram para sempre o desenlace da II Guerra Mundial. E nunca na história de todas as guerras desta pobre Humanidade, uma força militar sofreu tal percentual de baixas (mais de 60%) e continuou lutando tenazmente, ameaçando e retendo imensos recursos humanos e materiais dos Aliados, até o fim. Foi então que eu senti. Estava definitivamente fascinado pela história da guerra dos U Boats, das suas façanhas e dos homens destemidos que, mesmo por uma causa errada, haviam lutado sob as ondas como ninguém jamais o fizera. Que história!
Ah, ser mergulhador? Bem, aconteceu muito tempo depois e como foi difícil para mim! Tinha sido convidado por dois colegas do Exército para realizar um curso básico de mergulho. Não aceitei, claro. Eu não sabia nadar (não sei até hoje!) e, consequentemente, tinha pavor da água. Fui obrigado a fazê-lo. Chantageado a continuar em aula sob pena de que a minha covardia fosse tornada pública no quartel. E foi duro, um verdadeiro martírio. Era o atrapalhado da turma, o cara que agarrava o cinto de lastro pela fivela ou aquele que andava com a máscara na testa. O pobre-bicho que estourava o o-ring ao desatarraxar o primeiro estágio do cilindro sem despressurizar o circuito. Um desastre total, quer na água da piscina ou fora dela. Era o Patinho Feio da turma, como havia sido rotulado por um impaciente e irritado monitor. Que coisa triste!
Mas o Patinho Feio era um cisne e não sabia. E aí deu o estalo, caiu a ficha, isto já quase no final do curso, e então consegui com mérito a minha certificação CMAS. Mesmo sem saber nadar havia descoberto ter um talento…hummm…digamos…subaquático, à semelhança de uma foca feliz. Entretanto, posso afirmar com certeza: ser mergulhador foi a tarefa mais dura de toda a minha vida.
O meu primeiro U Boat foi o U 1277, afundado ao largo da cidade portuguesa do Porto pela própria tripulação, logo após o final da II Guerra Mundial. O casco de pressão repousava a 31 m, em um fundo de areia branca, com restos de redes ainda presos no metal apodrecido. Jamais vou esquecer o aço inox do corpo do periscópio que faiscou para a vida ao ser raspado pela faca do meu dupla e a água gelada do Atlântico.
Depois foi o U 352, afundado em combate na costa da Carolina do Norte em 1942 e descoberto pelo célebre mergulhador americano George Purifoy em 1973. Mergulhei nele em 2006, favorecido por uma água quente e transparente. Além disso tive o prazer de conhecer pessoalmente o velho George e seu museu com peças coletadas no U 352.
Em 2007 foi a vez do Black Panther, o U 1105. Por quê o apelido? Este U Boat era um Tipo VII C/41 recoberto por uma camada de borracha sintética preta, uma idéia de tecnologia Stealth, já em 1944, destinada a enganar o radar e ou sonar Aliado. Foi capturado pelos ingleses e repassado aos americanos após a guerra. Estes, fizeram uma verdadeira necrópsia em busca dos seus segredos. Anos depois, fartos, afundaram-no no Rio Potomac, Mariland. Desci até o Pantera, a 28 m, em uma água escura e consegui resgatar um pedacinho da borracha do seu casco, para mim um verdadeiro tesouro. Quase perdi a vida neste mergulho.
Puxa vida, mas deveria haver uma forma de visitar um submarino sem se molhar. Assim conheci o U 505, um U Boat Tipo IX C capturado em combate pela US Navy em 1944 e conservado a seco no Museum of Science and Industry, em Chicago. Milhares de pessoas vão até este museu para conhecer esta máquina extraordinária que lá permanece, intacta, elegante e ainda ameaçadora, recebendo uma multidão que entra a bordo por uma escotilha na proa e sai por outra na popa.
O ano de 2008 foi muito feliz para mim. Consegui mergulhar no U 85, um Tipo VII B, o primeiro submarino alemão a ser afundado pelos americanos em 1942 e que está ao largo da cidade de Nags Head, também Carolina do Norte. Sobre um fundo plano de areia branca, com marcas de ondas e a cerca de 33 m de profundidade. Este U Boat foi surpreendido à noite na superfície por um destróier e, atingido pelo fogo de metralhadoras pesadas e canhões, começou a afundar. A tripulação conseguiu abandonar o barco e nadava na superfície quando o navio manobrou e lançou uma salva completa de cargas de profundidade sobre eles. Ninguém sobreviveu. Os americanos sepultaram os restos dos 27 marinheiros do U 85 no Hampton National Cemetery, Virginia, e eu fui lá para vê-los. Que história!
Um pulo até o estado de Connecticut e ali mergulhamos no U 853, afundado sem sobreviventes junto a Block Island, horas após o final da II Guerra Mundial. Ele não ouviu a ordem de rendição dada por Karl Doenitz e atacou alguns navios naquela área. Uma água gelada e uma longa descida me levaram até o U Boat que está relativamente bem conservado, ainda na posição de navegação. Uma sepultura militar a quase 40 m, ainda com as marcas no casco de um fim violento.
Uma semana depois estava na Bretanha, França. Ali, com apoio do experiente mergulhador francês Jean-Louis Maurette, visitei o U 171 que está a 42 m de profundidade em uma água verde e gelada. Ali foi um dos grandes momentos da minha vida de modesto mergulhador pois consegui penetrar o naufrágio na altura da sala de controle, a famosa zentrale. Minha nossa, estive dentro da zentrale de um U Boat!
Lógico que tinha que aproveitar a oportunidade de estar na França. Mergulhei então nos destroços do Dia D, na Normandia. Um mergulho inesquecível.
Também não deveria deixar de visitar os famosos U Bunkers, abrigos de concreto que acolhiam os U Boats e os protegiam das bombas inglesas e americanas sob um teto blindado de concreto com mais de 7 m de espessura. Estive dentro e sobre o abrigo Keroman 3, no porto de Lorient. Lembra do filme Das Boot? Dã, dã, dã, dã, tãra, ta, tã… Pois é, igual!
Ali por perto estava a casa na qual o Almirante Karl Doenitz, comandante da U Bootwaffe, havia dirigido a Batalha do Atlântico por meses. Claro que estive lá.
Já era muita história para contar. Escrevi dois artigos de página inteira para o jornal Zero Hora, outro para o jornalzinho do Comando Militar do Sul e depois foram inúmeras matérias nas revistas Mergulho, Deco Stop e Nextime. Mais tarde redigi uma coluna no importante site www.naufragiosdobrasil.com.br, outra menor no www.clubedomergulhador.com.br e assinei diversos artigos no site espanhol www.u-historia.com.
Achei que era o suficiente. Mas não era. Minha esposa e amigos começaram a cobrar a idéia de um livro. Não acreditei. Ora, para um livro não haveria assunto suficiente. Puxa, isto era pura perda de tempo! Um livro é muito complicado.
Insistiram tanto que eu sentei no teclado e, descrente, comecei a escrever. Então, para a minha surpresa, as páginas brotaram, sucederam e multiplicaram. Foram 10 capítulos, atingidos sem muito esforço. Tudo isto em menos de um ano.
Mas ainda faltava alguma coisa. Viajei até a Alemanha e lá visitei dois U Boats que estão em museus: o U 995 e o notável U 2540, um elegante Tipo XXI que mudaria o resultado da guerra, mas que chegou tarde demais. Também estive no Memorial Naval Alemão e no Memorial dos U Boats, cada um deles produziu um capítulo para o livro de tão interessantes que foram.
Depois foi uma ida até Istambul. Lá me esperava o qualificado mergulhador e arqueólogo submarino turco, Selçuk Kolay. Ele havia identificado o U 20 no fundo do Mar Negro e eu o tinha convencido a me levar até o naufrágio. O U 20 era uma história formidável. Ele e mais 5 irmãos Tipo II B, haviam sido desmontados no norte da Alemanha, transportados por via fluvial e rodoviária por 2.300 km até o porto de Constansa, Romênia, recomissionados e postos em operações de combate contra a navegação soviética no Mar Negro. Entretanto, ondas com mais de 2 m, abortaram o nosso mergulho. Perdi a viagem.
No ano passado dediquei um capítulo, o número XV, para a guerra submarina na costa brasileira. Para isto realizei intensa pesquisa histórica sobre o paquete Itapagé na cidade de Maceió. O Itapagé havia sido colocado a pique em 1943 por dois torpedos do U 161 junto ao litoral de Alagoas. Mergulhei no naufrágio deste belo vapor de 5.000 ton, uma exploração emocionante a qual eu considero como a melhor dos inúmeros mergulhos registrados no meu logbook.
Retornei ainda este ano à Turquia e mergulhei no U 20, que está no fundo do Mar Negro. Fantástico momento! Depois fui até Birkenhead, Inglaterra, para conhecer o U 534, um U Boat Tipo IX C/40 que foi resgatado do fundo do Kattegat e pode ser visitado em um museu. Uma surpreendente e incomparável máquina do tempo. E, finalmente, ainda no término do verão americano de 2010, consegui mergulhar no U 701, afundado em combate ao largo de Hatteras, USA, em 1942. Um mergulho difícil e perigoso pois o local do naufrágio é em um ponto onde as correntes do Golfo e do Labrador se encontram.
Desta forma, concluí o “U Boats, Mergulhando na História” com cerca de 254 páginas, distribuídas em 18 capítulos e com um caderno de fotografias composto de 16 páginas. O lançamento oficial do livro acontecerá no dia 18 de dezembro, na Palavraria, Rua Vasco da Gama 165. E se porventura eu conseguir levar você meu caro leitor, junto comigo, para o fundo do oceano. Compartilhando um pouquinho do meu ar, do meu arrepio e da minha emoção, os objetivos deste livro terão sido plenamente alcançados.
“…ajoelhar-se na areia branca do fundo do mar, escutando somente o chiado da nossa respiração, em silencioso respeito e observar aquele elegante casco, mesmo desmantelado por uma morte violenta, é ser tomado por grande emoção. E eu senti isto…”
Nota DefesaNet O livro U-Boats Megulhando na História pode ser aduirido diretamente do autor. Contatos com o autor Nestor Magalhães pode ser feito através do e-mail Nestor Magalhães [ulissess18@yahoo.com.br] O Editor |