(RFI) Após um incidente com o Boeing 737 Max 9 da Alaska Airlines, que perdeu uma porta durante um trajeto nos Estados Unidos na última sexta-feira (5), a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC suspendeu, no domingo (7), os voos da aeronave no Brasil. Com um histórico de problemas, incluindo dois acidentes fatais, o modelo causa apreensão entre os passageiros e dor de cabeça para a própria Boeing e para as companhias aéreas que operam com a aeronave.
O incidente levou à suspensão dos voos com o Boeing 737 Max 9 tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil e ao cancelamento de dezenas de voos em todo o mundo. A ANAC acompanhou a recomendação da FAA – Agência Federal de Aviação Civil dos EUA, para que as companhias aéreas suspendam a circulação e façam a inspeção imediata de todas as aeronaves deste modelo.
Procurada, a agência brasileira destacou, em nota, que a única companhia aérea operando a aeronave no país é a Copa Airlines, em voos internacionais com chegada e partida no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.
“A empresa aérea já anunciou a suspensão das atividades com a aeronave para a revisão técnica necessária até que haja a liberação para retorno ao serviço”, disse a ANAC. “A empresa está trabalhando para minimizar os impactos para os passageiros e a ANAC monitora esse processo”, completou.
Para o comandante de bordo François Grangier, presidente honorário do grupo de especialistas licenciados do Tribunal de Cassação, ouvido pela FranceInfo, cabe à Boeing decidir se o incidente representa um risco para o resto da frota.
“Mesmo assim, é sempre bom tomar uma medida de proteção e prevenção. Portanto, se estas companhias aéreas quiserem parar os seus aviões, elas podem. Dito isto, cabe ao fabricante decidir se o evento em questão significa um grande risco. É possível, mas também podemos imaginar que seja um problema pontual”, disse.
Grangier opina ainda que o incidente não pode afetar a confiança no fabricante. A Boeing é a maior empresa aeroespacial do mundo, atua em 150 países e acumulou, em 2020, uma receita de US$ 58,2 bilhões.
“Não podemos questionar uma instituição na sequência de um acidente, ou mesmo de vários acidentes. A Boeing é uma empresa séria. Presumo que ela tomará as medidas apropriadas. Hoje, uma empresa deste porte e reputação não pode se dar ao luxo de esconder algo ou correr riscos. Principalmente porque depois dos problemas com o sistema de proteção contra a perda de sustentação do avião, há algum tempo, a Boeing esteve em dificuldades econômicas. Hoje, esconder um grande problema significaria sair do mercado”, destacou.
Na Europa
Apesar da resposta das autoridades e de o incidente nos EUA não ter deixado vítimas, muitos passageiros começam a desconfiar da qualidade das aeronaves, especialmente devido ao histórico do modelo.
O jornal francês Le Fígaro publicou uma matéria nesta segunda-feira apontando todas as companhias que utilizam as aeronaves 737 Max 9 e o que os passageiros devem fazer se quiserem desistir de voar na aeronave. Segundo o veículo, poucas empresas aéreas na Europa possuem o modelo em suas frotas e há apenas 1400 Boeings 737 circulando pelo mundo (220 Max 9).
“Se este carro-chefe da Boeing é amplamente distribuído pelo mundo a ponto de ter permanecido por muito tempo como o avião comercial mais vendido da história, sua quarta geração, conhecida como ‘Max’, aparece como uma aeronave amaldiçoada para o fabricante americano”, afirmou o diário.
Na Europa, apenas a Ryanair, que possui 84 aeronaves Max 8, a Norwegian, com 18 Max 8 e a Icelandair, com quatro Max 9, operam com a aeronave em todas as versões combinadas.
Segundo a Agência Europeia para a Segurança da Aviação (EASA), nenhum operador na Europa está utilizando os 737 Max 9 no momento. A Turkish Airlines, que tem cinco aviões, retirou as aeronaves de circulação “para verificação como medida de precaução”.
O jornal destaca ainda que os passageiros que estiverem com voos marcados nas aeronaves deste modelo devem aguardar as companhias remarcarem as viagens, já que “o medo de voar” nos 737 Max 9 não figura entre os motivos de cancelamento com reembolso total do valor, sem taxas.
Porta encontrada
A porta do avião da Alaska Airlines, que se separou da fuselagem logo após a decolagem na sexta-feira (5), foi encontrada, anunciaram as autoridades da aviação americana, o que deve ajudar a compreender a causa deste incidente.
“Estou feliz em informar que encontramos a porta”, disse Jennifer Homendy, presidente da agência de segurança de transporte dos EUA, o National Transportation Safety Board (NTSB), em entrevista coletiva.
Um professor recuperou a placa de metal em seu quintal em Portland, Oregon. “Ele tirou uma foto. Nas fotos só consigo ver a parte externa da porta, as partes brancas. Não vemos mais nada, mas vamos pegar e começar a analisar”, disse a responsável do NTSB.
Trata-se de uma porta bloqueada e escondida por uma divisória, configuração oferecida pela Boeing aos clientes que a solicitam. Esses modelos têm “a porta do meio bloqueada”, segundo a diretriz da FAA publicada em seu site.
A aeronave, que transportava 171 passageiros e seis tripulantes, estava a uma altitude de quase 5 mil metros e teve que retornar a Portland para um pouso de emergência. Um passageiro teve ferimentos leves.
“Foi realmente brutal. Mal alcançamos a altitude e o painel da janela se soltou”, testemunhou um passageiro do voo, Kyle Rinker, ao canal americano CNN.
Nota da Boeing
A empresa afirmou que está buscando mais informações junto à Alaska Airlines e que uma equipe técnica está à disposição das autoridades para dar apoio às investigações. Em nota, a Boeing ainda concordou com a decisão da FAA em paralisar as frotas que utilizam o modelo de aeronave para inspeções.
“A segurança é a nossa principal prioridade e lamentamos profundamente o impacto que este evento teve nos nossos clientes e nos seus passageiros”, disse a fabricante norte-americana.
Histórico de tragédias
Antes do incidente com a Alaska Airlines, o modelo já havia protagonizado outras crises para a Boeing. Em 2018 e 2019, ocorreram dois acidentes envolvendo aeronaves Boeing 737 Max 8 que mataram 346 pessoas. O primeiro em Jacarta, na Indonésia, que caiu no Mar de Java minutos após decolar com 189 pessoas. E o segundo, operado pela Ethiopian Airlines, caiu imediatamente após a decolagem da capital etíope Adis Abeba, matando as 157 pessoas a bordo.
Após as duas tragédias, o uso do modelo foi interrompido durante um ano e meio, em 2019, para inspeções. Na época, mais de 40 países suspenderam as operações com o Boeing 737 Max até que a causa das tragédias fosse determinada. Já a China suspendeu definitivamente o uso das aeronaves após os dois acidentes.
Em maio de 2019, a Boeing reconheceu pela primeira vez defeitos no software do simulador de voo da aeronave. Recentemente, a companhia informou que conseguiu solucionar um problema de qualidade com um de seus fornecedores, que a havia obrigado a realizar longas inspeções em seu novo 737 Max. No entanto, no mês passado, a FAA pediu às companhias aéreas que inspecionassem seus modelos Max para investigar um possível parafuso solto nos sistemas de controle do leme.
Nos últimos meses, a Boeing teve que desacelerar as entregas da aeronave devido a problemas na fuselagem, principalmente na parte traseira. Mesmo assim, até o final de dezembro, a fabricante havia entregue mais de 1.370 exemplares do 737 MAX e sua carteira de pedidos ultrapassava as quatro mil unidades.