Pedro Paulo Rezende
Especial para DefesaNet
Brasília — A decisão da Marinha Brasileira de se priorizar o programa de construção de corvetas da Classe Tamandaré tem um mérito: é perfeitamente adequada ao quadro de restrição orçamentária, que será imposto às Forças Armadas nos próximos anos. A emenda que estabeleceu um teto para os gastos públicos congelou o orçamento da República por 20 anos em um momento de baixa arrecadação. As despesas serão corrigidas pelo valor da inflação e não serão revistas durante dez anos, mesmo que haja um aumento nas receitas do Estado. Nesta situação, pensar em manter uma esquadra de alto mar, com porta-aviões e outros meios de projeção de poder, é uma meta irrealística.
Isto não significa que os planos ambiciosos traçados pela Estratégia Nacional de Defesa foram abandonados completamente. O Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), que visa à construção de quatro unidades convencionais, segue sem mudanças. O programa de construção do submarino atômico, que trouxe autossuficiência na produção de combustível nuclear, também. Ou seja, a força naval terá uma boa capacidade dissuasória em um futuro próximo, no entanto, há uma clara deficiência no número de navios-patrulha.
A desarticulação do setor de construção naval, que perdeu 70% de sua capacidade nos últimos quatro anos, no esteio da crise da Petrobras. Com isto, apenas dois dos sete patrulheiros de 500 toneladas encomendados foram entregues à esquadra. No momento, a Marinha do Brasil tenta retomar de posse de cinco cascos incompletos que se encontram abandonados desde 2015 no Estaleiro Ilha S.A. (EISA), na Ilha do Governador , na cidade do Rio de Janeiro. O quadro só não é mais grave graças à compra de oportunidade de três navios-patrulha oceânicos (NPaOc) de construção britânica durante a gestão de Celso Amorim. Com 1.800 toneladas de deslocamento, são unidades extremamente capazes para a função.
Corrigindo deficiências
A Marinha ainda não decidiu rasgar os planos para a aquisição de cinco fragatas de 6 mil toneladas, como previsto no Programa de Obtenção de Meios de Superfície (PROSUPER). Antes, irá avaliar a capacidade operacional da Classe Tamandaré. Sua antecessora, a corveta V-34 Barroso, se encontra em serviço desde 2008. Já cumpriu com sucesso uma missão importante, ser a nau-capitânia do componente naval da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL), substituindo a fragata União, da Classe Niterói.
Corveta V34 Barroso Foto – MB
A Barroso já cumpriu missões na África e foi escolhida como base para um requerimento da Marinha da Guiné Equatorial que visava à construção de um NaPaOc de 2.400 toneladas —a proposta não teve continuidade. O projeto foi um grande avanço em relação às corvetas da Classe Inhaúma, que possuem um péssimo comportamento em mar pesado, o que causou desgaste estrutural precoce nas quatro unidades fabricadas.
Concebidas a partir de um projeto de NaPaOc alemão, as corvetas da Classe Inhaúma foram redesenhadas sem levar em conta as limitações do casco. Ao colocar um canhão britânico de 4,5 polegadas na proa, a ENGEPRON ignorou o impacto que o peso da peça, cerca de 27 toneladas, teria sobre as qualidades marinheiras do navio. Em alto mar e fora de zonas de combate os seis tripulantes da peça não podem permanecer em suas posições em virtude do volume de água que varria a proa. O convés de voo instalado na parte traseira da superestrutura é extremamente reduzido e os radares foram colocados em mastros altos demais para garantir a estabilidade dos navios.
O projeto da Barroso levou em conta estes problemas. O casco é maior e mais largo. A proa foi ampliada e recebeu “bochechas” copiadas da Classe Niterói para hospedar o canhão de 4,5 polegadas. A ENGEPRON também aumentou o convoo e redesenhou a superestrutura para diminuir a assinatura eletrônica do navio. De uma maneira geral, a corveta mostrou bom desempenho, mas a habitabilidade não está à altura de uma tripulação de 160 marinheiros e oficiais.
Destrinchando a Tamandaré
A Barroso e a Tamandaré, apesar de denominadas como corvetas pela Marinha do Brasil, são classificadas, internacionalmente, como fragatas leves. Em plena carga, as novas embarcações chegarão a 2.900 toneladas, 900 a menos que uma fragata Niterói.
A Classe Tamandaré é o primeiro desenho brasileiro desenvolvido para o moderno método de montagem modular. Em lugar de se construir um casco inteiriço em uma doca, ele é fabricado em conjuntos semiprontos com os equipamentos já instalados. Isto acelera e permite maior controle de qualidade o processo. Ao preço unitário de US$ 300 milhões, o navio apresenta grandes aperfeiçoamentos em comparação à Barroso. A superestrutura foi deslocada para trás e o pesado canhão de 4,5 polegadas deu lugar a um OTO-Melara, de projeto italiano, de 76 mm.
Com a economia de peso e o maior espaço, a ENGEPRON instalou dois conjuntos de quatro células de lançamento vertical de mísseis MBDA CAMM-M SeaSceptor, de projeto britânico, com 25 quilômetros de alcance, superior ao sistema ASPIDE usado nas fragatas da Classe Niterói. O conjunto de armas ainda inclui um canhão de 40 mm BAE-Bofors Trinity, sueco, duas metralhadoras .50 belgas, dois lança-torpedos antissubmarinos triplos Mk46, estadunidenses, e quatro mísseis antinavio MAN-SUP, de fabricação nacional, ou Exocet MM40, da MBDA. O convoo e o hangar possuem capacidade de operar helicópteros Sikorsky SH-60 Seahawk norte-americanos.
Sistema Sea Sceptor da MBDA, usa o míssil CAMM-M, adotado para as Fragatas Type 26 da Royal Navy
O ponto fraco do projeto é o canhão BAE-Bofors Trinity. Há poucas dúvidas de que se tornou obsoleto em um ambiente em que mísseis antinavio supersônicos poderão se tornar a regra. A escolha do sistema de míssil MBDA SeaSceptor, por outro lado, é um armamento extremamente potente para a defesa aérea. Inicialmente, a Marinha do Brasil pretendia equipá-las com um radar de varredura eletrônica, mas, para facilitar a integração com o CAMM-M, terminou escolhendo o SELEX (Atual Leonardo) ARTISAN, um radar 3D britânico de varredura mecânica, o que ajudou a baixar o custo do projeto, mas com diminuição da capacidade operacional do navio.
O sistema de propulsão é formado por dois motores elétricos alimentados por dois geradores diesel da MTU alemã. A Tamandaré será mais silenciosa e terá maior raio de ação que a Barroso, mas perderá quatro nós de velocidade máxima (25 nós, cerca de 46 quilômetros por hora, contra 29 nós, 54 quilômetros por hora).
Em suma, o projeto é barato e razoavelmente armado, mas a Marinha terá de ultrapassar grandes obstáculos para começar a construir as quatro unidades previstas. Para começar, não há estaleiros habilitados no Brasil, com exceção do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, que precisa ser modernizado. Para superar esta deficiência, a força naval pretende atrair um parceiro estrangeiro.
Falta atrativos
O maior problema do Projeto Tamandaré está no pequeno número de unidades a serem construídas, apenas quatro, o que torna o programa pouco atrativo financeiramente. Todos os estaleiros estrangeiros já contatados possuem desenhos próprios e não se mostraram dispostos a facilitar a chegada de mais um concorrente. Alguns, como a coreana DSME, já conseguiram grandes encomendas nacionais para seus produtos. Outros, como a DAMEN e a DCNS, já firmaram mercados no exterior. São navios mais sofisticados e baratos que o desenho brasileiro.
A força naval acena com o mercado futuro. Ela pretende avaliar a capacidade operacional do primeiro lote para construir, no mínimo, mais dois lotes de quatro corvetas. Além disto, o Plano de Articulação e Equipamento da Marinha (PAEMB) prevê a construção de duas esquadras e o parceiro que aceitar participar da construção das Tamandaré ganharia uma posição privilegiada nos processos licitatórios vindouros, mas muita coisa conspira contra.
O PAEMB nasceu em um momento de euforia, durante o segundo mandato do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. A Marinha tinha uma fonte constante de financiamento, os royalties do Pré-sal, que foram perdidos em uma disputa mesquinha entre os estados produtores de petróleo e os consumidores. Além disto, a Estratégia Nacional de Defesa previa um investimento de R$ 40 bilhões ao longo de dez anos. Incentivada pelo boom do Pré-Sal, a indústria naval renasceu, mas a crise econômica e as investigações da Lava-Jato terminaram por quebrar a espinha dorsal do setor.
Uma das razões de o Almirantado ter determinado a baixa do porta-aviões São Paulo foi a inexistência de estaleiros capazes de realizar a reforma do navio. A remotorização exigiria a abertura lateral do casco e não há nenhuma doca disponível para a tarefa. As instalações do AMRJ são exíguas. Há um galpão disponível para abrigar uma linha de montagem de módulos para as corvetas da Classe Tamandaré e espaço limitado para uma área de montagem final. Ou seja, há necessidade de se buscar um local mais adequado para os programas futuros da força naval. O governo deveria tomar uma atitude mais firme e desapropriar as instalações do EISA a preço histórico.
Por último, vale uma pergunta: os patrulheiros da Classe Amazonas foram adquiridos, da inglesa BAE Systems, com uma licença de produção. Não seria a hora de utilizá-la? São navios baratos e efetivos e trariam um grande impulso na proteção da Amazônia Azul, extremamente vulnerável ao crime transnacional.
Navio de Patrulha Oceânica P120 Classe Amazonas