Ten Gabrielli Dala Vechia
Responsável pelas estruturas de gerenciamento dos fluxos aéreos no Brasil, o Diretor-Geral do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA), Tenente-Brigadeiro do Ar Carlos Vuyk de Aquino, ao mesmo tempo em que trabalha no intenso tráfego de aeronaves dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, também planeja o futuro.
Em entrevista à revista da Força Aérea Brasileira, Aerovisão, o oficial-general comenta sobre os novos modelos de gestão que vêm sendo pensados para otimização dos serviços, os impactos do fomento à aviação reginal na navegação aérea e a necessidade de criação de uma empresa pública.
O Tenente-Brigadeiro Aquino também comenta sobre a discussão do uso de drones no País, que é pioneiro, no mundo, em legislação e e sobre as críticas da International Federation of Air Line Pilots’ Associations (IFALPA) à segurança do espaço aéreo brasileiro, devido à soltura de balões. “Nós, como sociedade, precisamos trabalhar para modificar essa cultura”, diz.
De que forma os Jogos Olímpicos e Paralímpicos impactaram na rotina do DECEA?
Em nenhum dos grandes eventos que o País sediou, o DECEA mudou sua estrutura. O Departamento está preparado para conduzir o tráfego independentemente deles: nossa estrutura é moderna, nós temos efetivo suficiente. O que modifica nossa rotina é que planejamos treinamentos específicos para acontecimentos eventuais que fogem ao cenário usual, como fechamento de aeroportos, de pistas e tráfego muito intenso.
Sempre que se fala em Olimpíada, não se deixa de citar os outros grandes eventos que o País sediou nos últimos anos. Que lições aprendemos, em relação ao controle do espaço aéreo, com eventos como Rio +20, Jornada Mundial da Juventude e Copa do Mundo?
O maior aprendizado que temos vem quando aprendemos com o erro dos outros. À medida que pudemos acompanhar a Copa do Mundo na África do Sul, em 2010, e que pudemos estar presentes na Olimpíada de Londres, em 2012, tivemos contato com aspectos que deram certo e outros que precisavam de ajustes. Lembrando que, nem sempre os modelos que são utilizados nessas locais são aplicáveis na nossa estrutura, pois nós temos algumas diferenças. Nossa capacidade em entender o que aconteceu nesses países, aplicar o que deu certo e corrigir o que deu errado, fazendo as adaptações necessárias às nossas especificidades, esse é o grande aprendizado.
A questão dos drones ainda está sendo pensada e debatida no mundo todo; mesmo nos EUA, onde o número de equipamentos desse tipo é muito expressivo, as regras ainda estão sendo revistas. Como está o andamento dessa discussão no Brasil?
O debate sobre os drones vai muito além das fronteiras do Brasil; os problemas que existem na Europa e nos EUA são exatamente os mesmos que temos aqui. Acredito que a maior ação deva ser no campo educativo, pois é o uso irresponsável dessa tecnologia que traz prejuízo a todos. O leque de possibilidades de utilização dos drones é muito amplo; temos prefeituras utilizando para combate ao Aedes aegypti, temos a imprensa querendo coletar imagens, temos a Amazon querendo utilizar drones para entregas a domicílio e temos o terrorista querendo utilizar para o mal.
Na questão legal, o País está entre os pioneiros: foi um dos primeiros do mundo a lançar uma norma, iniciando o processo de regulação da utilização de drones. O nível de experiência e conhecimento nesse campo ainda é muito incipiente, mas nós não podíamos esperar mais, sob pena de encontrarmos um cenário muito complexo.
Nossa opção foi de nos adiantarmos e começarmos um processo mais educativo do que normativo, para criar uma doutrina a esses usuários. Por outro lado, sendo o DECEA o responsável por autorizar o uso, nós precisamos ser muito ágeis, para não criar barreiras àqueles que estão seguindo as normas. Se eu não responder na velocidade que o usuário espera, provavelmente ele vai usar o drone sem me consultar. Recentemente, tive o feedback de um cidadão, que utiliza drone para fiscalização de obras, dizendo que em quatro horas a solicitação dele foi atendida. É isso que precisamos fazer: dar uma resposta adequada.
Em junho deste ano, o Ministro da Defesa, Raul Jungmann, anunciou a negociação para criação de duas novas empresas públicas no âmbito do Comando da Aeronáutica (COMAER), a ALADA, ligada às atividades espaciais, e outra, para operacionalizar parte do controle de tráfego aéreo. Como está o processo de criação desta estatal? Por que ela é vantajosa para a FAB e para o Brasil?
Na visão estratégica, a criação dessa empresa é necessária. Nós temos uma série de normas que temos que seguir, como a lei que regula o quantitativo do efetivo, que, por vezes, a depender da velocidade de certos acontecimentos, nós podemos acabar por nos tornarmos um constrangimento ao crescimento do setor aéreo no País.
Vejamos, por exemplo, a questão do programa de aeroportos regionais do governo brasileiro, em que foram selecionados, inicialmente, 250 aeroportos. Recentemente, foi publicado na imprensa que o governo de Minas Gerais criou onze novos aeroportos. Não teríamos pessoal suficiente para suprir as posições em cada uma dessas localidades. Eu preciso, portanto, encontrar outros meios para dar vazão a esse crescimento, o que poderia ser perfeitamente gerenciado por essa empresa pública.
Sobre esse programa de fomento à aviação regional lançado pelo governo em 2014, como o DECEA está se preparando? Os impactos já estão sendo observados?
A preocupação com os impactos existe desde que esse programa de fomento foi lançado. Nós percebemos que precisamos mudar alguns modelos de gestão, para que a gente tenha velocidade para prestar o serviço com a qualidade e segurança necessárias. Buscamos outros modelos, no mundo, e entendemos que nós precisamos evoluir para, em vez de mantermos profissionais espalhados em muitos locais, concentrá-los.
Em certas localidades, precisamos ter equipamentos modernos e capacidade de comunicação. Em São Gabriel da Cachoeira (cidade amazonense localizada a 853 km de Manaus), por exemplo, temos meteorologistas e controladores, para receber algo como três voos por dia, o que é absolutamente insignificante, mas necessário. E então, em Eirunepé (cidade amazonense localizada a cerca de 1160 km de Manaus), temos outro aeródromo, com a mesma estrutura de pessoal e recebendo a mesma quantidade de aeronaves.
Nós precisamos criar um centro que concentre pessoas e esforços de comunicação, e esses mesmos militares prestem serviço a São Gabriel, Eirunepé e a tantas outras localidades com o mesmo perfil. Isso traz não só melhora na qualidade do trabalho, mas também economicidade: temos o mesmo nível de segurança com menos profissionais envolvidos. É assim que vamos conseguir atender a esses novos aeroportos que vêm por aí; os estudos para compra dos equipamentos necessários a essa mudança já estão sendo realizados.
Em abril deste ano, a IFALPA, uma organização internacional de pilotos, comunicou à Secretaria de Aviação Civil que o espaço aéreo brasileiro foi rebaixado em termos de segurança, devido, principalmente, ao risco baloeiro. Como o Senhor avalia essa questão?
Toda a crítica deve ser bem recebida. O problema baloeiro é uma verdade no Brasil; tanto o é que existem programas específicos do Cenipa [Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos] para tentar melhorar isso. Mas, não se trata de um problema de tráfego aéreo, e sim de segurança da navegação aérea, porque eu não consigo exercer um domínio sobre essa questão.
A soltura de balões é um problema cultural no País e todos sabemos que não se apaga uma cultura de uma hora para outra; ela precisa de anos para se modificar. É em um sentido semelhante ao que falei sobre os drones: é questão de educação. Acredito que a forma como a crítica da IFALPA foi colocada pela imprensa brasileira teve uma repercussão interessante, no sentido de criar um alerta na sociedade, para que ela olhe com outros olhos para as consequências das ações dessas pessoas que insistem nessa prática.
O brasileiro, de forma geral, entende a crítica como algo pessoal, mas eu entendo que a IFALPA atacou um problema real; um problema que não é somente meu, ele é nosso. Então nós, como sociedade, precisamos trabalhar para modificar essa cultura dos balões.
Após 30 anos, está tramitando nas casas legislativas brasileiras um novo texto para o Código Brasileiro de Aeronáutica. Qual a importância dessa revisão? O DECEA tem participado dessas discussões?
Nessa discussão, são muitos os interesses em jogo. A questão da navegação aérea, em si, praticamente não afeta, pois ela é regulada internacionalmente por meio da OACI [Organização da Aviação Civil Internacional]. Um dos aspectos que está sendo mais debatido é em relação à questão econômica das empresas, da natureza do capital.
Eu acho que, nessa discussão, nós não podemos perder de vista a questão da soberania: isso é fundamental para um país. No que se refere ao DECEA e ao Comando da Aeronáutica, de forma geral, não temos enfrentado nenhuma resistência, nossas colocações têm sido aceitas. É, realmente, uma necessidade modernizar a legislação.