As disputas envolvendo a indústria nacional e as companhias estrangeiras de óleo e gás não vão acabar mesmo após a aprovação da Medida Provisória 795, que estabelece os parâmetros para funcionamento do Repetro, regime especial aduaneiro para tributação de bens e serviços contratados pela indústria de óleo e gás, e também equipara as demais petroleiras à Petrobras em questões fiscais.
Quando voltar do recesso, o Congresso vai examinar, em regime de urgência, o Projeto de Lei nº 9.302, do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), que quer fixar em lei os percentuais de conteúdo local nas próximas rodadas de áreas leiloadas sob os regimes de concessão e partilha de produção.
Dependendo da velocidade de tramitação e caso seja aprovado, o PL pode complicar os leilões da ANP programados para março e junho de 2018, adverte fonte do Ministério de Minas e Energia. "Não há como aplicar as regras do PL 9.302 nas rodadas de 2018, não tem como mudar o edital nessa altura", diz a fonte.
Este ano, o governo tentou avançar na redução das exigências de conteúdo local, mas por pressão da indústria nacional, a questão continua voltando à pauta. O tema tinha virado um destaque da MP 795, mas Goergen negociou com a bancada governista tirar o destaque para votação da MP, que ainda precisa ser sancionada pelo presidente Michel Temer. Recentemente a Agência Nacional de Petróleo (ANP) sugeriu aumento dos percentuais de conteúdo local de 25% para 40% – válido para plataformas a serem instaladas em áreas leiloadas entre 2005 e 2015.
O PL 9.302, também de autoria de Leonardo Quintão e outros, estabelece limites por lei para a aquisição de conteúdo local mínimo por empresas que comprarem áreas exploratórias nos próximos leilões da ANP. Ou seja, enquanto a proposta da ANP resolve um problema passado, Goergen quer estabelecer uma lei que valha para o futuro.
A 15ª Rodada de Licitações da ANP está marcada para o dia 29 de março e a 4ª Rodada do Pré-sal vai acontecer dia 7 de junho de 2018. Os percentuais estabelecidos no PL 9.302 são parecidos com os sugeridos pela ANP na proposta enviada pela agência para avaliação do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e que, por sua vez, são semelhantes ao que a Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) pedia. As empresas que não obedecerem os percentuais prometidos nos contratos precisam pedir um "waiver" (ou perdão no jargão do setor) à ANP para evitar multas.
O diretor-geral da ANP, Décio Oddone, afirma que a iniciativa de aumentar os percentuais em relação ao anteriormente proposto pela agência foi uma forma de evitar a judicialização dos contratos, "resolver o passado" e destravar o setor.
Entre as diferenças entre a proposta da ANP e o PL 9.302 estão o aumento do percentual de conteúdo local mínimo no texto apresentado por Goergen, que dividiu os trabalhos de construção dos poços em duas etapas. Com isso, na etapa de desenvolvimento da produção, que só ocorre caso se descubra um campo viável economicamente, o PL 9.302 propõe que os percentuais de compras nacionais fiquem em 25% para os serviços incluídos na construção de poços, enquanto os bens nessa etapa permaneceriam com 40% de conteúdo local. O sistema de coleta e escoamento ficaria com 40% de conteúdo nacional (mesmo da proposta da ANP), mas a construção de plataformas sofreria nova divisão, com 25% para os serviços e 40% para os bens. Assim, o conteúdo local médio pode aumentar até 60% com a divisão proposta.
Goergen não soube explicar por que as áreas sob o regime de cessão onerosa ficaram de fora do projeto de lei. "Eu confesso para ti, humildemente, que não saberia dizer de uma maneira mais aprofundada. E eu sugiro o Velloso porque ele tem isso na ponta da língua", disse, referindo-se ao presidente da Abimaq, José Velloso Dias Cardoso, que não retornou.
Telmo Ghiorzi, diretor da Associação Brasileira das Empresas de Servicos de Petróleo (Abespetro) se preocupa com a possibilidade de os percentuais de conteúdo local serem estabelecidos por lei. Segundo ele isso pode engessar um setor que muitas vezes precisa tomar decisões rápidas e é muito impactado por inovações tecnológicas.
"Nosso ponto principal é que isso não deveria ser objeto de lei. Muito mais importante do que discutir para que serve o conteúdo local, é discutir o número. Depois de 20 anos de política de conteúdo local com idas e vindas, conseguimos construir no Brasil uma certa capacidade produtiva. Mas não construímos capacitação e competência para expandir a indústria de bens e serviços para ser exportadora, de modo a ficar um pouco mais imune às flutuações normais do setor", diz Ghiorzi.
Na avaliação do executivo, que representa as empresas de serviços, da forma como está sendo formulada a política, o Brasil terá um retrocesso. "O conteúdo local do jeito que está sendo formulado, servirá puramente para se retornar à mesma política que se aplicava no Brasil na década de 30, que é a de substituição das importações. É um caminho altamente retrógrado".
Ghiorzi defende que o melhor caminho seria que o tema fosse tratado no âmbito do Programa de Estímulo à Competitividade da Cadeia Produtiva, ao Desenvolvimento e ao Aprimoramento de Fornecedores do Setor de Petróleo e Gás Natural (Pedefor). Se não for esse o caminho, ele vê turbulência. Por ser o instrumento mais marcante do setor, diz, se sofrer uma mudança radical no que diz respeito a quem o formula, que é o CNPE, e quem o aplica, que é a ANP, a indústria poderá fazer uma leitura de incerteza onde deveria haver estabilidade. "Os atores vão aguardar para entender os efeitos práticos da mudança. Logo, é possível que os próximos leilões de blocos fiquem esvaziados", diz o executivo.
Jerônimo Goergen, que representa a Abimaq, Instituto Aço Brasil e a Frente Parlamentar da Indústria de Máquinas, que ele preside, sabe do potencial explosivo do seu projeto. Mas diz que é uma forma de forçar o governo a enxergar os problemas da indústria brasileira. "Nós não estamos querendo gerar custo Brasil. Queremos é com isso fazer com que o governo se dê conta deste custo e trabalhe para diminuir. Também não podemos, como brasileiros, deixar que entreguem tudo para todo mundo aí fora e nós ficamos com o custo Brasil para dentro. Aí você não gera emprego no Brasil. Fazer de conta que não existe o custo Brasil para fora, mas existe para o brasileiro, acho um equívoco", disse.
Segundo o raciocínio do deputado, o governo não deveria "dar incentivo para alguém vir de fora e tomar conta daquilo que é do Brasil sem que pelo menos a indústria nacional tenha condições de competir em pé de igualdade".
Questionado se não seria mais viável reduzir o custo Brasil, o deputado concorda, mas avalia que está acontecendo o contrário. "Nós estamos vendo o aumento da carga tributária, do custo da energia, enquanto falta estrada. E enquanto o Brasil não se organiza, nós não podemos fazer com que a indústria nacional seja penalizada pela desorganização do Brasil", diz.
Alberto Machado, diretor executivo de Petróleo, Gás, Bionergia e Petroquímica da Abimaq, a discussão agora é em torno de uma política industrial que permita gerar emprego e que tem um efeito importante para municípios e estados brasileiros.
Mesmo admitindo que empresas estrangeiras fizeram investimentos importantes no Brasil, ele defende maior proteção para a indústria brasileira porque as estrangeiras poderão se financiar no exterior via agências de crédito à exportação, que exigem a aquisição de máquinas e serviços no país de origem do dinheiro, como contrapartida. "Esse é um dos pontos críticos. E quando o Brasil começa a ter risco de rebaixamento, o que deixa os financiamentos mais caros. Na condição de importador, o 'funding' para os projetos é melhor lá fora", diz Machado.
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